A inflação de alimentos e o seu contexto de riscos sociais e ambientais
por Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria
A última Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos de 2024, realizada pelo Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos (Dieese), revelou dados alarmantes que merecem reflexão. Em todas as capitais pesquisadas, o custo da cesta básica subiu, evidenciando uma crise que ultrapassa a economia e se interliga com questões sociais e ambientais.
Segundo o Dieese, “em dezembro de 2024, o salário mínimo necessário para a manutenção de uma família de quatro pessoas deveria equivaler a R$ 7.067,68 ou 5,01 vezes o mínimo de R$ 1.412,00”. Considerando-se o seu mercado laboral estruturalmente precário, faz sentido dizer que o Brasil voltou a ser um país de “classe média”? Um estudo da Tendências Consultoria avaliou que 50,1% dos domicílios brasileiros tiveram renda superior a R$ 3.400 por mês em 2024, sendo que a classe C foi predominante. No entanto, o 1% do topo concentra quase 50% da riqueza líquida no Brasil.
Desigualdades socioeconômicas extremas são encontradas nas unidades federativas brasileiras em um contexto de elevado custo de vida para a população. Em Vitória (ES), por exemplo, o preço da cesta básica subiu 8,50% no ano de 2024, chegando a representar 57,23% do salário mínimo líquido. Os preços da carne bovina de primeira, do leite integral, do café em pó, do óleo de soja, do arroz, da manteiga e do pão francês subiram. O custo de vida é uma variável-chave que afeta diretamente a população.
A partir de 2020, revelou o Dieese, o peso da cesta básica em relação ao salário mínimo bruto subiu de 53,45% para 57,61% em 2024, atingindo o pico de 62,89% em 2022. Onde estão os estoques reguladores de alimentos no Brasil? O Novo Arcabouço Fiscal deixou espaço para a reconstrução dos estoques reguladores de alimentos?
O Ministério do Trabalho e Emprego (MTE), a partir do Novo Caged, de novembro de 2024, mostrou que o emprego celetista no Brasil apresentou expansão. No acumulado do ano até novembro, o saldo foi positivo em 2.224.102 empregos. O salário médio de admissão foi de R$ 2.152,89. No Espírito Santo, o salário médio de admissão em novembro encontrou-se abaixo da média do Sudeste e abaixo da média nacional. Em relação ao quadro nacional por nível de instrução em novembro, o saldo de empregos foi positivo para o médio incompleto, o médio completo e o superior incompleto.
O saldo por faixa salarial em novembro foi positivo para as vagas que pagaram até 1,5 salários mínimos. Esse pode ser considerado um país de “classe média”? O IBGE vem mostrando que a taxa de informalidade laboral tem se mantido em 39%, mesmo com quedas na desocupação. Custos elevados de vida para a população e a precarização laboral estrutural criam um contexto fértil para o fortalecimento de novos tipos de extremismos políticos e fascismos.
A ascensão do fascismo histórico em contextos de crise é um fenômeno complexo, multifacetado e que merece análise aprofundada. Embora existam debates acadêmicos sobre uma definição mais precisa do fascismo, geralmente ele é caracterizado por um autoritarismo extremo, nacionalismo radical, supressão de dissidência e culto à força e hierarquia.
As crises econômicas e sociais do século XX tiveram um impacto profundo na configuração política e social da época. A Primeira Guerra Mundial gerou um colapso econômico e uma destruição em larga escala, levando a uma profunda desorganização e descontentamento generalizado. A Grande Depressão agravou ainda mais a situação, resultando no desemprego em massa, pobreza e desigualdade. Esses eventos contribuíram para a emergência de um ambiente propício à propagação de ideologias autoritárias e nacionalistas, como o fascismo.
Diversos fatores facilitaram a ascensão do fascismo, com destaque para as desigualdades socioeconômicas. A grande concentração de riquezas nas mãos de poucos, as faltas de oportunidades e de acesso a recursos básicos por parte da maioria da população se mostraram historicamente capazes de gerar um sentimento de injustiça e revolta popular. A escassez de empregos, educação e serviços básicos dignos gerou um sentimento de injustiça e desespero, levando muitos indivíduos a aderirem a discursos e propostas fascistas que prometiam soluções simplistas e rápidas para os problemas enfrentados. Manifestações contemporâneas do fascismo têm sido observadas em vários países, incluindo o surgimento de movimentos populistas de direita.
A ascensão do fascismo tem impactos profundos na sociedade, levando a uma divisão e polarização cada vez maiores. O aumento da intolerância, do discurso de ódio e da xenofobia são algumas das consequências diretas do fascismo. Além disso, a ascensão do fascismo também pode resultar em restrições à liberdade de expressão, limitações aos direitos civis e perseguição de minorias. As perspectivas futuras devem incluir esforços para fortalecer a coesão social, reduzir as desigualdades socioeconômicas e promover a participação cívica ativa. Ademais, é crucial incentivar o desenvolvimento e a implementação de estratégias eficazes de combate ao autoritarismo e à violência política.
Recentemente, tomamos conhecimento de que a temperatura média do planeta rompeu a marca de 1,5°C em relação aos níveis pré-industriais, sendo que o aquecimento na América foi superior à média global. As mudanças climáticas aumentarão os preços dos alimentos no mundo. O aquecimento global deverá fazer com que a inflação de alimentos aumente em até 3 pontos percentuais por ano até 2035, de acordo com as avaliações internacionais. Uma matéria assinada por Rafael Oliveira, na Agência Pública, de 19 de dezembro de 2024, revelou o entrelaçamento entre preços de alimentos e crise climática no Brasil. Em síntese, “comprar comida ficou muito mais caro neste ano, e os extremos climáticos que o país e o mundo viveram no último biênio ajudam a explicar o porquê dessa subida nos preços”. Nesse sentido, o alerta de Celso Furtado, no clássico livro ‘O mito do desenvolvimento econômico’ (1974), precisa urgentemente ser revisitado por todos nós.
Os custos da inação, tanto no campo econômico quanto no ambiental, são altos demais. Somente com uma abordagem integrada e urgente poderemos transformar essa realidade de desigualdades e riscos em um futuro de justiça social e sustentabilidade. Reconstruir e ampliar estoques reguladores de alimentos, fomentar uma produção agrícola sustentável e combater a precarização estrutural do trabalho são passos fundamentais. Somente assim será possível enfrentar os desafios de um custo de vida crescente, proteger a democracia e evitar os retrocessos que a história insiste em nos lembrar.
Rodrigo Medeiros e Luiz Henrique Faria são professores do Instituto Federal do Espírito Santo (Ifes)
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