A queda do regime de Bashar al-Assad foi rápida e foi resultado de um conjunto de fatores. A frente dos grupos terroristas HTS e Exército Nacional Sirio foi formada por um longo período em Idlib, sob a coordenação das inteligências turca, israelense e norte-americana. A brigada formada por estes grupos tinha força militar real, como drones dotados de inteligência artificial, lança-mísseis e até mesmo blindados. Nada disso foi necessário para a tomada de Damasco porque o Exército Sírio já estava neutralizado, provavelmente com uma verba capaz de comprar todos os generais e oficiais com comando de tropa que muito eficientemente evitaram que houvesse um combate real com as fileiras dos terroristas.
Isso não foi acidental, mas responsabilidade direta do presidente sírio, que não aceitou a proposta russa de reforma das Forças Armadas sírias e afastou todos os oficiais que trabalharam anteriormente com assessores militares iranianos e russos. Bashar al-Assad não era realmente afinado com a luta anti-imperialista e após certo período do fim provisório da guerra se aproximou da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos e, segundo algumas fontes, até mesmo da OTAN. Dessa forma, pode-se dizer que a guerra já estava perdida de antemão, devido à clara traição de Bashar al-Assad à soberania nacional da Síria.
A Síria foi fragmentada territorialmente desde 2011, tendo os Estados Unidos se apossado da região mais rica em petróleo e produção agrícola, riquezas que são roubadas do país via as autoridades curdas e que são vendidas nos mercados mundiais. Israel bombardeou a Síria sistematicamente neste período, destruindo a infraestrutura do país de forma planejada e consciente. Além disso, o regime sírio foi considerado ditatorial e criminoso, sendo a Síria punida por várias sanções.
A queda do regime foi possível, portanto, por um conjunto de fatores que condicionaram o resultado final. O principal, no entanto, foi que este resultado significa que a estratégia do imperialismo foi bem-sucedida no que se refere à derrubada do regime sírio.
Irã e Rússia são os dois grandes perdedores diretos, porque tiveram chance de intervir e não o fizeram. Os dois países sabiam do perigo de uma invasão dos terroristas e advertiram Bashar al-Assad, que não fez nada. Mas ele foi se reunir no dia 29 de novembro com Putin para pedir ajuda e ela foi negada por Putin. Embora o caldo já tivesse entornado, uma ação fulminante e arrasadora da Rússia poderia ter evitado o pior.
As oligarquias árabes da região do Golfo estão muito preocupadas com a ameaça representada por uma variante do Islã político que pode representar um desafio existencial. De forma surpreendente, as oligarquias tendem agora a ver o Irã como um fator de estabilidade regional. A posição da Arábia Saudita e dos Emirados Árabes Unidos vai ser decisiva para estabelecer o futuro da região.
Israel e Turquia são os grandes vencedores, mas não possuem uma proposta para o que poderá ser uma nova Síria. Israel está avançando militarmente no terreno, após ter destruído todos os recursos militares das Forças Armadas Sírias. Seu projeto é estabelecer uma parte do “Grande Israel” e tornar a Síria uma coisa do passado. Já a Turquia exigiu que a Síria pertença exclusivamente ao povo sírio, um apelo velado para suspender a presença militar estrangeira (russa, americana e iraniana). Mas ela também pretende expandir seu território, anexando partes do território sírio.
A Rússia já emitiu declaração que não admite que suas bases militares em território sírio sejam afetadas, prometendo retaliação militar. A Rússia é pragmática e uma declaração do Ministério das Relações Exteriores sugeriu claramente que Moscou tem um plano B para reforçar sua presença militar na Síria. Curiosamente, a declaração observou que Moscou está em contato com todos os grupos de oposição sírios. A declaração evitou escrupulosamente usar a palavra “terrorista”, que as autoridades russas vinham usando livremente para caracterizar os grupos sírios que assumiram o controle de Damasco.
Já Biden já anunciou que a presença militar russa não permanecerá e possivelmente vê a instabilidade prolongada e as incertezas na Ásia Ocidental como uma armadilha deixada por ele para Trump. Certamente os Estados Unidos também não pensam em abrir mão de sua ocupação no leste da Síria, e a continuidade do roubo do petróleo sírio.
