Kamala Harris e o governador de Minnesota, Tim Walz, subiram ao palco juntos pela primeira vez, e o Liacouras Center, na Filadélfia, brilhava em vermelho, branco e azul, enquanto a multidão vibrava. Walz, que havia sido arrancado da relativa obscuridade horas antes, pousou a mão sobre o coração, quase perplexo com a recepção. Ele acenou. Fez uma reverência. Apontou para a multidão e para Harris. Sorriu, riu e fez mais uma reverência. Quando chegou sua vez de falar, Walz virou-se para Harris: “Obrigado, senhora vice-presidente, pela confiança que deposita em mim, mas, talvez mais ainda, obrigado por trazer de volta a alegria”.
Foi um momento marcante em um ciclo eleitoral impensável algumas semanas atrás, quando o Partido Democrata parecia conformado com a perspectiva de uma segunda e ainda mais devastadora derrota para Donald Trump em novembro próximo. Mas então Joe Biden abandonou sua tentativa de reeleição e os democratas, com rapidez e decisão incomuns, abraçaram a vice como porta-estandarte. A ascensão de Harris e a escolha de Walz como parceiro, aplaudida por democratas de todo o espectro ideológico, transformou o partido.
A estreia na Filadélfia foi a primeira escala de uma turnê de vários dias por estados decisivos como Pensilvânia, Wisconsin, Michigan, Arizona e Nevada, projetada para apresentar o “Treinador Walz” e animar os estadunidenses para a corrida de três meses até a eleição. Ao longo do caminho, Harris e Walz se apresentaram como “guerreiros felizes”. Ao contrário da campanha de Biden, que havia enquadrado a disputa como uma escolha existencial entre um presidente que defenderia a democracia e um ex-presidente que a destruiria, Harris buscou apresentar a corrida como uma opção entre sua visão de um “futuro mais brilhante” e a “agenda retrógrada” de Trump.
Em um salão do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria Automobilística, seu presidente, Shawn Fain, disse que os norte-americanos enfrentam um momento “de que lado você está?”, e ele está do lado da “mulher durona que ficou conosco na linha de piquete”. Em um comício perto de Phoenix, no Arizona, Harris atraiu sua maior multidão até então, mais de 15 mil, conforme estimativa da campanha.
Harris conquistou 36 milhões de dólares nas primeiras 24 horas após nomear Walz como companheiro de chapa, somando-se à sua arrecadação recorde nas últimas três semanas, desde a desistência de Biden. O aumento dos fundos arrecadados foi acompanhado pelas inscrições de voluntários, enquanto democratas, organizadores e ativistas relatam aumentos igualmente drásticos em doações e apoio.
Enquanto os democratas abraçaram Walz com entusiasmo, os republicanos também comemoraram, convencidos de que Harris cometeu um grave erro tático ao ignorar Josh Shapiro, o popular governador do estado indeciso da Pensilvânia. “Ela tinha uma escolha certa e óbvia se quisesse derrotar Donald Trump, mas foi na direção oposta”, conjectura Ayres. “Poderia ter jogado um osso para os eleitores republicanos céticos de Trump e pró-Nikki Haley, mas se recusou a fazer isso”.
Amanda Stewart Sprowls, antiga eleitora republicana de Tempe, no Arizona, que apoiou Haley nas primárias e não votará em Trump em novembro, esperava que Harris escolhesse Shapiro. Com Walz na chapa, ela não tem certeza do que fará em novembro. “Seus eleitores mais informados nos subúrbios estão um pouco chocados e decepcionados”.
Walz foi forçado a abordar o escrutínio sobre como ele apresentou seu serviço militar, enquanto Harris sofre pressão para permitir um questionamento mais extenso de seu histórico e sua agenda. Dois eventos foram interrompidos por ativistas que protestaram contra a forma como Biden lidou com o conflito Israel-Gaza. Em Detroit, Harris afirmou o direito de protestarem, mas quando os gritos não pararam, respondeu secamente: “Se vocês querem que Donald Trump vença, digam isso. Caso contrário, eu falo”.
Enquanto isso, o companheiro de chapa de Trump, o senador de Ohio J.D. Vance, foi despachado para acompanhar a turnê Harris-Walz com uma série de eventos concorrentes perto das escalas deles. Os candidatos quase se cruzaram quando o avião do senador pousou na mesma pista em Wisconsin que o Air Force 2. Vance, ladeado por funcionários e assessores, aproximou-se do avião de Harris momentos depois que ela saiu com sua comitiva.
Em breves conversas com a imprensa, Harris disse a repórteres que divulgaria uma plataforma política em breve e agendaria uma entrevista até o fim do mês. Em um evento em Detroit, Vance descartou a ideia de que a empolgação em torno da campanha de Harris teria efeitos eleitorais. “Acho que a maioria em nosso país pode ser despreocupada às vezes, pode gostar de coisas às vezes”, afirmou, “e pode ligar a tevê e reconhecer que o que está acontecendo neste país é uma vergonha”.
Na reta final para a eleição, os democratas esperam que sua mensagem de ânimo sirva como antídoto para os temas mais sombrios que movem a campanha de Trump. O ex-presidente, que abriu seu primeiro mandato com uma representação sinistra do país como “carnificina americana”, ameaçou usar um segundo mandato para buscar “retaliação” a seus inimigos políticos. “Todas as coisas que me deixam louco sobre esses caras e de todas as coisas que eles fazem de errado, a única que não vou perdoar é que eles tentaram roubar a alegria deste país”, disse Walz em Detroit. “Mas, sabem de uma coisa? Nossa próxima presidente traz alegria. Ela emana alegria”.