A instabilidade geopolítica tem se ampliado com a escalada de guerras inter estatais, guerras civis e guerras por procuração em várias regiões do globo, por motivos que conectam conflitos entre si e outros casos com motivações diversas. Mas o maior número de conflitos armados, pelo menos os mais ameaçadores para a ordem mundial e para a vida na terra, tem nos últimos anos pós pandemia, se concentrado numa região específica do planeta.
Não é por acaso, que a primeira viagem internacional escolhida pela nova administração Trump, é o Golfo Pérsico, para visitas diplomáticas à Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos entre dos dias 13 e 16 de maio (Vamos tratar desse tema mais a frente). Dias atrás, Trump tinha viajado ao Vaticano, não sendo uma viagem planejada, mas por ocasião do funeral do Papa Francisco, e mesmo assim acabou se reunindo extra oficialmente com o presidente da Ucrânia, Volodymyr Zelensky, para tratar de um dos conflitos mais graves da atualidade e que está impactando todo continente europeu.
Nesse mapa logo abaixo você pode visualizar, o que podemos considerar como a região mais perigosa do mundo:

No leste europeu a guerra entre russos e ucranianos completou três anos. Descendo pelo mar negro, passando pelo leste do mar mediterrâneo temos a guerra civil na Líbia no norte da África desde 2011.
Ainda no mediterrâneo, mas no Oriente Médio, há também a guerra entre Israel e o Hamas na Palestina, com desdobramentos no sul do Líbano envolvendo o Hezbollah e operações de Israel na Síria.
Pelo mar vermelho, encontramos a guerra civil no Sudão desde 2023, e a guerra civil no Iêmen desde 2014, além do envolvimento desse país em conflitos com Israel por conta da causa Palestina.
No golfo de Aden no chifre da África a Somália passa por uma longa guerra civil desde 1991 e mais ao leste, no sul da Ásia, especialmente na região da Caxemira, acaba de eclodir mais uma guerra entre Índia e Paquistão.
Essa pode não ser a única região que contém conflitos armados no mundo, mas é com certeza o espaço territorial do planeta Terra, que concentra o maior número de guerras em atividade destrutiva, onde se encontra os países que mais importam armas e equipamentos militares, onde está o maior número de potências em guerra que possuem tecnologia e armas nucleares, e consequentemente é a região onde se produz as maiores e mais terríveis crises humanitárias e deslocamentos forçados do mundo.
Conflitos armados e o impacto na indústria de defesa mundial
Todas essas guerras estão incidindo diretamente sobre a indústria militar no mundo, que por sua vez, acaba retroalimentando mais guerras, na medida que aumenta as capacidades das frações em combate, prolongando os conflitos. A guerra no leste europeu, com a Ucrânia recebendo amplo apoio militar de potências membros da OTAN, elevou as importações de armas pelos estados europeus, aumentando em impressionantes 155% entre 2015 e 2024. O governo ucraniano tornou-se o maior importador de armas e equipamentos militares do mundo no período de 2020-2024, respondendo por 8,8% do total global.
A dependência militar da Europa em relação aos EUA deu um salto significativo, aumentando de 52% para 64% as importações e a demanda de armas dos países europeus membros da OTAN. Os EUA, por sua vez, fortaleceram sua posição como maior exportador de armas do mundo, sua participação no mercado mundial saltou de 35% para 43% no período 2020-2024, fornecendo armas para mais de 100 estados, demonstrando uma base de clientes excepcionalmente ampla. Além disso, nos poucos meses da atual administração Trump, já foram realizadas mais operações militares do que todo ano de 2024 no governo Biden. Ataques aéreos na Somália, Iêmen, Síria e Iraque já foram registrados.
Os números citados neste artigo pertencem ao banco de dados do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo – SIPRI. Confira agora um gráfico demonstrativo dos maiores exportadores de armas do mundo:

Nesse gráfico é possível constatar que os EUA controlam quase 50% do mercado global de armas, uma liderança exageradamente superior comparado a qualquer outro país.
A França passou a Rússia e agora ocupa o 2º lugar, com quase 10% das exportações, que tem como destino principal a Índia, Catar e a Ucrânia.
