“A história única cria estereótipos, e o problema com os estereótipos não é que sejam mentira, mas que são incompletos. Eles fazem com que uma história se torne a única história”
Chimamanda Ngozi Adichie

O mundo ainda não tem data para acabar, mas, desde a semana passada, tem fim quase certo – e nada distante.

Isso de deve à reunião de cúpula da Otan, que juntou os chefes de Estado e de governo dos países membros daquela organização, na capital da Holanda, Haia.

Durante o convescote, regado a comidas finas e bebidas ainda mais, o genocida estadunidense “convenceu” os pares, servos europeus, a gastarem 5% dos orçamentos nacionais com armas, soldados, generais e etc.
Os maiores exportadores de armamento do mundo, vale recordar, são justamente os Estados Unidos da América.

A subserviência europeia é tal que o secretário-geral da Otan, um certo Mark Rutte, ex-primeiro-ministro dos Países Baixos, escreveu uma carta de amor a Trump (que o humilhou, tornando-a pública), na qual lhe agradece por pisar e conspurcar todo o ordenamento jurídico internacional, bombardeando o Irã.

Talvez os Países Baixos, depois disso, devessem mudar para Baixíssimos…

Ou seja, retomamos à precisão o roteiro dos dois conflitos mundiais anteriores: retiram-se direitos universais das populações, como saúde, educação, moradia, dentre outros, para alocação em gastos militares.

Disso resulta eleitores cada vez mais insatisfeitos e presas dóceis da extrema-direita, que lhes propõem como causas de seus problemas os fantasmas fáceis de sempre: estrangeiros, migrantes, etc. Pari passu, os estoques de armas se enchem e precisam ser desovados, para que os lucros continuem em ritmo ainda maior, como é da natureza dos negócios.

Como fazê-lo? Só existe uma solução: guerras.

Entretanto, com o advento das bombas nucleares, os detentores desses artefatos guardam-se de guerrear diretamente entre eles, pois isso comprometeria a própria existência.

Destarte, onde irão despejar suas bombas? Nas periferias: o antigo Segundo Mundo (a Europa Central) e no Sul.

Portanto, não nos enganemos: na semana passada, a Otan manteve seus canhões voltados a Leste, mas, para bons entendedores, seu alvo final não é apenas aquele, mas também o Sul, onde se encontram minérios (inclusive petróleo), terras férteis e, principalmente, água.

A quadrilha caipira da Otan venceu mais uma vez ao gritar “Rússia”, em pleno São João…

Dessa forma, desvia a atenção daquele que é o perigo verdadeiro e joga todo o continente nos próprios braços do ladrão, armado até os dentes…

Mas nem tudo são perdas, pois Deus é grande e boas notícias também não faltaram na semana.
Em primeiro lugar, a vitória de Zohran Mamdani para a nomeação democrata à prefeitura de Nova York, nas eleições de 4 de novembro.

Zohran é um jovem muçulmano, nascido em Uganda, de coragem e tirocínio impressionantes.

Foi capaz de organizar 50 mil voluntários, que partiram de porta em porta, esclarecendo as pautas principais do candidato, entre as quais tarifa zero para o transporte público (Juiz de Fora, a primeira cidade com mais de 500 mil habitantes também acaba de adotar) e a criação de rede pública de supermercados, pois é na distribuição que se sequestram os lucros, inclusive aqueles dos produtores rurais.

Mamdani também teve a coragem de não esconder o apoio à causa palestina – ao contrário do candidato brasileiro que também concorreu à prefeitura da maior cidade do País, mas perdeu as eleições.

Vale notar que a comunidade judaica é infinitamente maior e mais importante em Nova York do que na referida cidade brasileira, o que só enaltece a coragem do candidato em não trocar ética por voto.

Na mesma senda progressista, no Chile, uma candidata comunista, Jeannette Jara, venceu a nominação progressista, com 60% dos votos, ser a candidata de esquerda à presidência da República.

E ainda tem mais: em Rosário, na Argentina, pela primeira vez um candidato peronista, Monteverde, vence as eleições para a prefeitura.

Entre outras coisas, nós, americanos no norte e do sul, vamos poder contar nossas histórias de outras formas, não como as contam os neocolonizadores, que as reduzem e manipulam.

Em O Perigo de uma história única (Companhia das Letras), Chimamanda Ngozi Adichie faz a seguinte reflexão:

“O poder é a habilidade não apenas de contar a história de outra pessoa, mas de fazer que ela seja sua história definitiva. O poeta palestino Mourid Barghouti escreveu que, se você quiser espoliar um povo, a maneira mais simples é contar a história dele e começar com ’em segundo lugar’. Comece a história com as flechas dos indígenas americanos, e não com a chegada dos britânicos, e a história será completamente diferente. Comece a história com o fracasso do Estado africano, e não com a criação colonial do Estado africano, e a história será completamente diferente.”

Infelizmente, esse é um exercício diuturno, pois o poder econômico detém a narrativa, anestesiando até a nossa própria indignação.

Vejamos o crime cometido na semana passada por dois seguranças do supermercado Muffato em Curitiba: surraram até a morte e deixaram seminu na sarjeta um rapaz que tentara furtar uma barra de chocolate, no valor de 6 reais…

O que aconteceu? O prefeito de Curitiba reagiu? O Rato governador ou o pai apresentador de TV se indignaram? O presidente da República soube do ocorrido, por meio de seus ministros? Em que nível de barbárie estamos afogados?

Que Nova York, Santiago e Rosário nos ajudem a iluminar Curitiba, onde, na vida pública, apenas o deputado Renato Freitas parece guardar os resquícios da nossa combalida humanidade brasileira.

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Last Update: 30/06/2025