
Em exibição na Netflix, “Adolescência” alerta para problemas existenciais e familiares ligados à fragilidade dos adolescentes e, sobretudo, à incapacidade de lidar com a rejeição. Ser recusado em desejos de namoro, afeto, iniciação sexual ou simplesmente em uma amizade sempre fez e fará parte das relações humanas, especialmente na infância e adolescência. No entanto, a minissérie aborda um problema já debatido, mas ainda sem a devida relevância: a machosfera.
Incels e redpills, liderados por homens ressentidos com sua inaptidão para estabelecer relações afetivas, são conduzidos à crença de que as mulheres não servem, não prestam e não devem ser respeitadas. A teoria do “80/20%”, que sugere que 80% das mulheres se interessam apenas por 20% dos homens, já se tornou um mantra para adolescentes frágeis, inseguros e convencidos de que são desprezados pelo gênero feminino.
Influenciadores nitidamente ressentidos, como “Renato Trezoitão” e “Guilherme The Viking”, inundam as redes sociais com discursos que vinculam o sucesso profissional à necessidade de desprezar as mulheres. O alvo, no entanto, vai além: segundo essa retórica, mulheres divorciadas jamais deveriam se casar novamente e, caso tenham filhos, deveriam ser excluídas do convívio social, pois seriam “sanguessugas” dos chamados “homens de bem”.
Voltando à série, o roteirista alerta para a influência paterna, desconectada de questões atávicas ou genéticas. A cena da psicóloga tentando compreender o pai do infrator ilustra essa ideia: ele não é “geneticamente programado” para cometer crimes, mas foi moldado pelo exemplo de um pai desequilibrado. A minissérie também destaca a falta de atenção das escolas e das famílias dos amigos dos jovens expostos à machosfera.
A Era do Descontrole
O século XXI, sobretudo a partir da segunda década e, em especial, no início da terceira, inaugurou novas formas de convivência estruturadas na fragilidade do ser. Os adolescentes e jovens de até 30 anos não compartilham dos mesmos desejos e anseios das gerações passadas, especialmente porque o acesso a conteúdos introdutórios e pretensamente didáticos ocorre por meio da hiperconexão digital.
Não há novidade na nudez, nas práticas sexuais ou na manifestação de afetos – tudo está disponível, literalmente, na palma da mão. Ver um corpo nu já não é mais resultado de conquista ou consumo de profissionais do sexo. Basta um clique para ter acesso a tudo. Por outro lado, essa geração se tornou extremamente frágil, carente da experiência do galanteio, da conquista e, sobretudo, incapaz de lidar com a rejeição – tudo isso agravado pela uberização do hábito (conceito que desenvolvi em meu livro “Anticoach: A Gênese do Caos”).
Ser rejeitado, que antes era entendido como parte natural das escolhas e renúncias da vida, passou a ser a principal causa de estados de melancolia e revolta. E, diferentemente do passado, não há mais uma atmosfera de rebeldia ou desobediência civil, tão presente em processos de redemocratização ou no contexto da Guerra Fria.
São jovens que não sabem o que querem simplesmente porque tudo lhes é possível. E, se não sabem, também não desejam sair da casa dos pais.
Uma Diferença Histórica
Nos anos 1980 e 1990, os filmes adolescentes giravam em torno da rebeldia e da libertação sexual. Títulos como “Namorada de Aluguel”, “Curtindo a Vida Adoidado”, “O Último Americano Virgem”, “Porky’s” e “American Pie” representavam as angústias dos primeiros relacionamentos e, acima de tudo, o desejo de explorar a sexualidade sem culpa. A adolescência era vista como uma transição da ingenuidade para a maturidade, uma fase marcada pela iniciação sexual e pela independência emocional. A indisciplina era sinal de rebeldia, e o humor adicionava cor a essa jornada.
Em geral, esses filmes retratavam uma sociedade que buscava independência, ainda influenciada pelos ideais libertários dos anos 1960 – o famoso “é proibido proibir”. Sonhava-se com uma vida para além do cordão umbilical: carreiras, cursos, aluguel, liberdade. Permanecer na casa dos pais após os 18 anos era sinônimo de fracasso.
Já os anos 2010, impulsionados pelo que alguns chamavam de “ressaca do século das guerras”, e especialmente a década de 2020, inauguraram uma nova adolescência. Incertezas sobre carreira, bloqueios afetivos devido à supervalorização da linguagem correta, superproteção familiar e impaciência com as inquietações naturais da idade levaram os jovens à Era dos Ansiolíticos. Estáticos, frios e aprisionados no próprio tempo, tornaram-se excessivamente dependentes. Passaram a temer aquilo que antes era desejo e desejar aquilo que antes era visto como repulsivo.

Não saem da casa dos pais. Não buscam carreiras. São órfãos da independência que nunca habitaram seus corpos. Não querem relações e tampouco valorizam amizades presenciais.
Não poderia ser diferente: os filmes dessa geração refletem exatamente o que sentem. Séries sobre comportamento suicida, internações psiquiátricas, traumas familiares e isolamento social dominam as telas. Além disso, a separação entre os gêneros se intensificou – ora impulsionada pelo radicalismo dos redpills, ora pela incapacidade emocional dos próprios pais.
Os adolescentes estão doentes. E nós nos esquecemos de que o mundo será deles.