A Rússia sofreu uma forte queda nas suas exportações militares, caindo de 21% para menos de 8%, devido às sanções e a necessidade de reabastecimento interno de suas tropas em guerra. A China teve uma queda de 5,4% nas suas exportações, mas se manteve em 4º lugar, com 60% das suas exportações voltadas para atender o Paquistão, sua produção industrial militar se concentra em modernizar e equipar suas próprias tropas, projetos de segurança nacional e em menor proporção aliados mais próximos. A Alemanha também sofreu uma queda de 2,6% em suas exportações de armas, mas se manteve em 5º lugar, priorizando exportações para Ucrânia, Egito e Israel. A Itália assumiu a 6º colocação, surpreendendo com um salto nas suas exportações, que cresceram mais de 130%, atendendo especialmente o Catar, Egito e o Kuwait.
Existem quatro países que não estão no Top 10 de maiores exportadores de armas, mas que tiveram um “boom” no crescimento de sua indústria militar com a expansão descomunal do volume de suas exportações, é o caso da Turquia que cresceu mais de 100%, Polônia mais de 4000%, Noruega ( 187%) e Irã ( 749%).
IRÃ: Acordos com a Rússia, liderança do “eixo da resistência” e programa nuclear sob pressão ocidental
O desempenho do complexo industrial militar do Irã nos últimos anos é notável, e é motivo de máxima preocupação do Pentágono e aliados dos EUA na região do Oriente Médio. As exportações de armas iranianas se concentram em 80% para atender as demandas de guerra da Rússia, 11% vai para Venezuela e 7% vai para atender grupos paramilitares como Hezbollah, Houthis, Hamas e outros (Segundo relatório do SIPRI de março de 2025).
O Irã é um dos mais novos membros do BRICS, a adesão se deu no ano passado quando a Rússia estava na presidência do bloco. Dias antes da posse de Donald Trump, Rússia e Irã assinaram um acordo estratégico abrangente, que envolve cooperação militar e um pacto que consiste em não fornecer apoio militar a países inimigos que agredirem o território russo ou iraniano.
Ao mesmo tempo, “discretamente”, o governo do Irã tem liderado e abastecido militarmente uma rede de grupos político-militares islâmicos na região do oriente médio com objetivo de combater as ofensivas de Israel na região, especialmente em relação aos palestinos em Gaza. O autoproclamado eixo da resistência tem o Irã como principal líder, e tem sido a mais importante articulação militar contra as ações da aliança EUA/Israel que por décadas tem atuado para desestabilizar, controlar e cooptar países árabes e de religião islâmica com o objetivo de ampliar sua influência geopolítica na região do oriente médio.
As visitas diplomáticas de Trump a Arábia Saudita, Catar e Emirados Árabes Unidos neste mês de maio, expressa o interesse em buscar parcerias comerciais com nações que estão em ascensão econômica devido ao sucesso de sua indústria petrolífera. Mas também tem o objetivo de articular o isolamento do Irã na região, fortalecendo laços ocidentais com países árabes, ampliando os contratos de vendas de armamentos e equipamentos militares norte americanos e pressionando pela normalização das relações desses países com Israel, buscando que mais líderes possam aderir aos acordos de Abraão, especialmente a Arabia Saudita. Destaque para o encontro de Trump com o novo presidente da Síria, Ahmed Al-Sharaa, que até seis meses atrás estava na lista de terroristas procurados pela CIA. Na ocasião, o presidente dos EUA suspendeu as sanções que estavam sobre a Síria e cobrou aproximação do país com Israel.
Nesta quinta-feira (15/05), Trump discursou na maior base aérea que os EUA tem instalada no Oriente Médio ( Al Udeid) que se localiza no Catar. Anunciando que o governo do Catar assinou com os americanos um acordo de compras de equipamentos de defesa que somam mais de US$40 bilhões de dólares. Um dia antes, o governo da Arábia Saudita anunciou investimentos em aquisição de armas e equipamentos militares americanas de mais de US$120 bilhões de dólares. Pouco antes do presidente americano embarcar para essa viagem na região do golfo pérsico, o departamento de estado dos EUA autorizou a venda de aproximadamente US$1,4 bilhão em aeronaves militares para o governo dos Emirados Árabes Unidos. As relações entre algumas lideranças de países árabes com Trump, parecem tão promíscuas e submissas que o governo do Catar presenteou o presidente americano com um avião de luxo avaliado em mais de US$400 milhões de dólares, um verdadeiro palácio voador, no qual possivelmente nenhum presidente norte americano já recebeu um “mimo” desse quilate.
