Quando li, na Folha, o artigo “´Apocalipse nos Trópicos´ ignora catolicismo e reforça estereótipos”, de Tabata Tesser, Mestre em ciência da religião (PUC-SP), julguei que era uma crítica correta sobre o filme. Isso, antes de assistir o documentário.
O que dizia o artigo:
Ponto 1 – o documentário não menciona o declínio da religião católica, como um dos motivos para a ascensão da religião evangélica.
Ponto 2 – reforça um dualismo simplista, que os católicos são bons, porque defendem os pobres, e os evangélicos são maus.
Ponto 3 – Ao eleger Malafaia como figura central, quase como o “sindicalista” dos evangélicos, o documentário exagera sua influência, ignora o jogo partidário e a complexidade das bases evangélicas: suas múltiplas vertentes, redes de solidariedade, disputas locais em Conselhos Tutelares e espaços participativos — e os múltiplos sentidos da fé em contextos populares.
Ponto 4 – Por fim, ao adotar uma estética e narrativa apocalíptica, o documentário sugere que vivemos uma distopia religiosa que foi “pausada” com a vitória de Lula em 2022.

Depois de assistir o documentário, a impressão é de uma crítica de má vontade.
Ponto 1 – no documentário mostra-se, claramente, a ruptura na Igreja católica com o fim da teologia da libertação. Primeiro, mostra Dom Pedro Casaldáliga. Depois, menciona Henry Kissinger convencendo o Departamento de Estado de que o movimento era contra os Estados Unidos, e recomendando o estímulo aos neopentecostais. As cenas com Dom Pedro Casaldáliga simbolizam a Igreja antes do fim da Teologia da Libertação.
Ponto 2 – o contraponto à visão catastrofista de Malafaia, e o discurso de que Jesus é amor, são feitos por outros pastor evangélico, não por um padre católico.
Ponto 3 – o destaque a Malafaia é jornalisticamente correto. Ele foi o elo central do apoio dos evangélicos a Bolsonaro. E o documentário é sobre a ascensão de um candidato que usa a religião como bandeira, não uma proposta de discutir todas as nuances do neopentecostalismo.
Ponto 4 – o documentário foi sutil, ao colocar, primeiro, Lula criticando o uso político das igrejas. Depois, ironizando o discurso dos sindicalistas e da Igreja católica, em comparação com o dos pastores evangélicos. Depois, Lula indo a um templo e desdizendo seu discurso inicial e endossando a bobagem sobre banheiros unissex, criticando o aborto. Tudo isso para a conclusão final: o retrocesso civilizatório, com o domínio da religião sobre o estado laico.
Ou seja, tudo o que a crítica diz que o documentário não tem, o documentário tem. A diretora optou por montar um roteiro – com um texto muito bem elaborado – abordando o uso da religião por um pastor megalomaníaco, Silas Malafaia, visando eleger um presidente joguete, Jair Bolsonaro.
Não era intenção do documentário, nem caberia em 90 minutos, discutir todas as nuances dos evangélicos, e os ângulos da religião não ligados diretamente ao jogo político.
Mas, aí, a professora recorre a um truque habitual da crítica ligeira: em vez de criticar o que o documentário diz, prefere se concentrar no que ele não se propôs a dizer. Com esse critério, nenhuma obra literária ou cinematográfica escaparia ilesa. O papel do crítico precisa ser entender a proposta do autor e discutir o conteúdo dentro do que foi proposto.
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