A Máquina Necropolítica de Israel em Gaza

por Erick Kayser

A barbárie que assola Gaza desde outubro de 2023 apresenta um ineditismo histórico: pela primeira vez, testemunhamos um genocídio em tempo real, transmitido ao mundo através de celulares, redes sociais e jornalistas independentes. Esta transparência involuntária explica os ataques sistemáticos contra profissionais da comunicação: mais de 240 jornalistas foram assassinados pelas forças israelenses. O objetivo é apagar as testemunhas e controlar a narrativa, tentando impedir a exposição de seus crimes.

Os dados mais recentes desenham um quadro de horror desta catástrofe fabricada. Já são mais de 61 mil palestinos mortos, (até agosto de 2025), sendo 50% mulheres e crianças. A crise humanitária avança ao ritmo cruel da fome utilizada como arma de guerra; o sistema de saúde está aniquilado, com apenas 10 dos 36 hospitais parcialmente funcionais; 90% da população de Gaza foi deslocada à força, com 80% das casas e 50% dos edifícios destruídos, onde milhares permanecem soterrados ou desaparecidos sob os escombros.

O massacre palestino em curso eleva a um novo patamar de materialidade o conceito de “necropolítica”, do filósofo camaronês Achille Mbembe. Ele define necropolítica como uma política sistemática de produção da morte sobre grupos considerados “descartáveis”. No contexto israelense, Mbembe escreveu, isso já antes do atual conflito, que o controle sobre Gaza seria a forma mais bem-sucedida de “necropoder”, um poder que define quem pode viver e quem deve morrer.

São abundantes as evidências que se trata de uma “intenção genocida” por trás de políticas calculadas. Gaza não é uma “tragédia humanitária”, mas um projeto político de morte onde, como nas palavras de Mbembe, “a soberania se mede pela capacidade de matar”.

Benjamin Netanyahu parece empenhado em levar esse projeto às últimas consequências, em sua própria versão da “solução final”. O uso da fome, dos bombardeios indiscriminados, do bloqueio extremo, são instrumentos dessa necropolítica, com a vida reduzida a meras agonias por escassez, em um território cercado e desamparado. Sua estratégia parece buscar ocupar Gaza não para governar, mas para aniquilar o que resta da presença palestina, desmontar corpos, cidades e memórias.

Enquanto o mundo assiste passivo, Netanyahu leva às últimas consequências a lógica necropolítica: transformar um povo inteiro em “vida supérflua”, cuja existência só tem sentido como objeto de extermínio. A fome, os escombros e os corpos das crianças na Faixa de Gaza são o retrato sombrio  de um futuro que nos aguarda se a humanidade não desmantelar a máquina de morte de Israel que hoje opera impune.

Erick Kayser é historiador.

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Last Update: 15/08/2025