Não há dúvida que essa movimentação do governo norte americano na região fortalece as tendências de uma maior militarização e armamento da maioria dos países e grupos que atuam em disputa por influência religiosa, territórios, recursos naturais e mercados. Um dos objetivos estratégicos do governo americano é desmontar o programa nuclear do Irã, e Trump tem aumentado o tom da pressão nesse momento, principalmente por conta das recentes baixas importantes que membros do “eixo da resistência” sofreram no enfrentamento com as forças militares de Israel. O governo iraniano está sendo obrigado a negociar seu programa nuclear, e nos últimos dias a grande mídia internacional e o próprio presidente dos EUA tem anunciado que estão próximos de assinar um acordo com o Irã. Também é de grande interesse para Trump avançar num acordo com os iranianos, não só para resguardar a segurança nacional dos EUA e aliados na região. Mas para que seja possível suspender as sanções impostas ao Irã para que sua produção petrolífera possa aumentar a oferta em mercados internacionais barateando o valor da energia, elemento crucial para que a nova administração Trump possa operar as mudanças estruturais na sua economia com menos dificuldades.
Caxemira sob alta tensão entre duas potências nucleares
A região da Caxemira já levou indianos e paquistaneses a entrar em situação de guerra em 1947, 1965, 1999 e agora em 2025. Esse conflito latente tem origem nas décadas de colonização predatória realizada pela Inglaterra, se desdobrando em disputas pelo controle territorial, recursos hídricos e influência religiosa na região. A governo da Índia é atualmente o 2º maior importador de armas do mundo, historicamente é um cliente assíduo do complexo militar russo, mas com a queda das exportações de armas da Rússia, o governo indiano se aproximou de fornecedores do ocidente, adquirindo equipamentos e veículos de guerra da França, Israel e Coreia do Sul.
O Paquistão, por sua vez, é o maior parceiro comercial de produtos militares da China. As cenas de combate entre caças de guerra no céu da Caxemira entre jatos de fabricação chinesa operados pelo exército paquistanês, e jatos franceses operados pelas forças indianas parece ser uma amostra de como a tecnologia militar chinesa tem avançado. As forças militares do Paquistão anunciaram ter abatido caças indianos, o que foi confirmado pelo governo da Índia e noticiado por toda imprensa internacional. Isso significa que a correlação de forças entre as duas potências nucleares do sul da Ásia está equilibrada, e coincidência ou não, após esse episódio, foi aceito um cessar fogo momentâneo para negociações, as quais ainda não tiveram um desfecho definitivo até fecharmos esse artigo.
A continuidade de uma guerra na Caxemira não parece ser do interesse do governo da Índia e nem do Paquistão, o primeiro foi obrigado por pressão interna a dar uma resposta a altura ao atentado de grupos radicais baseados no Paquistão contra turistas indianos, e o segundo passa por uma crise econômica significativa que não sugere vantagens se envolver num conflito militar de desdobramentos imprevisíveis nesse momento. As manifestações de nações aliadas e parceiros comerciais dos dois países em guerra também não deram sinais até agora no sentido de inflamar ainda mais as relações que estão deterioradas. Com a exceção de Israel, que foi o único estado que declarou publicamente o seu apoio ao direito da Índia atacar o Paquistão, numa nítida manifestação provocadora contra um país islâmico. Seja como for, a tendência a uma paz duradoura não está consolidada, pelo contrário, as tensões ainda estão à flor da pele, um acordo não está garantido e os combates podem em breve voltar a acontecer.
Os maiores importadores de armas do mundo e o projeto “Rearm europe/prontidão 2023”

Embora a Ucrânia não seja membro oficial da OTAN, o governo ucraniano é hoje o maior importador de armas do planeta, por causa da relação de parceria e cooperação com os países membros do tratado do atlântico norte. Na prática, a Ucrânia de Zelensky é o país mais fiel ao “otanistão” da atualidade, aceitando uma procuração do imperialismo ocidental para provocar uma guerra contra um dos maiores complexos industriais militares do mundo.
Entre as dez maiores nações importadoras de armas no mundo, sete estão na região do leste europeu, oriente médio e sul da ásia, números que comprovam que essa região é a mais perigosa do mundo. Trata-se da maior concentração de armas leves e pesadas, drones de uso militar, veículos terrestres de guerra, jatos e mísseis supersônicos, baterias antiaéreas e armas nucleares numa só região do globo.
Até a guerra entre russos e ucranianos, a concentração das importações de armas estava localizada com maior intensidade no oriente médio, essa tendência de militarização e armamento generalizado se expandiu para a Europa.
