A oportunidade de protagonismo brasileiro e a recuperação do espírito de Bretton Woods
por Paulo Feldmann
Em julho de 1944, um pouco antes do final da Segunda Guerra Mundial, quando já estava claro quem seriam os vencedores, Estados Unidos, Reino Unido, França, Brasil e mais 40 países realizaram uma reunião conhecida por Conferência de Bretton Woods. A reunião, que durou três semanas, teve por finalidade organizar o mundo de forma a se evitar novos conflitos e estabelecer um mínimo de coordenação na economia mundial, visando principalmente impedir a ocorrência de depressões como a de 1929, que foi uma das principais causas para o conflito que começou em 1939.
Graças a Bretton Woods tivemos a criação de inúmeras instituições com atuação global, entre elas as Nações Unidas, o Banco Mundial, o Fundo Monetário Internacional e o embrião da Organização Mundial de Comércio, que foi o Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT), implantado em 1948.
Ao longo das oito décadas que se seguiram, outras instituições de âmbito global também foram criadas, como a Organização Mundial da Saúde e o Acordo de Paris, assinado em 2014. Aliás, ainda nos anos de 1950, graças ao decisivo apoio norte-americano, foi possível criar o Plano Marshall, que ajudou a reconstruir a Europa devastada pela guerra.
Bretton Woods mudou imensamente o mundo e permitiu o aumento das trocas comerciais entre países e empresas. O volume de negócios internacionais aumentou mais de 40 vezes desde então, e a desigualdade no mundo caiu drasticamente graças à rápida expansão principalmente dos países asiáticos, a ponto de mais de um bilhão de pessoas terem deixado o nível de pobreza absoluta para serem incorporadas ao mundo do trabalho e do consumo. Ou seja, o espírito de Bretton Woods funcionou excepcionalmente bem, mas surgiram alguns problemas, entre eles o enfraquecimento relativo do poder dos Estados Unidos devido ao crescimento gigantesco da China.
Apesar de a economia dos Estados Unidos ter tido taxas altíssimas de crescimento nestes últimos 40 anos, a verdade é que bons empregos foram transferidos para a Ásia, e o cidadão comum norte-americano ficou com a sensação de que empobreceu, pois os salários e a renda média realmente tiveram queda. Por duas vezes esses fatos levaram à vitória de Donald Trump nas eleições (2016 e 2024), usando sempre o mesmo bordão: “Faça a América grande novamente”.
Trump prega e pratica a importância do protecionismo para o sucesso das empresas norte-americanas e, com isso, impõe megataxas sobre produtos importados. Acontece que o protecionismo é o fim da globalização e de boa parte dos princípios de Bretton Woods. E Trump não se limita a atuar para pretensamente fortalecer sua economia. Ele tem ido contra a maioria das instituições internacionais que tiveram papel importante nestas últimas décadas. Por exemplo, a saída dos Estados Unidos da OMS e do Acordo de Paris significa uma verdadeira tragédia.
A ação e, principalmente, os discursos de Trump e sua equipe, pela forma desrespeitosa como agem, estão conseguindo unir o grupo de países que se sente ameaçado. Ao atacar seus próprios aliados, como Canadá, México e boa parte da Europa, Trump conseguirá com que eles se aproximem ainda mais da China.
O Brasil, felizmente, ficou diante de uma oportunidade que precisa ser avaliada com muita atenção, pois não estamos, ainda, na linha de frente do que os Estados Unidos consideram seus grandes inimigos comerciais. Por isso podemos auferir vantagens em ambos os lados da contenda, ou seja, podemos até aumentar nosso comércio com os Estados Unidos e com o outro lado. No passado, em situações parecidas, o Itamaraty sempre teve o descortínio e a inteligência diplomática para manter a neutralidade brasileira.
Além das questões econômicas, o mundo hoje vive hoje uma situação em que a cooperação entre as nações seria até mais importante que naquela época dos pós-Segunda Guerra. A iminência de novas epidemias e o risco das catástrofes climáticas tornam ainda mais importantes organismos como a OMS e o Acordo de Paris, respectivamente. O Brasil não pode aceitar de forma passiva o desmonte destes organismos multilaterais. A liderança brasileira precisa ter protagonismo para ajudar a inverter a situação e recuperar o espírito de Bretton Woods.
Paulo Feldmann, professor da Faculdade de Economia, Administração, Contabilidade e Atuária (FEA) da USP
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