A reeleição de Trump e o futuro da agenda climática global
por Ana Luiza Fernandez Santos, Jéssica Batista, Kimberly Barandas, Vitor Cristian Maciel Gomes
As recentes declarações do presidente, reeleito em novembro de 2024, sobre impulsionar as atividades produtivas e comerciais relacionadas aos combustíveis fósseis e reduzir os incentivos às energias renováveis, alertam para a provável diminuição do papel dos EUA na cooperação internacional relacionada à mitigação da crise climática. Um novo desafio para a diplomacia brasileira, que vem assumindo protagonismo internacional no tema nos últimos dois anos.
Introdução
Em novembro de 2024 diferentes setores da comunidade internacional, envolvidos e/ou preocupados com a crise climática, observaram com apreensão as eleições nos Estados Unidos. A vitória da do controverso republicano Donald Trump como o próximo presidente traz desafios em um contexto de avanço e agravamento da crise climática, já que as ações da potência global exercem brutal influência sobre o futuro da vida do planeta.
Já é de amplo conhecimento a postura negacionista que Donald Trump assumiu em seu primeiro mandato, de oposição às ações necessárias para combater o aquecimento global. Alinhada com as aspirações do setor de extrema-direita que ele representa, seus discursos e práticas estão claramente enraizados em interesses econômicos e políticos bastante específicos. Com a justificativa da defesa da liberdade em detrimento da sustentabilidade global, o movimento rejeita a ciência climática, em grande medida, por suas críticas às ideologias do neoliberalismo, do nacionalismo e do antiglobalismo. Além das ameaças que traz à toda a cadeia produtiva relacionada aos combustíveis fósseis.
Simultaneamente à vitória de Trump, o terceiro governo de Luiz Inácio Lula da Silva vem reposicionando o Brasil como ator diplomático com grande protagonismo na agenda climática global. A dúvida é sobre como o Brasil conseguirá articular a continuidade de sua proatividade, em meio aos constantes ataques de Trump à agenda. As recentes declarações e propostas de Trump anunciam reversões e retrocessos ainda mais graves, e a ausência da potência hegemônica nos acordos de cooperação fragiliza ainda mais as tentativas de conter o aquecimento do planeta.
A agenda climática no primeiro mandato de Donald Trump
Uma das primeiras ações de Trump no começo de seu primeiro mandato, em 2017, foi assinar a saída dos Estados Unidos do Acordo de Paris. Construído coletivamente pelos 195 países da Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre a Mudança do Clima (UNFCCC, na sigla em inglês), o acordo visa limitar o aumento da temperatura média do planeta em 1,5°C até 2030. Na contramão do documento, Trump facilitou a extração de carvão mineral em estados como Virginia e Kentucky e revogou medidas do Plano de Energia Limpa aprovado na presidência de Obama, que buscava reduzir em 32% as emissões de carbono até 2030. E em 2020, antes de deixar a presidência, flexibilizou a construção de oleodutos e usinas de energia em regiões biodiversas protegidas, ao modificar a Lei Nacional de Política Ambiental.
De acordo com o National Geographic, Trump revogou mais de 100 normas ambientais sobre a emissão de gases de efeito estufa durante o seu primeiro mandato. Outras ações neste sentido foram: a alteração na Lei de Águas Limpas de 1972; a tentativa de revogar uma ordem executiva da era Obama, que exigia que fosse considerado o aumento do nível do mar em projetos com verba federal; a alteração na regra de economia de combustíveis para novos carros produzidos; a autorização para o uso de explosões promovidas por canhões de ar sísmico nas buscas por gás e petróleo; a tentativa de alterar a Lei de Espécies Ameaçadas e a Lei do Tratado de Aves Migratórias; e a retirada das mudanças climáticas da lista de ameaças à segurança nacional. Foi possível observar, também, o esvaziamento da Agência de Proteção Ambiental dos Estados Unidos e o apoio explícito a indústrias de combustíveis fósseis.