Em março deste ano, a presidenta da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, apresentou um plano que visa investimentos na indústria militar europeia em torno de 800 bilhões de euros ( mais de 4 trilhões de reais). Trata-se do projeto “Rearm Europe/Prontidão 2030”.
“Estamos em uma era de rearmamento, e a Europa está pronta para aumentar enormemente seus gastos com defesa, tanto para responder à urgência de curto prazo de agir e apoiar a Ucrânia, mas também para atender à necessidade de longo prazo de assumir mais responsabilidade por nossa própria segurança europeia”, disse a chefe da comissão europeia.
O plano europeu admite suspender os limites orçamentários para aumentar os gastos com defesa, medida fiscal que jamais seria levada a frente por nenhum dirigente do imperialismo europeu para fortalecer gastos com o bem estar social da classe trabalhadora europeia ou com apoio humanitário para países africanos e refugiados. Na mesma linha, o mais novo primeiro-ministro da Alemanha, Friedrich Merz, apoiado pela social-democracia alemã, em discurso no parlamento alemão, anunciou que um dos compromissos mais importantes do seu governo é dotar a Alemanha do “exército convencional mais poderoso da Europa”.
A Europa é, de longe, o continente mais envelhecido do mundo. Atualmente, a região possui a maior percentagem da população com 60 anos ou mais (25%), segundo dados da ONU. O que os dirigentes dos países europeus estão anunciando aos quatro ventos é que as novas gerações e o pouco de juventude que ainda existe na Europa precisa se preparar para morrer nas próximas décadas. Ou veremos os países europeus xenofóbicos, abrir exceções nas suas políticas que restringem a imigração para africanos, latinos e orientais serem recrutados para lutar nos batalhões de linha de frente enquanto recebe ordens e comandos de generais e dirigentes políticos europeus de olhos azuis.
As crises humanitárias estão batendo recorde
A tensão geopolítica crescente provocou um aumento dos gastos militares em todas as regiões do mundo, com crescimento particularmente rápido na Europa e no Oriente Médio, é o que dizem os dados do relatório do Instituto Internacional de Pesquisa da Paz de Estocolmo – SIPRI. Os gastos militares atingiram US$2,72 trilhões em 2024, um aumento de 9,4% em relação a 2023, é o maior aumento anual desde a guerra fria.
A última década ( 2015-2025) foi marcada pela proliferação de conflitos e guerras, levantando questões críticas sobre o seu impacto cumulativo nos números globais de deslocamentos forçados de pessoas em áreas de conflitos. Os dados do Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados – ACNUR, apontam um aumento consistente do número total de pessoas deslocadas internamente ( PDIs) e de refugiados devido a conflitos armados. As PDIs devido a conflitos armados eram de 40,8 milhões em 2015 e cresceram para 73,5 milhões no final de 2024, um aumento de aproximadamente 80%. O número de refugiados também aumentou substancialmente, de 21,3 milhões em 2015 para 37,6 milhões no final de 2023, uma ampliação de 76,5%.
Está nítido que existe uma correlação direta entre o aumento do número de conflitos e da ampliação dos gastos militares, com a ampliação de pessoas deslocadas à força, seja internamente ou em condição de refugiado. As guerras e conflitos armados na Ucrânia, Palestina, Síria, Líbia, Sudão, Etiópia, Somália, Iêmen são exemplos de países que passam pelos horrores do deslocamento em massa de pessoas expulsas de suas casas, passando a viver em situação de grave vulnerabilidade. A fome, tortura, doenças contagiosas, violência sexual contra as mulheres e a morte passam a fazer parte do cotidiano de milhões de pessoas inocentes, crianças, soldados, que se tornam vítimas de guerras civis, guerras inter estatais e guerras por procuração. Essas guerras por sua vez, são motivadas pela disputa geopolítica estratégica entre grandes potências, o domínio de territórios, acesso a recursos naturais, controle de mercados, diferenças religiosas.
O discurso dos principais representantes do imperialismo ocidental e chefes supremos da OTAN quando falam em paz, não tem o menor valor, pois os números estão mostrando na prática, a tendência predominante do momento é a ampliação do rearmamento. O que significa mais exportações de armas sofisticadas de alto poder de destruição e o crescimento do complexo industrial militar global, o futuro para humanidade nessa perspectiva é sombrio!
Gibran Jordão é historiador e TAE-UFRJ