O ano de 2025 começou com fortes manifestações pelo fim da escala 6×1. No dia 16 de fevereiro ocorreram protestos em mais de 50 cidades pelo país. No 8 de março, foram hasteadas, lado a lado das bandeiras contra a violência machista, as bandeiras da redução da jornada e proibição dessa escala, ainda mais desumana para as mulheres da classe trabalhadora. Nas categorias organizadas, como na campanha salarial dos professores de Belo Horizonte e dos operários da Heineken, a pauta foi eixo do movimento grevista.
Nesse clima, iniciará a tramitação da PEC (Proposta de Emenda Constitucional) protocolada por Erika Hilton (PSOL) no dia 25 de fevereiro, com uma série de negociações no Congresso Nacional. Abre-se uma nova fase em que os desafios serão ainda maiores, já que nas últimas décadas nenhuma emenda na Constituição veio no sentido de favorecer os trabalhadores, senão de retirar direitos e impor contrarreformas.
Isso significa uma dura batalha, que dependerá, além de muita pressão nas ruas, que o movimento de trabalhadores tenha nitidez sobre contra quem lutamos e quem são nossos aliados. Como diz o antigo ditado “conheça a ti mesmo e a seu inimigo, e não conhecerás a derrota”. É nesse sentido que consideramos fundamental para fortalecer uma luta conjunta, a reflexão sobre os caminhos que o movimento deve adotar.
Contra quem lutamos: Uma pauta que é sim de classe e contra a patronal
“Esse debate não é nem da esquerda e nem da direita” declarou Erika Hilton em entrevista à CNN logo após protocolar a PEC. Segundo ela, a correlação de forças no Congresso impõe “dificuldades limitantes” para sua aprovação, e por isso, o objetivo do movimento para o ano de 2025 deve ser negociar com os diversos setores visando alterações que deixem o texto da PEC “mais redondo, mais pronto e contemplando todos os interesses, (…) podendo vir a ser votado em 2026“.
Não é a primeira vez que essa perspectiva é apontada pela deputada sempre no sentido de colocar em primeiro plano o diálogo e as negociações com deputados, sejam de direita ou de esquerda, e até mesmo com o setor supostamente progressivo do empresariado. É evidente que essas negociatas no Congresso só podem levar a flexibilização da PEC, desvirtuando nossa reivindicação.
Primeiramente, queremos ressaltar que todo trabalhador é bem-vindo nessa luta, inclusive o trabalhador que votou em Bolsonaro ou candidatos da direita, afinal todo trabalhador é explorado e tem o mesmo interesse em acabar com a 6×1. Mas, os deputados, independente do voto ou da vontade popular, defendem os compromissos que assumiram com o grande capital, que financiaram suas campanhas.
O caminho que Erika Hilton explicitamente resolveu trilhar vai no sentido de priorizar as negociatas no Congresso, deixando o palco das ruas como um apoio secundário e subordinado às negociações por cima. Na mesma entrevista ela afirma que “a gente deixa uma gordura para que possa ser trabalhada. Se a proposta chega exatamente da maneira como a gente imagina que seria viável, a gente não tem espaço de negociação. Conseguir a escala 5×2 já seria uma vitória“.

Deputada Erika Hilton apresenta PEC sobre Escala 6×1 Foto Lula Marques/Agência Brasil
Ou seja, antes mesmo de qualquer contraproposta ser apresentada, Erika Hilton já está abandonando a semana 4×3 e a redução para 36 horas semanais. Aliás, a autora da PEC pouco ressalta a importância da redução da jornada; ou quando o faz, a condiciona ao aumento da produtividade das empresas, para apresentar sua disposição em dialogar com setores do empresariado que poderiam supostamente ter algum ganho com a medida.
No mesmo sentido, Simone Tebet, ministra do Planejamento, declarou em entrevista à GloboNews em 12 de março: “Não é só porque (a escala 6×1) é desumana. É porque (a escala 5×2) vai gerar economia, produtividade, qualidade no trabalho e o próprio empresário vai ganhar“. Luiz Marinho, ministro do Trabalho, também finalmente veio a público dizer que “a escala 6×1 é cruel, e que as empresas que adotaram a escala 5×2 tiveram resultados favoráveis na produtividade e no astral do trabalhador“.
Ora, independente do aumento ou não da produtividade, os trabalhadores querem e precisam de descanso, saúde e tempo para usufruir de uma vida além do trabalho. Não podemos ter nenhuma ilusão de que os capitalistas sejam convencidos de que essa proposta seja viável, ainda que o grau de exploração tenha atingido níveis tão irracionais que a redução da jornada seja até funcional para alguns setores, aumentando a produtividade e minimizando danos como o adoecimento dos trabalhadores.
Mas não restam dúvidas que, no capitalismo, via de regra, o aumento da produtividade pelas inovações tecnológicas e novas técnicas de gestão, ao invés de garantir a redução da jornada para manter a mesma produção, é utilizada pela patronal para aumentar seus lucros ou demitir trabalhadores. Nesse sistema, o aumento da produtividade está a serviço da concorrência entre os capitalistas e não do bem-estar e desenvolvimento humano.
Por isso, a redução da jornada de trabalho para todos os setores, de forma ampla e irrestrita, é uma necessidade dos trabalhadores e só pode ser arrancada pela classe trabalhadora, se enfrentando com os interesses do empresariado. Não será, como busca nos ludibriar Luiz Marinho e Simone Tebet, com a sensibilização das empresas para que adotem, por vontade própria, a escala 5×2, sem qualquer mecanismo legal que as obrigue a tal.
