Entre as figuras que se destacaram na vida intelectual e cultural da Palestina antes da catástrofe sionista de 1948, o nome de Qudsia Khourshid ocupa um lugar especial. Professora, escritora, poeta e radialista, ela construiu uma carreira singular em uma época marcada pela dominação colonial britânica, pela resistência nacional e por grandes transformações sociais no mundo árabe.

Origens e formação

Qudsia nasceu em Jerusalém, em 5 de agosto de 1912 — embora registros familiares indiquem que possa ter nascido em meados da década de 1910 —, em uma família de origem mista: mãe palestina, Jamila Abbood, e pai de origem turca, Khurshid Holozadah. O pai atuou como assistente do governador otomano do distrito de Jerusalém e mais tarde trabalhou para a Cook’s Travel Agency. Ela teve cinco irmãos: três irmãs (Nimati, Suad e Najdat) e dois irmãos (Abd al-Rahman e Lutfi).

Criada em um ambiente trilingue e multicultural, Qudsia estudou em escolas dirigidas pelas autoridades coloniais britânicas, o que lhe deu acesso a uma formação voltada à elite palestina da época. Em abril de 1935, formou-se pelo prestigiado Women’s Training College, uma instituição residencial e paga, conhecida por atrair estudantes de famílias muçulmanas de alta posição social. Obteve certificado para lecionar no ensino fundamental, atuando em seguida como professora e diretora escolar em diversas localidades, entre elas al-Bireh, Jericó e Jerusalém. Nessa última cidade, dirigiu a Ma’muniyyeh Girls School, vinculada ao Conselho Supremo Muçulmano, então liderado por Hajj Amin al-Husseini.

A voz da Palestina no rádio

Foi como radialista que Qudsia Khourshid se projetou como figura pública. De 1940 a 1947, trabalhou na Palestine Broadcasting Service (PBS), emissora criada pelo mandato britânico. Como muitos intelectuais palestinos da época, era contratada por programa e atuava como redatora, locutora e editora. Produziu transmissões voltadas para a juventude e as mulheres, em especial nos horários escolares. Seu trabalho abordava temas como a cultura islâmica, a educação feminina e o papel da mulher na sociedade moderna.

Em uma série radiofônica em três partes transmitida em 1940, destacou a vida e obra de figuras femininas árabes como Aisha Taymour, Malak Nasif e May Ziadeh — todas pioneiras na literatura e no pensamento social do mundo árabe. Em 1942, seu programa “O caráter da mulher” foi incluído no livro Broadcasting Talks, coletânea de textos de intelectuais palestinos veiculados pela PBS. Nessa intervenção, Khourshid escreveu:

“Tudo na vida se desenvolve com o desenvolvimento da época e progride com o progresso humano. Desde que os pilares da vida se sustentam sobre dois elementos — homem e mulher — o avanço de um está condicionado ao avanço do outro. Pode-se chamar de civilização um estágio em que apenas uma metade da humanidade avança e a outra fica para trás?”

Seu trabalho como radialista foi enriquecido por um período de seis meses na Inglaterra, onde estudou técnicas de rádio educativo na BBC, a principal emissora britânica.

Além do rádio, Khourshid publicou poemas, contos e ensaios em periódicos culturais como al-Mihmaz (fundado por Emile Habibi e Munir Haddad), al-Dhakira, al-Qafila, al-Muntada e Huna al-Quds, revistas ligadas à PBS. Sua obra expressa não apenas sensibilidade literária, mas uma profunda consciência social e nacional.

Exílio e militância nos Estados Unidos

Em novembro de 1947, poucos meses antes do início da Nakba — a expulsão em massa dos palestinos perpetrada pelos sionistas —, Qudsia casou-se com Hassan Ahmad, palestino de Jerusalém que havia emigrado para os Estados Unidos em 1924. Em janeiro de 1948, mudou-se com ele para a Pensilvânia, onde viveriam permanentemente. Lá, teve quatro filhos: Imad al-Dean, Maher, Nabil e Hani.

Nos Estados Unidos, manteve-se politicamente ativa. A partir dos anos 1950, escreveu regularmente para jornais locais, denunciando a cobertura distorcida sobre a Palestina e o Oriente Médio. Em forma de cartas ao editor ou artigos opinativos, seus textos retomavam a postura crítica e engajada dos ensaios que publicava na Palestina. Também deu palestras em escolas, universidades e organizações comunitárias, tratando de temas como a Palestina, o Islã e a situação do mundo árabe.

Foi também uma liderança voluntária em organizações como a YWCA (Associação Cristã de Moças) e o braço feminino do Kiwanis Club, instituições beneficentes norte-americanas. Seu papel de liderança comunitária lhe valeu, em 1970, a Medalha de Americanismo, concedida pelas Daughters of the American Revolution — maior honraria da entidade para cidadãos estrangeiros.

Embora tenha continuado a escrever poesia, inclusive em inglês, não chegou a publicar esses trabalhos. Seus últimos anos foram dedicados à família, especialmente aos netos, e ao cultivo de laços com familiares e amigos nos Estados Unidos, na Jordânia e na Palestina ocupada.

Legado

Qudsia Khourshid faleceu em 2009, na Pensilvânia, aos quase 100 anos. Sua trajetória é representativa da geração de intelectuais palestinos que floresceu antes da catástrofe de 1948 — uma geração brutalmente dispersada pelo colonialismo e pelo sionismo. Sua vida mostra a força das mulheres palestinas na resistência cultural e intelectual, na defesa da educação e na preservação da identidade nacional.

Ao lado de outras figuras da época, como May Ziadeh e Malak Nasif, Khourshid mostrou que a luta das mulheres palestinas nunca esteve separada da luta de todo o povo palestino contra a opressão imperialista. Sua voz no rádio ecoou não apenas nos lares da Palestina, mas também na história da luta nacional palestina por libertação.

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Last Update: 11/05/2025