No dia 24 de maio, o colunista Anselm Jappe publicou um artigo no portal A Terra Redonda intitulado “Nossa defesa: o decrescimento!”, no qual o autor defende a ideia de que é necessário destruir a indústria como forma de melhorar a vida da população, já que, em sua visão, o mundo se livraria das guerras. O primeiro parágrafo do texto já dá o tom de todo o restante:

“A indústria bélica lucra, os pobres se arruínam e o planeta queima: a ‘economia de guerra’ é o capitalismo em seu estado puro. Desindustrializar pode ser o único antídoto — mas quem terá coragem?”

Não sabemos o quanto Anselm sabe sobre história. No entanto, acredito que seja de conhecimento geral que a indústria como conhecemos começou no século XVIII. As guerras, porém, acontecem há muito mais tempo, desde a época em que os seres humanos viviam em cavernas.

O problema, portanto, seguindo a lógica do colunista, estaria não na indústria, mas em toda a produção humana, o que tornaria necessário que nós parássemos de produzir qualquer coisa que fosse, para que não fossem produzidas lanças, pedras pontiagudas, machadinhas, arcos e flechas, o que demonstra como a teoria é absurda.

O colunista também se esquece que, se por um lado a indústria e o modo de produção capitalista fazem da vida dos trabalhadores e dos povos oprimidos um verdadeiro inferno, o que havia antes, com a escravidão e o feudalismo, era ainda pior.

No entanto, faz parte da tradição da pequena burguesia universitária a tentativa de substituir a luta de classes que se centra principalmente entre o operariado e a burguesia, com a vitória certa do operariado e a instauração do socialismo, superando o capitalismo, o ponto central da teoria marxista, por teorias que tentam colocar a culpa não na burguesia, mas em seres imaginários, e sem a classe operária como quem soterrará o capitalismo.

É aqui que se encontra a teoria de Anselm. Com a crise do capitalismo cada vez mais aguda, a população passa a buscar saída em respostas radicais. Como a pequena burguesia e a burguesia universitárias não podem colocar a culpa em seu próprio sistema político, nem dizer que a saída está nas mãos dos trabalhadores, criam essas teorias em substituição.

No entanto, há um adendo: a teoria de Anselm, apesar de apresentada como revolucionária, nada mais é do que uma defesa do neoliberalismo. A proposta é simplesmente impraticável e o próprio autor dá alguns exemplos no texto que demonstram isso.

Em primeiro lugar, a população não aceitará tal alternativa tão reacionária. A questão da Palestina, inclusive, demonstra isso, já que os israelenses já disseram mais de uma vez que devolveriam os palestinos para a idade da pedra. Felizmente, nunca conseguiram, apesar de destruir praticamente toda a infraestrutura de Gaza, e, se não conseguiram, é justamente por conta da resistência da população a esses planos.

Vejamos alguns trechos do texto:

Os contornos da nova ‘economia de guerra’ que se anuncia, na França e em outros países, são ainda muito vagos. Nossos governantes acreditam realmente na possibilidade de uma guerra na Europa? Ou trata-se essencialmente de um pretexto para atingir outros objetivos?

Pôr a economia para funcionar novamente, apoiando-se nos enormes lucros da indústria militar? Reduzir os benefícios sociais, obrigando as pessoas, sobretudo os pobres, a trabalhar cada vez mais e em piores condições? Aumentar a repressão, silenciar toda dissidência em nome da “união sagrada”? Acabar com todas as considerações ecológicas ou tecnocríticas, que apenas “atravancariam” a economia, que é a base dos esforços de defesa?

É verdade que o imperialismo se prepara para uma guerra de grandes proporções, a própria guerra contra a Rússia, utilizando a Ucrânia como bucha de canhão, mostra isso. Os planos de rearmamento de toda a União Europeia, mostram que o plano da Ucrânia não deu certo e que, em algum momento, a burguesia imperialista poderá entrar em uma guerra direta contra a Rússia.

Ao mesmo tempo, o imperialismo norte-americano se prepara para uma guerra contra a China, plano que pode ter sido adiado, por pouco tempo, por conta da eleição de Donald Trump.

O problema é que isso não é causado pela industrialização, mas sim, pelos interesses da burguesia imperialista em luta para manter o controle do comércio mundial. A indústria, inclusive, foi gravemente afetada após a queda da União Soviética e a entrada de um bilhão de chineses no mercado de trabalho, com a passagem de praticamente todo o parque industrial mundial para a China.