Portanto, o que está em jogo é a soberania e a integridade territorial do país e a desintegração da Síria como Estado. Assim, pode-se esperar uma Síria truncada, um estado residual, com interferência externa em larga escala e o país em sua forma atual, fundado em 1946, pode desaparecer completamente do mapa da Ásia Ocidental.
Neste quadro, o Irã está sofrendo um sério revés do qual é difícil se recuperar no futuro próximo, já que a ascensão de grupos sunitas levará a uma nova armadura de poder na Síria, que é visceralmente hostil a Teerã. A evacuação de diplomatas seguida pelo ataque à embaixada iraniana em Damasco fala por si. Na verdade, Israel não poupará esforços para garantir que a influência iraniana seja derrotada na Síria.
O povo sírio está vivendo o duro golpe perpetrado pelo imperialismo sionista usando supostos jihadistas, na realidade gangues mercenárias de diferentes matizes. Eles agem sob suas ordens, por procuração, na Chechênia, no Sahel, no Iraque, na Líbia, também na Ucrânia; e agora culminam na Síria o trabalho sujo iniciado em 2011. Poderá haver alguma reação do povo sírio diante da sua virtual divisão entre potências estrangeiras? O partido do ex-presidente foi proibido e seus recursos absorvidos pelo novo governo. Dificilmente haverá alguma reação organizada, mas certamente conflitos vão ocorrer diante da nova ditadura que se implantou no país.
O saldo previsível da queda da Síria para o Eixo da Resistência e para a Rússia.
Aqueles que confiavam na democracia burguesa e no direito internacional não têm mais como continuar a se iludir. Hoje não há outra lei além da do mais forte, e a impunidade de Israel e dos governos dos Estados Unidos é total. Catorze meses de assassínio deliberado em massa da população civil palestina, a grande maioria dos quais são mulheres e crianças, são disso testemunho. As decisões dos tribunais internacionais são letra-morta porque os governos não as cumprem. O Irã, certamente, é o próximo alvo do imperialismo e vai ter que romper o imobilismo e fabricar quantas ogivas nucleares tiver condição. O Iraque poderá sofrer algo semelhante ao que ocorreu na Síria, pois é um país que não consegue sequer controlar suas finanças públicas e permanece ocupado pelos EUA, que também aí roubam seu petróleo. O Hesbolá e o Hamas podem ter que enfrentar os novos exércitos jihadistas ocidentais, com financiamento e logística militar avançadas.
Já a Rússia deve tomar iniciativas ofensivas na Ucrânia, não deixando que o inimigo ganhe capacidade de se recuperar e atacar novamente com mais força como ocorreu na Síria. O perigo que se esconde para o governo russo é que os interesses burgueses daqueles que querem alcançar um acordo de paz a qualquer preço, a fim de voltar aos negócios com o Ocidente o mais rápido possível, prevaleçam. E não há como voltar ao passado porque o objetivo do imperialismo ocidental é acabar com a Rússia como potência e como país, custe o que custar; mesmo à custa da destruição de todos os vestígios de credibilidade democrática, como o demonstra a desestabilização da Geórgia, da Moldávia ou da Romênia.
Em direção à guerra em grande escala.
A queda da Síria representa hoje um passo importante para o controle do Oriente Médio pelo sionismo e o imperialismo e um enfraquecimento do Eixo da Resistência e da Rússia. A Rússia deve entender o mais rápido possível que seus destinos estão ligados. Nós todos devemos entender que a solidariedade com o Eixo da Resistência deve ser um baluarte concreto do Internacionalismo.
Isso também significa que o imperialismo se sente hoje mais forte e mais inclinado a realizar seus planos de guerra em grande escala contra a Rússia e a China, usando a juventude da classe trabalhadora como bucha de canhão. A destruição econômica da Europa, a militarização social e a economia de guerra vão na mesma direção.
Os planos do imperialismo são muito claros e eles são abertamente proclamados em todos os lugares. Não há espaço para ilusões pacifistas que se chocam com a dura realidade. A única atitude coerente é denunciar todas essas políticas como um agravamento da luta de classes na crise do capitalismo, cuja expressão máxima é a guerra, e preparar a classe trabalhadora para enfrentá-la.