O exército de Deus está em marcha. E muitos de seus soldados usam símbolos do “Faça a América grande novamente” (MAGA na sigla em inglês), sentindo que seu improvável porta-estandarte, o ex-presidente dos Estados Unidos Donald Trump, está mais uma vez perto da terra prometida. “Não acredito que a América possa sobreviver a mais quatro anos de Joe Biden”, disparou Ralph Reed, fundador e presidente da Faith & Freedom Coalition (Coalizão Fé e Liberdade), durante um encontro da direita religiosa em Washington, na sexta-feira 21. “Não me sinto assim desde que Jimmy Carter era presidente.” O público caiu na gargalhada.
Reed e sua equipe prometeram bater em 10 milhões de portas de eleitores cristãos e conservadores em todos os estados decisivos, fazer 10 milhões de ligações telefônicas, enviar 25 milhões de mensagens de texto e colocar 30 milhões de guias eleitorais em 113 mil igrejas, na “maior participação de eleitores cristãos na história norte-americana”. O resultado da eleição será claro, acrescentou. “Desta vez não haverá necessidade de nenhuma ação judicial. Não teremos de ir ao tribunal nem esperar até as duas e meia da manhã para Donald Trump declarar a vitória. Ele fará isso às 9 da noite.”
Com Trump à frente de Biden em muitas pesquisas em estados indecisos, os eleitores da direita religiosa farejam uma oportunidade histórica para impor uma agenda radical que poderia proibir o aborto em todo o país, restringir os direitos LGBTQ+ e confundir a separação entre Igreja e Estado. Na conferência da sexta-feira 21, todos os oradores a pintaram como uma cruzada justa e a única forma de resistir à onda de secularismo liberal que varre os Estados Unidos.
Ben Carson, ex-secretário de Habitação no governo Trump, elogiou o estado da Louisiana, dominado pelos republicanos, por ser o primeiro a exigir que os Dez Mandamentos cristãos sejam exibidos em todas as salas de aula nas escolas públicas. “Vocês não estão felizes porque ontem o governador da Louisiana assinou a lei, colocou os Dez Mandamentos de volta nas escolas?”, afirmou, sob aplausos, antes de alertar a respeito de um projeto comunista de 60 anos para mudar os EUA, dominando escolas, igrejas e Hollywood e removendo Deus da praça pública.
Josh Hawley, senador republicano pelo Missouri, “denunciou” uma “agenda antirreligiosa radical” que assola o país. E disse: “Quem está dividindo a América é a esquerda radical, e é por isso que eu digo a vocês que não precisamos de menos influência cristã na nossa sociedade, não precisamos de menos testemunho cristão na nossa sociedade. Precisamos de mais em todas as partes do governo, em todas as partes da sociedade”. Diante dos gritos de aprovação do público, Hawley acrescentou: “Devemos tirar a bandeira do Orgulho das escolas e colocar a Bíblia de volta. Querem saber? Devemos retirar a bandeira trans de todos os edifícios federais e escrever sobre todos os edifícios federais da América as palavras ‘Em Deus confiamos’. Nós confiamos em Deus. Amém”.
A formulação de “uma eleição do Armagedom”, em que a própria verdade religiosa está em jogo, com a vitória a representar a providência divina e a derrota, uma catástrofe total, foi cristalizada por Monica Crowley, comentarista política de direita e ex-secretária-adjunta do Tesouro. Crowley descreveu as eleições como um “momento decisivo” comparável à revolução norte-americana, à Guerra Civil, à Segunda Guerra Mundial e aos ataques terroristas de 11 de setembro. Falou em uma “guerra” contra “o inimigo interno” que passou quase meio século “se infiltrando, minando e destruindo” os EUA com “filosofias ímpias”. Ela lamentou o fato de Hollywood não produzir mais “filmes patrióticos” como aqueles de John Wayne e, extraordinariamente, defendeu a caça às “bruxas comunistas” da década de 1950. “O senador Joe McCarthy estava certo, e tentou tocar o alarme na década de 1950 sobre a infiltração comunista em nosso governo e o mesmo estado profundo que agora persegue Donald Trump”, disse. “O mesmo estado profundo que removeu Richard Nixon, o mesmo estado profundo que perseguiu Ronald Reagan e qualquer outro que os enfrentasse. Esse estado profundo tornou-se muito insidioso e, na década de 1950, difamou e atacou Joe McCarthy por falar a verdade sobre o comunismo ímpio nos próprios corredores do nosso governo.”
