A recente decisão do governo Donald Trump de desativar a USAID não é um mero ajuste orçamentário, mas parte de uma ofensiva contra populações vulneráveis, movimentos progressistas e políticas de combate às desigualdades na América Latina. O corte em investimentos fundamentais para meio ambiente, direitos humanos e desenvolvimento sustentável visa enfraquecer estruturas que desafiem a lógica neoliberal e neocolonial do capital.

Os efeitos da suspensão desses financiamentos já são sentidos no Brasil. Em 2024, a USAID destinou 22,6 milhões de dólares para projetos no País, mais da metade voltada à proteção da Amazônia. Sem esses recursos, iniciativas ambientais, a defesa dos povos indígenas e a economia local das comunidades tradicionais ficam ameaçadas, e os povos indígenas ficam ainda mais expostos ao avanço do garimpo, do agronegócio predatório e das violências estruturais provocadas pelo racismo ambiental. É o caso, por exemplo, de organizações como o Conselho Indígena de Roraima, que atua na defesa dos povos Yanomami.

A suspensão da USAID é parte de um ataque sistemático às pautas progressistas que desafiam a dominação do Norte Global. Trump, ao desmantelar agências humanitárias e atacar políticas de mitigação climática, reafirma sua postura imperialista e busca consolidar a exploração econômica da América Latina, minando tentativas de autonomia do Sul Global. Essa é a face contemporânea do colonialismo: destruir formas de resistência e reforçar a dependência das nações periféricas.

Apesar dos esforços de Trump para interromper a ajuda internacional, a Suprema Corte dos Estados Unidos negou, por uma maioria apertada (5 a 4), o pedido do governo para congelar aproximadamente US$ 2 bilhões em assistência externa. Essa decisão impede, ao menos temporariamente, que o governo siga com sua política de desmonte total da USAID. No entanto, a Corte não estabeleceu um prazo para a liberação dos valores, o que ainda permite que a Casa Branca siga contestando a decisão nas instâncias inferiores.

Trata-se de uma pequena vitória para os movimentos progressistas, mas o fato de não haver um prazo para a liberação dos recursos mostra que a luta contra o desmonte da filantropia ainda está longe de ser vencida.

O vácuo deixado pela USAID não será preenchido por um Estado brasileiro que, sob governos neoliberais, tem sido conivente com a destruição ambiental e o genocídio indígena. Por outro lado, essa situação evidencia também um problema central da filantropia – enquanto mantém as aparências de auxílio, na verdade, reforça a fragilidade das instituições públicas e desvia o foco das reais soluções para os problemas sociais.

Diante desse cenário, a resposta dos movimentos progressistas deve ser a organização e a busca por alternativas autônomas de financiamento. O fim de certo tipo de filantropia não pode significar o colapso das lutas sociais, mas um chamado à resistência. Delegar esse poder a interesses individuais é arriscado, especialmente em tempos de retrocessos democráticos.

É urgente que filantropias progressistas reorientem suas estratégias para garantir que recursos sejam direcionados a estruturas coletivas e compromissos institucionais com a justiça social. É preciso fortalecer políticas públicas robustas, construir redes de solidariedade entre movimentos populares e pressionar governos para que assumam a responsabilidade pela garantia de direitos. A dependência de recursos externos perpetua a fragilidade das nossas lutas. O caminho para a emancipação passa pela soberania dos povos e pela autonomia dos projetos sociais.

Se Trump tenta sufocar o financiamento de nossas lutas, a resposta deve ser ainda mais forte: a resistência não pode depender da caneta do Tio Sam. Justiça social, preservação da Amazônia e defesa dos povos racializados não podem estar condicionadas à boa vontade do capital. É preciso construir, com urgência, um modelo de financiamento e resistência que não dependa das migalhas lançadas por quem perpetua a exploração.

Este é o momento de reafirmar que o Sul Global não será refém do colonialismo contemporâneo. Enquanto tentam desarticular nossas lutas, fortaleceremos nossas redes. Enquanto nos negam recursos, construiremos alternativas. Nossa resistência não está à venda – e nunca esteve.

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Last Update: 18/03/2025