Alguns pontos relevantes para entender a lógica da derrota da ultradireita na Europa.
Aqui no Brasil, enquanto se vê setores enaltecendo um governador que propõe cortes de verbas da Fapesp e das Universidades estaduais e arma negócios obscuros com a Sabesp, na França e na Inglaterra houve uma reação contra a ultra-direita, com a vitória dos trabalhistas na Inglaterra e de uma frente de esquerda e centro na França.
Em ambos os casos, foi consequência de uma reação ampla contra a ultra-direita, um sentido de preservação da nação, mas não uma saída sólida contra o radicalismo.
Na Inglaterra, pela terceira vez na história, o Partido Trabalhista assume o poder com menos votos do que conseguiu nas eleições anteriores – que ele perdeu.
Desde 1992, a Inglaterra foi sucessivamente governada por um conservador, um democrata liberal, um trabalhista e um verde. Como lembrou o Financial Times, essas mudanças, que antes levavam um século, ocorreram em poucas décadas.
Uma das razões é o descrédito em sucessivos governos, que acaba alimentando o crescimento de partidos menores. A nova força inglesa são os Democratas Liberais, os Verdes e os Reformistas.
Por trás desses terremotos está a crise do modelo liberal, escancarada em 2008. As políticas de austeridade mataram qualquer tentativa de recuperação da economia britânica – e europeia. Houve precarização até do sistema de saúde, um dos orgulhos do modelo inglês. E nada indica a formação de consensos para alterar radicalmente o modelo.
Tome-se o caso da França, que afastou provisoriamente o perigo da ultradireita. Esta foi vitoriosa no primeiro turno. Se o Rally Nacional, de Marine Le Pen, vencesse as eleições, seria a primeira vez que a ultradireita assumiria o poder na França desde a Segunda Guerra.
Para barrar a ultradireita, houve um amplo acordo em que a esquerda retirou todos seus candidatos que estavam em terceiro lugar. Já os líderes de Macron não tiveram o mesmo desprendimento, mas pelo menos candidatos tiveram o bom senso de se retirar das eleições.
A eleição marcou uma vitória robusta da Nova Frente Popular, de esquerda.
Com a maior bancada, a NFP certamente reivindicará o cargo de primeiro ministro. E seu líder, Jean-Luz Mélenchon vem com propostas claras para mudar o modelo econômico: aumento drástico de impostos sobre os ricos para financiar investimentos e programas sociais. Tem propostas mas não tem maioria.
Provavelmente conseguirá reverter o aumento da idade de aposentadoria – Macron aumentou de 62 para 64 anos – e reintroduzir algum imposto sobre ativos financeiros. O pacto entre esquerda e centro será essencial para evitar a volta da ultradireita nas próximas eleições, mas não para mudar o modelo.
O quadro torna-se mais complicado quando se analisam as regras fiscais para os países da União Europeia. Para cumprir as metas, os estados-membros poderão sofrer quatro anos de consolidação fiscal para até 1% do PIB a cada ano, de acordo com o Pacto de Estabilidade e Crescimento firmado no inverno passado. E tudo isso em um ambiente de altas taxas de juros, em que apenas rolar a dívida já terá um custo elevado. Levada ao pé da letra, não haverá recursos para políticas industriais, sociais, para a transição verde.
Além dessas restrições, há prioridades de cada grupo que compõe a aliança. Há enorme resistência ao aumento de impostos na Europa. Há pequenos espaços para tributar impostos internacionais sobre transações digitais e financeiras, algum imposto sobre multinacionais, sobre carbono e taxas de importação e, em alguns países, também sobre propriedades ou heranças, mas em valor insuficiente para financiar a transição verde e as novas políticas industriais.
Se não se chegar a consensos, que alterem significativamente o atual modelo de concentração de renda, a ultradireita voltará fortalecida nas próximas eleições.