A intelectual e pesquisadora palestina Bayan Nuwayhed al-Hout, nascida em 1937 em Jerusalém, é uma das principais referências na documentação histórica da luta do povo palestino. Seu nome está diretamente associado ao registro minucioso de um dos crimes mais brutais do século XX: o massacre de Sabra e Chatila, cometido pelas milícias aliadas dos sionistas durante a invasão do Líbano em 1982. Mais do que uma pesquisadora, Bayan é uma testemunha direta da Nakba e da diáspora forçada, e sua trajetória reflete a resistência contínua da intelectualidade palestina diante da colonização, da guerra e do exílio.

Da Nakba ao exílio forçado

Filha de Ajaj Nuwayhed, nacionalista árabe e fundador do Partido da Independência Árabe (Hizb al-Istiqlal), Bayan cresceu em um ambiente fortemente politizado. Seu pai permaneceu em Jerusalém durante os primeiros meses de 1948, envolvido nas atividades do Comitê Superior Árabe. Já ela, sua mãe e irmãs foram obrigadas a deixar a cidade em 26 de abril daquele ano, poucos dias antes da queda de Jerusalém Ocidental nas mãos das forças sionistas. O exílio temporário em Beirute, planejado para durar pouco, tornou-se definitivo.

Ao longo dos anos seguintes, Bayan passou por escolas em Choueifat, Ramala e Amã, onde iniciou seus estudos superiores e a militância política. Aderiu ao Partido Baath ainda na juventude, operando de maneira clandestina após a imposição da lei marcial na Jordânia em 1957. Realizou atividades de ligação entre oficiais jordanianos dissidentes e militantes baathistas em Damasco, e continuou seus estudos universitários na Universidade Libanesa, já instalada no Líbano.

Jornalismo e militância

No início dos anos 1960, Bayan começou sua atuação jornalística, escrevendo na revista Dunya al-Mar’a, dirigida por sua irmã, e depois na influente al-Sayyad, onde cobriu a Revolução Argelina e entrevistou figuras centrais do nacionalismo árabe. Entre elas, Mahdi Ben Barka, Mohamed Khider e Satiʿ al-Husari. A atuação como jornalista foi uma extensão de sua militância pan-arabista, e seu trabalho a colocou em contato com figuras centrais da luta revolucionária árabe.

Nesse período, conheceu o jornalista palestino Shafiq al-Hout, com quem se casaria em 1962. Em 1963, integrou-se à Frente de Libertação da Palestina – O Caminho do Retorno, organização formada por Shafiq, Ibrahim Abu-Lughod, Nicola al-Durr e Samira Azzam. O lema da organização era claro: “o caminho de volta é o caminho da revolução”.

Sabra e Chatila: a luta contra a falsificação histórica

O ponto central de sua contribuição à causa palestina viria duas décadas depois, com o massacre de Sabra e Chatila. Entre os dias 16 e 18 de setembro de 1982, enquanto o exército sionista ocupava Beirute Ocidental, milícias falangistas libanesas invadiram os campos de refugiados palestinos, assassinando brutalmente milhares de civis — em sua maioria mulheres, crianças e idosos. Os responsáveis agiram sob proteção e coordenação direta das Forças de Defesa de “Israel”.

Diante da tentativa sionista de negar ou minimizar o massacre por meio do Relatório Kahane, Bayan iniciou em segredo, com um pequeno grupo de mulheres, a coleta sistemática de depoimentos, nomes de vítimas e provas documentais. O trabalho começou poucos dias após a retirada das tropas israelenses da cidade e durou anos. O resultado foi publicado em 2003 pelo Instituto de Estudos Palestinos (IPS), numa obra que se tornou referência sobre o tema e que desmonta a versão oficial das autoridades sionistas.

Intelectual orgânica da luta palestina

A dedicação de Bayan à pesquisa não se limitou ao massacre de 1982. Ela é autora de Filastin: al-Qadiyya, al-Shaʿb, al-Hadara (Palestina: a causa, o povo, a civilização, em tradução livre), obra que alcançou o topo da lista de mais vendidos nos jornais jordanianos em 1993, superando autores consagrados do mundo árabe. A recepção do livro demonstrou o interesse popular pela história da Palestina narrada a partir de um ponto de vista comprometido com a luta de seu povo.

Além de escritora, foi professora na Universidade Libanesa, onde lecionou cursos sobre a questão palestina e o Oriente Médio, atuou como pesquisadora e colaboradora do IPS e participou ativamente de conferências e entidades como a União Geral de Escritores Libaneses, o Centro de Estudos para a Unidade Árabe e a Conferência Nacional Árabe.

Apesar de ter abandonado a militância partidária nos anos 1970, Bayan jamais se afastou da luta palestina. Sua produção acadêmica e jornalística serviu de instrumento político direto contra as tentativas de ocultar os crimes sionistas e reescrever a história sob a ótica do opressor.

Categorized in:

Governo Lula,

Last Update: 19/06/2025