Internet, do paraíso ao inferno I

por João Pedro Silva

Rudolf Steiner (1861-1925), criador da Antroposofia, que deu origem ao método Waldorf de ensino. Acreditava que as pessoas só deveriam lidar com o instrumento cujo funcionamento entendessem. Ele não queria dizer que todos fossem especialistas nos instrumentos que manuseassem, mas que seu funcionamento não lhes fosse obscuro. Foi mal interpretado, mas essa discussão fica para uma matéria de pedagogia. O que nos interessa aqui é que o povo assiste televisão sem saber como as imagens lhes chegam pelo ar. Ele enfatizava o risco inerente ao desconhecimento, como guiar automóveis sem a menor noção de seu funcionamento. Hoje, a humanidade tem em mãos uma ferramenta que, com uso indevido, provoca verdadeiras hecatombes em âmbito internacional. Esta matéria não visa a substituir os cursos de engenharia, mas a acender a curiosidade acerca do funcionamento e alcance da internet. Assim, será possível evidenciar os riscos a que nós estamos sujeitos como indivíduos, bem como coletivamente na medida em que a soberania nacional se vê fragilizada.

Este ensaio, além desta introdução, divide-se em três partes: os aspectos técnicos, seus efeitos políticos e de soberania, além de uma proposta para mitigar seus riscos e fazer com que ela trabalhe pelo bem do Brasil e dos brasileiros.

Transmitir dados, assim como qualquer fenômeno humano, é fruto de uma evolução. Nos Estados Unidos, os escravos não podiam tocar tambores porque seus senhores temiam que eles usassem o instrumento para se comunicar, promovendo rebeliões. Como lá não houve escravidão indígena, os aborígenes mantiveram seu costume de usar sinais de fumaça para transmitir informações entre as tribos, mesmo que isso só funcionasse bem em campo aberto como nas pradarias entre as Montanhas Rochosas e os Apalaches.

Assim como os tambores e a fumaça, simplesmente transmitir informações não significa que haja comunicação. É preciso que o transmissor tenha uma razoável certeza de que o receptor entendeu o que foi dito. É o que se chama de feedback. A coisa foi-se tornando tão sofisticada quanto a sociedade avançava. Os bizantinos usavam torres com espelhos durante o dia e fogueiras durante a noite, mas não se tem notícia de como funcionavam os códigos, seja de origem, seja de retorno. A comunicação transbordou do uso militar para o comercial nos tempos de Napoleão, como relatado documentadamente em “O Conde de Monte Cristo” de Alexandre Dumas.

Antes das guerras napoleônicas, o território francês foi coberto por Torres com visada, tal que as adjacentes se enxergassem. Cada torre era devidamente nominada e dotada de dois faróis, um verde para a transmissão e um vermelho para a cópia de conferência. Ao apontar o farol verde para uma torre específica, o emissor, pelo lado verde, enviava uma saudação, contendo o nome e a sequência de torres a serem contactadas a seguir, a ser copiada pelo lado vermelho do receptor, dando início à transmissão. Esta usava o código Morse e a mensagem, que ia pelo verde do transmissor, tinha de voltar ao pé da letra pelo lado vermelho do receptor, garantindo a integridade do conteúdo. Assim não importando quantas fossem as torres intermediárias, a mensagem teria uma enorme probabilidade de chegar íntegra ao seu destino e, mesmo que assim não fosse, seu sentido não se desviaria significativamente do original.

Quando chegou o telégrafo elétrico, o meio físico de transmissão alterou-se, mas o protocolo manteve-se incólume. Depois, o telégrafo perdeu o fio e acreditava-se que o rádio jamais transmitiria sons ou imagens, até que Marconi, na Itália, e o Padre Landell de Moura, no Brasil, descobrissem a onda portadora e passassem a transmitir palavras inteligíveis à distâncias inimagináveis.

Distinguiu-se a comunicação da intercomunicação. No primeiro caso, a informação era simplesmente jogada no éter, mais ou menos como quando se imprime um livro e ele é vendido em uma livraria. O autor não sabe se o leitor entendeu, muito menos que ideias se formaram a partir dele. No segundo caso, quando se espera uma resposta do interlocutor, a necessidade de um protocolo se faz mais evidente, como quando se fala ao telefone e aguarda-se um sinal de entendimento, mesmo que seja uma interjeição incentivando a continuidade da transmissão.

Cada meio de comunicação tem um ou mais protocolos, consoante à sua sofisticação. Parte dele é determinado pelos interlocutores, parte é dada pela tecnologia empregada e a última parte é determinada pelo provedor de acesso. Quem atribui um número ao seu terminal telefônico é Anatel. A discagem por tons é uma parte do protocolo inerente à tecnologia, assim como o tom de ocupado, ou de chamada. A partir do momento em que se atende a ligação e se diz “Alô?” o protocolo passa a ser o combinado entre os interlocutores. Na internet, as coisas não são muito diferentes disso, mas seu entendimento fica para a próxima edição.

João Pedro Silva é economista, estudou o mestrado na PUC, pós graduou-se em Economia Internacional na International Afairs da Columbia University e é doutor em História Econômica pela Universidade de São Paulo. Depois de aposentado como professor universitário, atua como coordenador do NAPP Economia da Fundação Perseu Abramo, como colaborador em diversas publicações, além de manter-se como consultor em agronegócios. Foi reconhecido como ativista pelos direitos da pessoa com deficiência ao participar do GT de Direitos Humanos no governo de transição.

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Última Atualização: 27/08/2024