No dia 6 de agosto, foi lançado o documentário “Crença em Conflito – A Ascensão dos Evangélicos no Brasil”, no Armazém do Campo, em São Paulo. Fruto de intensos diálogos, pesquisas e visitas a comunidades religiosas em Maceió (AL), Recife (PE) e Olinda (PE), Afonso Bezerra, diretor e roteirista do documentário, aborda com sensibilidade e compromisso a questão da religião no Brasil em 2024. Produzido pelo Brasil de Fato, um veículo de notícias que cobre as lutas sociais a partir da ótica dos movimentos populares, o documentário mostra que a temática da religião tem avançado dentro do campo da esquerda não religiosa, não apenas como um debate eleitoral, mas também como uma disputa em seu sentido mais amplo: o cotidiano.

O documentário traz entrevistas com evangélicos e evangélicas que relatam suas trajetórias dentro do espaço religioso e seus envolvimentos com pautas de luta por direitos humanos e ambientais, como o feminismo, racismo, justiça ambiental, e políticas afirmativas de gênero e sexualidade. Escutar essas vozes é essencial para compreender que os evangélicos constituem um grupo heterogêneo. Embora a grande maioria ainda reproduza discursos fundamentalistas e conservadores, há aqueles que buscam encontrar em sua tradição de fé um Jesus Libertador, ecoando as teologias da libertação desde seu surgimento.

A mesa de lançamento contou com a participação da coordenadora de pesquisa do Instituto Tricontinental de Pesquisa Social, Delana Corazza, do historiador e membro do PSOL, Valério Arcary, e de mim, como pesquisadora do Tricontinental e teóloga feminista, além da presença de Afonso Bezerra. Foi um momento de diálogo aberto com os participantes do cine-debate, que trouxeram suas inquietações sobre como combater o fundamentalismo religioso nas bases. Entre os pontos discutidos, destacaram-se as contradições entre igrejas evangélicas fundamentalistas, que estão no cotidiano da classe trabalhadora, e igrejas progressistas ou grupos de esquerda que se fecham entre si e não estão no dia a dia com as pessoas. Como não reproduzir fundamentalismos — a crença em uma única verdade, forma de ser, pensar, agir — dentro de outras lógicas de pensamento, incluindo as de esquerda? Mais profundamente, foi levantada a dificuldade de dialogar quando as violências religiosas e simbólicas são promovidas por evangélicos e evangélicas, muitas vezes de nosso próprio convívio — familiares, parentes que excluem e machucam ao discordarem da opção de religiosidade (normalmente ligada às tradições de matriz africana) ou da orientação sexual: quando dialogar, com quem dialogar, e quando combater?

Infelizmente, não há uma receita de bolo ou um manual a seguir. Em 2022, o Instituto Tricontinental lançou a cartilha “Resistir com Fé: Evangélicos e Trabalho de Base”, que instiga os movimentos populares a trabalharem essa temática com seus dirigentes, reconhecendo os limites, preconceitos e tensionamentos da esquerda com a fé evangélica, visando a um trabalho de base efetivo com a classe trabalhadora, que hoje tem se tornado cada vez mais evangélica. A cartilha serviu de inspiração para o documentário e propõe discussões a partir da realidade de cada território.

Reconhecemos que o diálogo com os evangélicos deve ser um tema essencial nos debates sobre análise de conjuntura, não só no Brasil, mas em toda a América Latina. Dessa forma, poderemos compreender cada vez mais a situação da classe trabalhadora, seus anseios, desejos, buscas e alívios, bem como analisar quais ideologias têm permeado suas mentes e corações.

O documentário traz luz a um debate que não deve ser levado em conta apenas no período eleitoral, mas sim em toda a luta para que possamos reconquistar a classe para as pautas que defendem seus direitos como trabalhadores e trabalhadoras, em suas múltiplas identidades e opressões. Crença em Conflito é um chamado aos militantes de todo o campo para refletirem sobre o futuro da religião em um contexto onde as fronteiras entre o sagrado e o secular se tornam cada vez mais borradas e cinzas. Como essas dinâmicas influenciam a democracia e o tecido social? E, acima de tudo, qual é o papel dos militantes nesse enfrentamento ao fundamentalismo? Como diria o pastor Wellington Santos, de Alagoas, em entrevista ao documentário: “a fé está em disputa, esteve ontem, está hoje e vai continuar em disputa…”.

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Última Atualização: 28/08/2024