Não houve jornalista como Mino Carta. A começar de suas criaturas, algumas das melhores experiências da história da imprensa brasileira. Jornal da Tarde, Quatro Rodas, revista Veja, Senhor, IstoÉ, Carta Capital.

Conheci-o ainda na Veja, onde entrei na primeira turma, depois que a revista abriu para estágios, em 1970, em plena ditadura. 

Mino comportava-se como um nobre italiano, cercado de rituais. Ser convidado para entrar em sua sala era quase uma honraria, uma medalha no peito do mortal. Às sextas-feiras, havia o jantar antes do fechamento final da revista, um grupo de editores selecionados acompanhando o chefe. E, depois, um fechamento que via o sol raiar.

Havia o estímulo permanente à criatividade, do que se poderia chamar de padrão Mino. As reportagens deveriam ser recheadas de imagens literárias, de descrição de detalhes da cena, seguindo a escola do novo jornalismo norte-americano. Se mencionasse uma refeição, tinha que se referir à marca do vinho e enriquecer o relato com detalhes saborosos. NInguém bebia, mas “sorvia” vinho

Por vezes, os jornalistas se perdiam em rococós, como no lide de matérias. Lembro-me de um editor de Economia que escreveu algo assim: “Em meio à procela dos movimentos da economia, dos raios e trovões da política monetária, o leite”.

Mino ia corrigindo os excessos, secundado por dois secretários de redação habilidosos, José Roberto Guzzo habilidoso com as palavras, Sérgio Pompeu habilidoso com as pessoas. Pompeu dava o equilíbrio necessário à redação, aconselhava Mino a moderar alguns dos seus excessos, típicos do comportamento italiano.

Cada capa de Veja era uma festa de criatividade. A revista percorria todos os temas, de grandes perfis de artistas, escritores, esportistas, a temas de comportamento – como uma inesquecível capa sobre as macaquices dos brasileiros, a imitação de termos e hábitos gringos.

Foi um período em que ser jornalista da Veja equivalia ao que, anos depois, significaria ser jornalista da Globo. Havia uma sensação de prestígio que pegava dos redatores-chefe aos repórteres iniciantes. Falavam como Mino, não bebiam, mas sorviam vinhos. Os editores tinham acesso direto a Ministros, aos grandes executivos.

Mino tornou-se um personagem político, mas tão relevante que acabou se metendo nas articulações da abertura política, aproximando-se de figuras como o governador paulista Paulo Egydio Martins e Golbery do Couto e Silva.

Sua movimentação política desagradou Roberto Civita, o herdeiro pouco talentoso que jogou fora toda a obra do pai, Victor Civita. Mino foi afastado, percebeu que, sem o controle do veículo, jornalista era apenas um empregado que poderia ser descartado a qualquer momento. E partiu para suas próprias experiências.

Veja foi entregue a Guzzo e foi decaindo ano a ano.

Quando enfrentei Saulo Ramos, o então todo poderoso braço direito de José Sarney, e fui abandonado pela Folha, foi Mino quem me apoiou, com uma capa inesquecível na revista Senhor, feito em quatro mãos com Nirlando Beirão, o mais fiel de seus discípulos.

Poucos chefes de redação que conheci eram capazes desses atos de solidariedade. Mino, certamente, os irmãos Rui e Júlio Mesquita, também.

Quando me tornei sócio do Clube dos Ingleses, reencontrei Mino, que ia diariamente praticar tênis. E ele me lembrou uma história das mais saborosas.

Em plena ditadura, houve um evento no Teatro Ruth Escobar, uma mesa redonda com Mino, Severo Gomes, Rui Mesquita e Raimundo Pereira. Mino já estava fora da Veja. No meio do debate, Rui Mesquita disse umam ditadura de direita seria mais saudável que as ditaduras de esquerda, porque as de direita duravam menos tempo. Referia-se ao golpe de Pinochet.

Pedi a palavra e, de forma algo atrevida, perguntei se ele apostaria uma garrafa de vinho que a ditadura iria durar pouco. Questionei outros pontos da sua fala também.

Ele não sabia da continuação. Tempos depois, fui convidado pelo Kleber de Almeida a assumir a chefia de reportagem de Economia do Jornal da Tarde. Fernando Mitre levou o nome a Rui Mesquita que, em tempos de Maluf, Lutfalla, Abdalla, questionou:

  • Sabe quem é esse Nassif?

Mitre lembrou do episódio da aposta. E o nome foi aprovado.

Com a saída de Veja, Mino se aventurou em muitos projetos. Lançou a revista Senhor, cometeu a imprudência de tentar um jornal diário, a IstoÉ, até se firmar com a Carta Capital.

Nunca se acomodou. Poderia ter tido uma vida tranquila, de alto executivo. Mas tinha a intranquilidade permanente do grande jornalista. Metia-se nas maiores batalhas, empresariais e jornalísticas. E jamais perdeu o ar de nobre italiano.

Certa vez levei minhas caçulas e minha então namorada para conhecê-lo em um jantar. E ele nos ensinou a tomar cachaça com classe: a cachaça on the rocks.

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Last Update: 02/09/2025