No último mês, os brasileiros assistiram, um tanto atônitos, à cassação da liberdade de expressão do deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS), contrariando sua imunidade parlamentar; ao tratamento desigual do Supremo Tribunal Federal (STF), favorecendo a promotoria — reconhecido pela própria Defensoria Pública da União (DPU) — no caso dos acusados do 8 de janeiro; e à prisão ilegal do ex-assessor de assuntos internacionais de Jair Bolsonaro (PL), Filipe Martins, proclamada pela Procuradoria-Geral da República (PGR).
Todas essas aberrações no regime político ocorreram mediante um comportamento minimamente questionável do STF, com aprovação majoritária da esquerda. A manifestação desse regime de exceção, que de 2013 a 2016 apoiou-se politicamente na extrema-direita, agora conta com o suporte do governo do PT.
“Aos amigos, a lei; aos inimigos, os rigores da lei”
A fria frase, nesta versão atribuída a Getúlio Vargas, seria aprazível perante a realidade jurídica atual no Brasil. Mesmo na ferrenha selva de normativas, feliz daquele que for julgado conforme a lei, e não apenas sofra o esmagamento do arbítrio do Judiciário.
Um exemplo desse arbítrio ocorreu no mês anterior, quando o deputado Marcel Van Hattem (Novo-RS) teve uma representação realizada em seu desfavor na PGR. A representação seria pelas ofensas de “mafiosos (criminosos), covardes, achacadores” contra o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), o ministro Alexandre de Moraes e demais ministros do STF.
“Lula e Alexandre de Moraes são covardes. Aliás, digo mais: o que estão fazendo no STF hoje é coisa de mafioso. E não é só o Alexandre de Moraes. A máfia depende de uma organização, e a organização que hoje está no STF é mafiosa, inclusive colocando a faca no pescoço de várias outras pessoas: Kassab, Deltan, Salles… puxando os processos de volta para o STF para, segundo a própria imprensa, chantagear a classe política”, declarou Cappelli em seu discurso na tarde do dia 27 de março.
Tamanha aberração dessa representação tomou maior vulto, tornando-se uma monstruosidade por parte do líder da bancada do Partido dos Trabalhadores na Câmara dos Deputados, Lindbergh Farias (PT-RJ).
“Atacar e tentar constranger ministros do STF e o Poder Judiciário, imputando-lhes a pecha de ‘mafiosos (criminosos), covardes, achacadores’, constitui prática criminal e afrontosa que deve ser reprimida com todo o rigor da lei”, afirmou Farias, solicitando à PGR ação penal contra Cappelli, além de responsabilizações civis e administrativas.
Vemos uma crítica, inclusive muito comum no meio político, ser criminalizada, propondo por abaixo a liberdade de expressão e a imunidade parlamentar em apenas um ato. Devemos nos perguntar se Farias defende que todos que chamam o Congresso de quadrilha também sofram ação penal, com responsabilizações civis e administrativas.
Em caso afirmativo, o Brasil teria celas para encarcerar uma população desse tamanho? O próprio Lula não afirmou que no Congresso havia 300 picaretas. O mandatário da nação também deve ser processado — ou apenas sua oposição?
Guardião ou estupradores da constituição?
Uma definição popular da antiga Casa de Suplicação do Brasil, Supremo Tribunal de Justiça e, nos últimos 134 anos, Supremo Tribunal Federal, seria a de guardião da Constituição. Entretanto, para a casa que floresceu de 11 para 17 assentos durante a ditadura militar de 1946, poderíamos nos questionar se não seria mais adequado o título de violadores da Constituição.
Os casos são numerosos, e alguns, de tão escandalosos, chamam a atenção. Um deles é o julgamento dos oito principais acusados de promover uma tentativa de golpe de Estado no dia 8 de janeiro de 2023.
Nesse caso específico, o ministro Moraes iniciou o processo solicitando que as testemunhas de defesa prestassem testemunho apenas em juízo, no mesmo dia dos réus, ou por escrito nos autos. Entretanto, para as testemunhas de acusação, foi arbitrado o convencional: intimar as testemunhas a prestarem depoimento com antecedência.
“Fica indeferida, desde já, a inquirição de testemunhas meramente abonatórias, cujos depoimentos deverão ser substituídos por declarações escritas, até a data da audiência de instrução”, alegou Moraes.
Posição ratificada pelo restante da corte: “Não se pode cogitar de nulidade em razão da determinação no sentido de que a parte apresentasse as testemunhas que arrolasse e de disponibilização por escrito dos depoimentos de testemunhas abonatórias”, pacificaram os magistrados no acórdão.
As testemunhas intimadas não podem negar-se a depor, o que pode ser bastante conveniente para os bacharéis do caso. Essa decisão atrapalhou o trabalho da defesa, ao mesmo tempo que facilitou a acusação.
O tratamento da corte é nitidamente desigual, algo que até o defensor Gustavo Zortéa da Silva, da DPU, reconhece: “Tem-se, de fato, um tratamento desigual entre acusação e defesa, uma vez que a exigência de apresentação de testemunhas vem pesando sobre as defesas em geral, mesmo quando indicam servidores públicos para serem inquiridos”.
Não se pode falar em julgamento imparcial em tal situação, quando até mesmo parte do Poder Judiciário reconhece a parcialidade do foro.
Prisões preventivas
Outro caso que atesta a maculação da Constituição Federal de 1988, e colabora com a denúncia do deputado Cappelli de que o STF se comporta como uma “máfia”, é o de Filipe Martins. Se podemos definir máfia como um grupo que atua secretamente em defesa de interesses próprios por fora da lei, a caracterização de Cappelli seria meticulosa.
Moraes decretou a prisão preventiva de Martins sob a alegação de que este teria abandonado o Brasil “a bordo do avião presidencial no dia 30/12/2022 rumo a Orlando/EUA”. A fonte seria um colunista do portal Metrópoles, que afirmou equivocadamente que Martins deixou Brasília, “foi a Orlando em 2022 e evaporou”.
O veículo Metrópoles já se retratou, declarando que “Martins forneceu informação ao STF que mostrava que ele estava no Brasil naquela data”. Com fartas provas, foi demonstrado que Martins nunca deixou o Brasil. Os “dados de geolocalização do telefone celular de Filipe Martins […] mostram que o aparelho estava no Brasil no período entre 30 de dezembro de 2022 e 9 de janeiro de 2023”. O nome dele também não constava na “lista completa de quem viajou no referido voo da FAB [que levou Bolsonaro a Orlando em 30 de dezembro de 2022]”.
O absurdo é tal que a PGR já se manifestou reiteradas vezes para “reforçar o pedido de soltura de Martins porque não há indicativos de que o réu tenha tentado fugir do Brasil no final de 2022”. Mesmo assim, Martins segue preso preventivamente há mais de seis meses, sem ao menos haver quaisquer acusações formais contra ele.
O pecado de Martins a ser espiado neste momento, assim como fizeram com várias pessoas que trabalharam com Lula, é ter trabalhado com Bolsonaro — e talvez, se coagido a atuar contra este, ser útil no processo persecutório.