A esquerda pequeno-burguesa enfrenta um desafio ao defender a Palestina. Ela se coloca ao lado das chamadas ditaduras, ao lado do Irã, principalmente, e também ao lado da Rússia e da China. Isso vai de encontro à política pró-imperialista de vários setores dessa esquerda. Os ataques ao Irã são muitos, mas um grupo resolveu atacar também a Rússia. O jornal dos EUA Worker’s Voice publicou o artigo As relações estreitas entre Putin e o sionismo, tentando argumentar que Putin defende “Israel” diante do genocídio em Gaza. Como nos outros casos citados, o artigo falsifica a realidade para atacar a Rússia.
Ele começa fazendo um apanhado histórico sobre a posição da União Soviética da Rússia. É algo importante para compreender a posição atual, mas não é o determinante. A URSS de Stálin apoiou a criação de “Israel”, mas a Rússia de Putin está contra o genocídio em Gaza desde o princípio, sendo um dos elementos mais ativos principalmente no Conselho de Segurança da ONU, mas também em outros casos.
Ele cita então as relações antigas de Putin: “[ele] desenvolveu uma política de relações cada vez mais estreitas com o sionismo e Israel. Um exemplo disso foi o acordo que fez com o governo de Ariel Sharon (então primeiro-ministro de Israel) nos primeiros anos do século XXI para incentivar a imigração de judeus russos para Israel, que, pela Lei do Retorno vigente nesse país, automaticamente se tornavam cidadãos israelenses”. De fato, essa população de russos em “Israel” é a única linha de relação atual entre o governo russo e “Israel”, pois fora essa questão, é uma oposição total.
Isso aconteceu, pois a Rússia foi completamente destruída por uma década de neoliberalismo com o fim da URSS, o que a tornou um campo aberto para a campanha sionista, visto que a população de judeus era muito grande. Ele segue: “em 2007, Rússia e Israel assinaram um acordo de ‘isenção de visto’ para que cidadãos de cada país pudessem viajar para o outro sem qualquer exigência. Isso é algo que, no nível internacional, só ocorre entre países ‘muito amigos’ com relações muito próximas”. Isso é natural dada a quantidade de russos que moram em “Israel”, mas novamente, 2007 não é 2024.
O artigo se esforça para citar casos antigos, comentários de Putin sobre a guerra de 2014 supostamente apoiando “Israel”. E depois cita outras relações: “essas relações estreitas entre o regime de Putin e o estado sionista são evidenciadas nos laços econômicos entre os dois países. Desde 2016, a Rússia é o maior fornecedor de petróleo bruto para Israel (via Cazaquistão e Azerbaijão). Israel não tem petróleo próprio, então sua máquina militar e de agressão contra os palestinos funciona graças ao petróleo fornecido por Putin”. Isso não é verdade. A maior parte do petróleo é fornecida pelo Cazaquistão e pelo Azerbaijão, não é petróleo proveniente da Rússia.
Então finalmente o artigo chega a momentos mais atuais e assim tem que alterar a realidade para afirmar que Putin é inimigo dos palestinos. Ele afirma: “entre as armas que Israel entrega à Rússia, há drones modernos, alguns dos quais foram usados contra a Ucrânia, como o que foi derrubado perto da cidade de Donetsk em 2015”. Aqui é uma farsa completa. Os israelenses são grandes apoiadores da Ucrânia nessa guerra. A guerra na Ucrânia é a origem das desavenças entre o governo Putin e “Israel”. Os israelenses inclusive forneceram armas para nazistas ucranianos, como demonstrou o portal de jornalismo investigativo The Grayzone.
Conforme Putin se afastou do imperialismo, a partir de 2014, com a ação da Crimeia, Putin começou a se afastar cada vez mais de “Israel”, o principal representante do imperialismo no Oriente Médio. O choque aconteceu de forma indireta na Síria, onde Putin salvou o governo Assad, junto ao Irã, contra as intervenções israelenses. “Israel” por sua vez bombardeia a Síria constantemente, o que é um ponto permanente de crise entre os dois países. Aqui aparece a realidade concreta. Os aliados de Putin são grandes inimigos de “Israel”, Síria e Irã, e cada vez mais todos os governos do Eixo da Resistência, incluindo o próprio Hamas.
O primeiro país a convidar representantes do Hamas durante a guerra, fora o Irã, foi a Rússia. Eles organizaram uma reunião com diversas organizações da resistência junto ao Ministério das Relações Exteriores em 2024. O Hamas por sua vez, libertou um prisioneiro russo por considerar Putin como um aliado e ainda colocou na proposta de cessar-fogo que a Rússia deve ser um país importante na participação das negociações. A Rússia, além disso, foi o primeiro país a pedir o cessar-fogo no Conselho de Segurança da ONU e vetou a proposta farsa dos EUA que seria apenas um ataque ao Hamas. Putin comparou “Israel” ao nazismo ainda em outubro de 2023. Isso para citar apenas os acontecimentos mais importantes.
Então o artigo explica porque considera Putin um sionista, porque defina a Rússia como parte de uma “contra revolução”. O texto afirma: “a Rússia é atualmente um país imperialista fraco e que o regime de Putin busca consolidar um espaço regional de dominação sobre outros países, aproveitando-se do desgaste do imperialismo dos EUA. Isso gera disputas entre ambos os países, como a que agora se expressa na guerra na Ucrânia”. Essa é uma tese recorrente na esquerda pequeno burguesa mundial, de que Rússia e China são países imperialistas.
A questão é: qual país do mundo é dominado pelo “imperialismo russo”? Os russos mal controlam os países no seu entorno. A Ucrânia está dominada pela OTAN, no Cáucaso a situação é caótica, no norte a Finlândia e os Bálticos adentraram a OTAN. Além disso, a economia russa até hoje é baseada na exportação de gás, ou seja, uma economia atrasada, mesmo que em desenvolvimento. O “imperialismo russo” aparece como uma tese esquerdista do ataque a Rússia, que é a política do Partido Democrata dos EUA, onde foi escrito esse artigo.
Para atacar os russos, capitulando diante da pressão do imperialismo dos EUA, o artigo precisa criar uma tese de que Putin está a favor tanto do Hamas quanto de “Israel”. As teses muito complexas são um malabarismo para parecer de esquerda enquanto se defende o governo Biden. Melhor que ler o Worker’s Voice para saber se Putin é a favor ou contra “Israel” é melhor ver a posição do Hamas. No dia 24 de junho, o secretário internacional do Hamas, Abu Marzouk, esteve na Rússia e agradeceu os esforços do país para estabilizar o Oriente Médio. Netaniahu certamente não ficou feliz com essa reunião.