Notavelmente, pouco foi dito pelos 12 oradores principais sobre o aborto, uma granada política para a qual os republicanos têm lutado para encontrar uma mensagem coerente desde que a Suprema Corte anulou o precedente histórico Roe vs. Wade, há dois anos.
“Devemos tirar a bandeira do Orgulho das escolas e colocar a Bíblia de volta”, discursou o senador Josh Hawley
O pacto dos conservadores religiosos com Trump parece manter-se. Alguns estavam céticos em relação ao astro de reality shows que se casou três vezes quando ele concorreu pela primeira vez à Presidência, em 2016, mas as preocupações foram amenizadas por seu companheiro de chapa, o cristão evangélico renascido Mike Pence, e por um governo em que ele deslocou o Judiciário para a direita. Nem mesmo a condenação em Nova York, no mês passado, por 34 acusações criminais num julgamento que envolveu pagamentos clandestinos a uma estrela de filmes eróticos, abalou seu controle sobre esse eleitorado. Muitos daqueles que se queixam de que sua própria fé está sitiada o consideram um instrumento contundente para combater a esquerda radical. Muitas vezes racionalizam seu voto ao dizer que escolhem um presidente, não um pastor. Alguns evangélicos o comparam ao rei persa Ciro, o Grande, que, segundo a Bíblia, permitiu aos judeus regressarem a Israel do exílio na Babilônia.
Robert P. Jones, presidente e fundador do grupo de pensadores Public Religion Research Institute, em Washington, escreveu recentemente na plataforma Substack: “A transformação de Trump de um ser humano em símbolo é a chave para se compreender o poder do movimento MAGA e a lógica interna do mundo de cabeça para baixo, onde um veredicto unânime de culpado num julgamento justo resulta em apoio solidificado, arrecadação de fundos recorde e defesas cristãs desesperadas de um criminoso condenado”.
O presumível candidato republicano explorou esse estatuto totêmico. No início deste ano, lançou sua própria marca de Bíblias, vendidas por 59,99 dólares cada uma. Durante o julgamento, compartilhou postagens nas redes sociais nas quais se comparava a Jesus Cristo.
Na conferência política Road to Majority (Caminho para a Maioria) da sexta-feira 21, não era raro ouvir falar no Todo-Poderoso e em Trump ao mesmo tempo. Crowley justificou: “Temos em Donald Trump um líder destemido. Fizeram o que puderam contra esse homem durante nove anos e não conseguem acreditar que ele continua de pé. A mão de Deus”. Kari Lake, candidata ao Senado no Arizona, reforçou: “Temos que trazê-lo de volta à nossa cultura, às nossas vidas, aos nossos corações e almas. E depois também vamos trabalhar para trazer Donald J. Trump de volta em 5 de novembro”.
No luxuoso hotel em Washington sede da conferência, havia vendedores de mercadorias da MAGA, recortes de papelão em tamanho real de Trump e uma área na qual os participantes podiam posar com fotos de sua opção para vice-presidente. Stephen Sandrelli, 60 anos, posou com uma foto da deputada federal Elise Stefanik. O pano de fundo era o Salão Oval da Casa Branca. “Em primeiro lugar, temos que deportar milhões, ao menos 15 milhões”, defendeu, em relação a um futuro mandato de Trump. “Os democratas são terroristas. Eles odeiam nossa nação. Eles odeiam a humanidade. Eles estão tentando nos substituir, teoria da substituição, como você quiser chamá-la, e Trump se preocupa conosco. Acredito que ele é um homem que Deus tocou e que tem feito a coisa certa. Ele apenas abençoou o nosso país. Ele só ajudou os cidadãos.” Sandrelli, ex-democrata e funcionário do governo federal em Fitchburg, Massachusetts, acrescentou: “Qualquer um que apoie o aborto apoia o assassinato”.
Ao sentir o perigo político, Trump recusou-se, no entanto, a apoiar uma proibição nacional do aborto. Alguns aqui ficaram decepcionados