Com a morte de Fuad Noman (PSD), aos 77 anos, Belo Horizonte perde um prefeito técnico e moderado e ganha um nome midiático e alinhado à direita: Álvaro Damião (União Brasil). A mudança desmonta alianças costuradas pelo PSD e muda o jogo político em Minas às vésperas das eleições de 2026.

Economista de formação, Fuad dedicou décadas ao serviço público e fez carreira nos gabinetes do PSDB mineiro. Foi secretário de Fazenda e de Transportes nos governos de Aécio Neves e Antonio Anastasia. Na gestão de Fernando Henrique Cardoso, atuou na Casa Civil e antes fez carreira como servidor do Banco Central.

Quando Alexandre Kalil, cartola do Atlético e novato na política, venceu a prefeitura em 2016 surfando na onda antipolítica, confiou o cofre municipal a alguém experiente: Fuad, então aposentado e dedicado à escrita de romances. A parceria se consolidou, e em 2020 Kalil o escolheu como vice na chapa que venceu no primeiro turno com 63% dos votos.

Dois anos depois, Kalil se lançou ao governo de Minas e deixou a prefeitura para Fuad, que assumiu o cargo em março de 2022. A partir daí, a administração municipal passou a refletir as digitais do novo prefeito, com a entrada de velhos conhecidos da era tucana. Kalil, sem poder e sem paciência, rompeu com o vice e passou a apoiar Mauro Tramonte (Republicanos), apresentador de TV e líder nas pesquisas para a eleição do ano passado.

Pouco conhecido do eleitorado e com sérias limitações de saúde, Fuad largou como azarão na disputa — foi diagnosticado, em junho de 2024, com linfoma não Hodgkin, um tipo de câncer no sistema linfático. A doença exigia internações frequentes e comprometeu sua capacidade de fazer campanha presencial.

Contou com o poder de articulação do senador Rodrigo Pacheco, seu correligionário, para fechar aliança com o União Brasil — o que garantiu tempo de televisão, recursos e uma vitória de virada no segundo turno contra o bolsonarista Bruno Engler (PL).

Para vencer, montou uma equipe de marqueteiros experientes, com nomes ligados às campanhas de Aécio e Anastasia. Construiu a imagem de um vovô gentil, de suspensórios e fala mansa, avesso a extremos. E driblou com habilidade a tentativa do PT de aderir à sua campanha — inclusive com articulação direta do presidente Lula.

O vice escolhido foi Álvaro Damião, radialista esportivo com voz conhecida e bordões caricatos como “o cara” e “bacana demais”. Sua fama veio da Itatiaia, a rádio mais influente de Minas — mais que um veículo, uma espécie de “partido político”.

Fundada em 1952, a emissora ajudou a eleger mais de 30 políticos, entre eles o senador Carlos Viana (Podemos) e diversos vereadores, deputados estaduais e federais. Em Minas, ter voz na Itatiaia é sinônimo de capital político.

A rádio foi comprada, em 2021, por Rubens Menin, bilionário dono da MRV, do Banco Inter, do Atlético-MG e da CNN Brasil. Menin doou 500 mil reais à campanha de Fuad e tem entre seus aliados próximos Álvaro Damião e João Vítor Xavier — deputado estadual, vice-presidente da Itatiaia e presença constante ao lado do novo prefeito.

Os dois se referem ao empresário com reverência — inclusive em jantares com selfies e sorrisos, como no aniversário da CNN, na semana passada, em São Paulo.

Menin não ocupa cargo público, mas exerce influência política por meio das empresas que comanda, especialmente em Minas. A compra da Itatiaia ampliou sua presença no setor de comunicação — e, com isso, também sua capacidade de falar diretamente com o eleitorado.

A nova configuração da prefeitura altera o jogo político para 2026. O PSD, que comandava a capital, perde uma trincheira estratégica.

A vitória de Fuad foi construída com protagonismo do senador Rodrigo Pacheco e do ministro Alexandre Silveira — ambos do PSD. A permanência do partido na prefeitura era vista como essencial caso Pacheco decidisse disputar o governo de Minas com o apoio de Lula, como deseja o presidente.

Com a morte de Fuad e a posse de Damião, o cenário muda. A prefeitura agora será comandada por um prefeito com vínculos mais próximos à direita mineira. A esquerda, que havia apoiado Fuad, contava com sua moderação para conter a ascensão conservadora. Sem ele, perde-se essa mediação.

Do outro lado, Romeu Zema segue apostando em seu vice, Mateus Simões, como sucessor. Mas o nome que mais empolga a base bolsonarista é o do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos), que conta com apoio do deputado federal Nikolas Ferreira (PL).

Fuad era um técnico, com conhecimento da máquina pública. Não era carismático, nem popular, mas sua ausência deixa a cidade entregue a um prefeito que jamais teve mandato majoritário — e que agora assume o poder com um novo grupo político: mais midiático, mais conservador e menos técnico.

A esquerda, que já tinha pouco espaço em BH, perde de vez a esperança de ter um aliado no comando da capital mineira.

[Daniel Camargos publica semanalmente uma newsletter sobre política mineira, a Capivara de Paletó]

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Last Update: 27/03/2025