Nesse sentido, para aprovar o fim da escala e a redução da jornada, não podemos perder de vista que nossa arena principal é das mobilizações independentes da classe, não por capricho, mas porque só invertendo a correlação de forças, poderemos colocar na parede o Congresso Nacional, o governo Lula e impor uma derrota ao empresariado .
Se a correlação de forças é desfavorável no Congresso, porque se negam a invertê-la nas ruas?
Enquanto o PSTU exigia nas ruas que Lula se posicionasse no calor das mobilizações de novembro de 2024 quando a pauta se massificou, os meios de comunicação ligados ao PT, como o Brasil 247, divulgavam notícias temendo que a pauta pelo fim da escala 6×1 explodisse num novo junho de 2013. Gilberto Maringoni, foi categórico em seu twitter (atual X) “podemos estar diante de um novo junho de 2013, silencioso e adormecido, mas potencialmente grandioso e perigoso. O governo federal, assim como as administrações estaduais e municipais, deveriam tomar muito cuidado com os fósforos“.
Para o PT e seus aliados, o movimento nas ruas cumpre um papel meramente passivo, servindo de apoio social para as limitadas ações que este governo pode cumprir sem romper seus compromissos com os capitalistas e tomando todo o cuidado para que qualquer mobilização não saia dos trilhos da democracia dos ricos, sob o risco de favorecer a ultradireita.
Restaria à esquerda apenas formar, supostamente, um “cordão sanitário” contra o avanço da extrema direita? E as reivindicações históricas da classe, como a redução da jornada de trabalho e o fim da escala 6×1, estariam colocadas apenas num futuro longínquo, quando for derrotada a direita?
O avanço da extrema direita se deve, em grande medida, à piora estrutural das condições de vida da classe trabalhadora e dos setores médios no sistema capitalista. A frustração e a decepção dos trabalhadores com todos os governos que administraram este sistema, e em especial com o PT, que se diz de esquerda, mas governa com a burguesia e para a burguesia, é combustível para o crescimento da extrema direita.
Afinal, é a política anti-trabalhador de Lula, a inflação dos alimentos, o corte de benefícios aos mais pobres, os cortes orçamentários impostos pelo arcabouço fiscal, que fazem com que a popularidade do governo despenque, não a luta justa dos trabalhadores por uma vida além do trabalho.
Na prática, o fantasma da volta da direita tem sido usado para lacrar os acordos de uma frente amplíssima que vai do PSOL até o centrão. Frente essa que está a serviço de aprovar o arcabouço fiscal, eleger Hugo Motta na presidência do Congresso, isto é, aprovar o programa da burguesia.
Mas tudo isso tem um preço. Ao não atender às necessidades da classe, o governo tem perdido apoio popular rapidamente, abrindo espaço para o crescimento da oposição de direita. Só a construção de um campo de independência de classe nas ruas pode derrotar a extrema direita e avançar nas conquistas dos trabalhadores.
Unidade da classe para inverter a correlação de forças ou ficaremos reféns do Congresso e da ultradireita

Militância do PSTU em ato na avenida Paulista, em São Paulo, pelo fim da escala 6×1 | Foto: Maisa Mendes
Nessa perspectiva, quanto mais os setores do PSOL blindam o governo que se choca com os anseios da classe, mais espaço abrem para que a oposição de direita dispute os trabalhadores para o seu projeto anti-trabalhador e anti-democrático. Esse é o caminho para a derrota.
Não podemos livrar a cara desse governo, é preciso exigir que Lula se posicione já sobre a PEC em tramitação. Erika Hilton, Rick Azevedo e o PSOL, que são base de apoio desse governo, não podem ser cúmplices desse silêncio. Não é possível defender até às últimas consequências a luta pelo fim da escala 6×1 sem dar nomes àqueles que tem o poder nas mãos, pois essa postura levará a classe a confiar nos seus algozes e se desviar do enfrentamento inevitável com o empresariado, os setores da direita, o Congresso Nacional e o próprio governo Lula.
Para ganhar as ruas e conquistar o fim da escala 6×1 será necessária a unidade dos movimentos sociais, sindicatos e organizações que não se curvam à frente ampla; e inclusive para exigir com mais força que os setores atrelados ao Congresso e ao governo se desatrelem e venham pra rua. Será necessário intensificar as mobilizações de forma independente do governo, sabendo travar a luta parlamentar para pressionar o Congresso e, ao mesmo tempo, ter firmeza para que a nossa pauta não seja desvirtuada ou rebaixada em negociatas nos bastidores.
É preciso construir um forte 1º de maio, independente do governo, e avançar nas condições para parar o país pela redução da jornada de trabalho. Para que os trabalhadores “emendem” o dia 2 de maio, como proposto por Rick de Azevedo, é preciso construir a organização e unidade coletiva nas lutas. Não será numa atitude meramente individual que os trabalhadores vão “ficar em casa”. Para parar o país pelo fim da escala 6×1 e a redução da jornada de trabalho é preciso sair dos trilhos dos trâmites do Congresso e organizar nosso time com independência de classe.
As grandes centrais como a CUT, Força Sindical, CTB devem ir além do discurso pelo fim da escala 6×1 e colocar o bloco na rua, forjar um plano de lutas, junto com a CSP-Conlutas, que já tem participado ativamente de todos os protestos.
É hora de fortalecer um campo de classe, a partir dos setores que tem puxado as mobilizações de rua desde a Plenária Nacional contra a escala 6×1 realizada em janeiro, somando mais forças, como o VAT, UP, MES e dentre outros movimento, mas acima de tudo, sabendo contra quem lutamos. Façamos um forte 1º de maio, independente e combativo, resgatando o espírito de luta dos operários norte-americanos que em 1886 se levantaram pela redução da jornada, dando origem ao dia do trabalhador.