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Possíveis perspectivas futuras da Agenda Climática de Donald Trump
A escolha do ex-deputado nova-iorquino Lee Zeldin, um republicano abertamente contrário à pauta climática para chefiar a Agência de Proteção Ambiental (EPA, na sigla em inglês), anuncia as perspectivas de Trump para os próximos 4 anos. A escolha de Zeldin corrobora a promessa de campanha de “matar” e “cancelar” a EPA, exaltando o compromisso de “priorizar a produção de energia a” e revitalizar a indústria automobilística do país, para “trazer de volta os empregos americanos“. Em discursos, Trump ressuscitou o bordão republicano de 2008: “Drill, baby, drill”, que reforça seu total apoio à exploração de combustíveis fósseis e os objetivos de diminuir os incentivos para fontes renováveis. Ele retomou o plano de abandonar a UNFCCC, para além de sair do Acordo de Paris, prometendo a aceleração da aprovação de todos os projetos de energia, com foco em combustíveis fósseis e energia nuclear.
A postura negacionista de Trump e sua base eleitoral contradiz o consenso científico de que atrasos em ações climáticas agravam exponencialmente os custos econômicos e humanitários futuros. Pesquisas do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) indicam que o “tempo de reversão” para evitar os piores impactos das mudanças climáticas está se esgotando, sendo necessárias ações imediatas e ambiciosas, com os Estados Unidos desempenhando um papel crucial devido à sua influência econômica e política.
O retorno de Trump ao poder anuncia, portanto, um retrocesso nacional e na cooperação global em questões climáticas. No que diz respeito às questões internas, sua administração pode minar regulações ambientais, facilitando a exploração de áreas protegidas e reduzindo penalidades para poluentes industriais. Mas é importante frisar que existe uma pressão crescente de setores empresariais e multinacionais, assim como de governos estaduais como Califórnia e Nova York, que reconhecem a necessidade da transição ecológica e energética. Muitas vezes desafiando diretamente as políticas federais, estes setores avançam com iniciativas de energia limpa. Essa tensão interna será um fator crucial para determinar a eficácia e o alcance das futuras políticas climáticas de Trump.
O papel dos Estados Unidos no enfrentamento da crise climática global é central, principalmente pelo lugar político e econômico que o país ocupa no mundo, e a conduta de Trump coloca em risco o regime internacional de mudanças climáticas. As decisões tomadas pelos Estados Unidos — seja pela liderança federal ou por esforços descentralizados — terão implicações profundas no futuro do planeta.
Na esteira da reeleição de Trump, portanto, o protagonismo do Brasil na agenda climática se depara com duas situações: a primeira relacionada à necessidade de angariar espaço nas discussões e nos processos de tomadas de decisões e, a segunda, a possibilidade de esvaziamento da agenda como desdobramento da postura trumpista. No primeiro ano de governo Trump o trunfo brasileiro é “jogar em casa”, aproveitando a próxima Conferência das Nações Unidas sobre Mudança do Clima (COP-30).
A primeira a acontecer na Amazônia, a COP-30 vai acontecer em novembro de 2025, na cidade de Belém do Pará.São esperadas delegações dos 193 países membros da ONU, incluindo chefes de Estado, diplomatas, investidores e empresários. As expectativas para o evento são altas e o governo brasileiro vem trabalhando interna e externamente para que o mesmo seja bem-sucedido. Como anfitrião, a COP-30 coloca o país como centro das discussões ambientais em todos os seus desdobramentos, desde firmar resoluções e metas coletivas para mitigação das mudanças climáticas até proporcionar investimentos e financiamentos para países em desenvolvimento.
Independente de Trump, portanto, o Brasil deve continuar se colocando como agente importante nesse esforço global, utilizando de suas qualidades diplomáticas para coordenar propostas, sem permitir que a sombra negacionista recaia sobre a pauta.
Referências
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