Ou seja, nós não vivemos no ponto mais alto de industrialização da história e os países atrasados, caso do Brasil, tiveram suas economias “descrecidas” nas últimas quatro ou cinco décadas, devido ao imperialismo.

Ainda assim, mesmo com a crise da indústria mundial provocada pelo neoliberalismo, as guerras não pararam. Recentemente vimos terminar a guerra no Afeganistão, por exemplo, com vitória dos afegãos contra os EUA, depois de 20 anos de uma guerra que devastou o pequeno país asiático. O Afeganistão, inclusive, é um dos países com a menor indústria do mundo, o que não o poupou de uma guerra de duas décadas contra a maior potência militar da história.

Anselm não entende a posição do imperialismo. Para ele, os capitalistas estão em uma campanha a favor da indústria, isso quando vemos um esforço gigante por parte da burguesia imperialista em convencer toda a população de que ideias como as de Anselm estão certas.

O Brasil, por exemplo, enfrenta resistência para a exploração de seu próprio petróleo, enquanto o imperialismo explora o ouro negro em todos os cantos do mundo, mas, ao mesmo tempo, causa terror na população com a política das mudanças climáticas, promovendo ONGs, eventos e entidades que se colocam como defensoras do meio ambiente.  Sendo assim, não há nenhum impedimento por parte da burguesia para o avanço do “decrecimento”, o problema seria justamente o contrário, caso o Brasil começasse a crescer.

Neste contexto, o decrescimento será cada vez mais designado como o inimigo público número um. Há muitos anos, ele é a besta-fera preferida de todos os defensores da sociedade capitalista-industrial. Sua simples menção encerra qualquer debate, sem necessidade de outros argumentos: chamar um opositor de “defensor do decrescimento” é como acusar um adversário político de ser “comunista” nos Estados Unidos dos anos 1950.

A diferença sobre a comparação feita no parágrafo acima, é que o “comunista” dos EUA da década de 1950 era visto como um inimigo do Estado e da burguesia, enquanto o “defensor do decrescimento” é o propagador das ideias dessa burguesia.

Outra ideia que aparece no texto é a de que não é verdade que quanto mais industrializado for um país, mais soberano também é. Pode até ser verdade, mas, é verdade também que a China é muito mais soberana do que a Bolívia e que, não fosse o imperialismo, o planeta inteiro estaria completamente industrializado, o que demonstra como a soberania é necessária para se industrializar um país.

Por fim, Anselm faz algumas observações que comprovam que o colunista não esteve atento à realidade dos últimos anos. Primeiro, ele diz que a Rússia não foi suficientemente sancionada e que, por isso, está vencendo. Afirma que seria necessário cortar completamente as compras de gás e petróleo russos, mas que ninguém teve a coragem de o fazer ainda.

O problema é que a Rússia se transformou, recentemente, no país mais sancionado da história e, no entanto, continuou vencendo. Isso porque a política de sanções é, além de criminosa, uma política que não leva a lugar algum. Cuba e Coreia do Norte estão aí para provar.

As afirmações de Anselm também não deixam dúvidas sobre em qual lado ele se encontra em relação à guerra da OTAN e dos nazistas ucranianos contra a Rússia e a própria população ucraniana.

Por último, vemos o seguinte parágrafo:

Um regime armado até os dentes e que não hesite em utilizar suas armas estará sempre um passo à frente, sobretudo numa época de guerras à distância, com mísseis e drones, contra as quais não existe qualquer ‘defesa popular’.

Mais uma demonstração de que Anselm não acompanha a política internacional. Se é verdade que hoje a guerra é feita com drones e de muito mais longe do que era antigamente, é mentira a afirmação de que não existe “defesa popular”.

O avanço tecnológico dos drones colocou em xeque a utilização de armamentos que aterrorizaram a população mundial durante décadas, como o são os porta-aviões norte-americanos. Hoje, com os drones sendo uma tecnologia avançada, mas muito barata, o Iêmen consegue afugentar os porta-aviões no Mar vermelho, fazendo com que os EUA tivessem que se retirar da região e deixar de atacar o país, que passou por mais de uma década de bombardeio por parte da Arábia Saudita.

Além disso, os palestinos, e em especial o Hamas e toda a resistência palestina, que contestam a política de “decrescimento” da Palestina, estão vencendo a guerra contra “Israel”, apesar do genocídio e todo o armamento israelense.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 28/05/2025