Durante o segundo semestre de 2013, morei seis meses em Portugal, vivia em Lisboa. Fui a trabalho, fiz lá o pós-doutorado em Poesia Experimental Portuguesa; naqueles seis meses, fiquei sem televisão, mas, felizmente, não fiquei sem CDs, livros e quadrinhos. Logo nos primeiros dias, indicaram-me uma loja de bandas desenhadas, a BD Mania – creio que, em Lisboa, ela é a única –; a loja fica na rua das Flores 71, próxima ao Corpo de Bombeiros. Logo no primeiro dia em que estive lá, perguntei a respeito do quadrinho português e a resposta foi esta: “isso é muito raro, encontram-se alguns, mas a maioria está escrita em inglês”. De fato, somente na Universidade de Lisboa, em uma de suas livrarias, eu encontrei oito novelas gráficas, das apenas nove bandas desenhadas portuguesas trazidas de lá. Por isso, meu caro leitor, o que vou escrever sobre o quadrinho português não é o resultado de pesquisas, mas das impressões de um viajante; na coluna de hoje, cuidamos de duas obras: (1) “Love Hole”, de Afonso Ferreira; (2) “A contorcionista – O manifesto”, uma obra coletiva.
“Love Hole” eu encontrei na BD Mania. Esta foi a primeira banda desenhada portuguesa que encontrei em Lisboa; ironicamente, ela está escrita em inglês. No enredo, combinam-se dois temas que jamais pensaria em relacionar a Portugal: sexo e ficção científica. Não se trata de quadrinhos feito “Barbarella”, do Jean-Claude Forest, ou “Druuna”, do Paolo Serpiere, nas quais se exalta o erotismo, mas de debochar das trapalhadas sórdidas de um rapaz, quem acorda depois de fazer sexo gay consigo mesmo, ele e ele vindo do futuro.
Em Portugal não há sebos, há livrarias e alfarrabistas. Diferentemente do Brasil, em que livros antigos se confundem com papel velho, em Portugal o livro velho ou raro torna-se antiguidade; em uma dessas livrarias, encontrei o livro “A contorcionista – O manifesto”, da autoria do Grupo Empíreo, Sociedade Anônima de Recreio e Prazer.
“A contorcionista – O manifesto” não é bem HQ, trata-se de um livro ilustrado. Nele há, no entanto, tantas ilustrações quanto textos verbais; uma vez aberto, toda página par consta de um texto curto, quase em prosa poética, tematizando a liberdade sexual; em toda página ímpar surge uma ilustração. Como se sabe, na página ímpar, nos livros ilustrados, destaca-se o que se imprime nela; as ilustrações, por sua vez, dão forma a uma sequência narrativa, na qual o leitor segue pelos jardins e quartos de um palacete, fazendo com que as imagens de “A contorcionista – O manifesto” se aproximem das HQs. Por fim, com tantas ilustrações de sexo explícito, o livro lembra mais Sacher-Masoch do que Eça de Queiroz ou Camilo Castelo Branco.