A confirmação – documentada, agora – do estilo Sérgio Moro-Lava Jato reforça a necessidade de uma autocrítica da mídia. O uso reiterado de chantagens sobre os tribunais superiores só foi possível devido ao auxílio inestimável da mídia.
O uso ostensivo da mídia começou antes da Lava Jato. No ano 2.000 critiquei o uso abusivo da prisão preventiva. A primeira crítica foi em um evento que comemorou os 80 anos da Folha. Uma colunista saudava os novos tempos e dava como exemplo o fato de um senador da República, Jader Barbalho, ter sido conduzido algemado em um vôo da Polícia Federal. Ponderei que o aval a essa violência contra um senador da República, liberaria as delegacias do país para cometer toda sorte de violência contra prisioneiros anônimos.
Parecia que eu falava grego, ao defender alguns conceitos básicos do Iluminismo, como a presunção da inocência e o direito ao devido processo legal.
Na mesma época houve pressão para que uma juíza prendesse preventivamente o empresário brasiliense Luiz Estevão. Sustentei que a prisão preventiva em larga escala era uma ferramenta abusiva, que a juíza deveria impedir e, depois de cumpridas todas as etapas do julgamento, aí sim, aplicar uma pena severa nos crimes apurados. O artigo convenceu a então jovem juíza a não atropelar o devido processo legal.
Procuradores do Ministério Público Federal haviam acabado de inaugurar uma lista de discussões, usando ferramentas do Google. Aí, recebi um e-mail de um deles, fornecendo-me o link do grupo de discussão e me aconselhando a ir até lá, por estar sendo atacado, apontado como cúmplice de Luiz Estevão – que nunca conheci.
Fui, quebrei um pau homérico. Na sequência, recebi um e-mail de uma subprocuradora, contando-me sua história. Três procuradores vazaram uma suspeita anônima contra ela para o Correio Braziliense. Depois, com base na reportagem publicada, solicitaram a abertura de um inquérito contra ela, no âmbito do próprio MPF.
- Como podemos enfrentar isso?, indagava ela.
Culminou com uma ofensiva de vazamentos contra um promissor juiz de direito, por exigir acesso a uma escuta feita pela Polícia Rodoviária Federal em um inquérito sob sua responsabilidade. Setoristas da Justiça publicavam, com conotação de denúncia, atos totalmente justificáveis do juiz. Por coincidência, dias antes dessa campanha jantei com um notável penalista, que elogiou bastante o juiz, tido como garantista e sério. A campanha abortou uma carreira na magistratura, que, possivelmente, teria sido brilhante.
Todo esse processo antecedeu a Lava Jato e foi um preparativo para, posteriormente, o “mensalão” e a própria Lava Jato.
No meu livro “O jornalismo dos anos 90” narro mais de vinte casos de linchamentos midiáticos, endossados em coro pela mídia, por um efeito-manada terrível e covarde.
Na Lava Jato extrapolou-se de forma inédita todos esses abusos. Ouso dizer que o comportamento da mídia, durante a Lava Jato, foi pior que no tempo da ditadura. Na ditadura, obviamente, havia o terror do Estado, as prisões, torturas e morte. Mas no campo específico da mídia, a deduragem, a disseminação do ódio, avançou em um grau superior ao da ditadura.
Nem se lembre o Jornal Nacional, veículo de maior audiência do país, expondo diariamente o cano de petróleo jorrando dinheiro. Ou as matérias falsas de Veja em pleno período eleitoral. A deduragem não poupava ninguém. Alunos do Colégio Pedro 2o do Rio foram dedurados. Uma professora da USP, orientadora de uma tese sobre redução de danos em ecstasy, foi apontada como traficante. Justificou-se o ato de uma juíza de Brasília, que autorizou uma escuta abrangente sobre o presídio da Papuda, que alcançava até a área do Palácio do Planalto.
Mais que isso. Houve atentados contra o Instituto Lula, contra caravanas de Lula no Rio Grande do Sul, ônibus sendo atingido por tiros. E nada foi apurado, e nada a mídia exigia, endossando a noite dos grandes punhais que marcou o período.
Jornalistas conhecidos tornaram-se assessores de imprensa informais, cavalgando na popularidade da operação. Quem ousasse investir contra essa deduragem disfarçada de jornalismo era apontado como “chapa branca”. Pulularam na mídia cópias de Cláudio Marques, o indigno advogado-jornalista responsável pela campanha que levou à prisão de Vladimir Herzog.
Tudo muito bom, tudo muito bem. A grande noite passou, delatores do período anterior tornaram-se defensores da democracia e da civilização, insurgindo-se contra a infame anistia aos conspiradores de 8 de janeiro.
Mas e a autocrítica? E o pedido de desculpas? E o exemplo às jovens gerações, para que não mais se repitam esses atentados à democracia – e ao próprio jornalismo – por parte da mídia?
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