O Poder e o controle da Imprensa
A Secom do ministro Said Farhat, não se limitará a tornar mais transitáveis os caminhos do bom relacionamento com a Imprensa. Seus planos incluem a criação de um sistema estatal de comunicação. Há uma agência estatal
Durante sua curta, porém intensa experiência no serviço de marketing do candidato Figueiredo, Said Farhat soube captar com presteza as nuanças da psicologia militar, às quais somou sua antiga experiência como jornalista foi diretor da revista Visão, em sua fase áurea.
Disso resultou um esclarecedor documento de análise da política de comunicação social governamental. Batizado de “Bases para uma Política de Comunicação Social no governo João Baptista Figueiredo”, o trabalho, datado de fevereiro deste ano, vazou para a Imprensa através de resumos, divulgados pela própria Secom.
O documento original, porém, permaneceu inédito mais por desinteresse geral e má avaliação de sua importância. Nele se fez uma análise meticulosa do processo de abertura política e das novas regras de relacionamento entre o Poder e a Imprensa. Além de se delinear um permanente conflito entre os conceitos militar e democrático da informação do qual o autor parece não se dar conta.
No capítulo I, “Governo e Comunicação”, por exemplo, Farhat procede inicialmente a um bê-a-bá da democracia. Faz questão de lembrar que, “no regime democrático, todo poder emana do povo e é exercido em seu nome; consequentemente, o povo tem o direito de saber o que fazem seus mandatários, por que o fazem, que ônus e benefícios decorrerão, em cada caso, da ação da autoridade”.
Apoio popular
Nesse mesmo capítulo, Farhat inclui entre os deveres dos comunicadores sociais do governo o de “motivar e conscientizar o público, para obter sua participação voluntária na solução dos problemas nacionais ou mesmo locais, que não prescindam do esforço comum”.
Em várias passagens, ele salienta a importância da adesão pública voluntária aos projetos do governo. “A eficácia de qualquer ato, atividade, decisão política, trabalho, esforço, obra ou realização dos administradores depende, em larga escala, de que o povo os compreenda (grifo do autor). E, compreendendo-os, os aceite como bons. Só assim será possível obter o apoio e a participação de todos.”
Mais à frente, Farhat toca uma corda sensível do sentimento militar: o chamado aspecto psicossocial da segurança. “A importância da motivação da opinião pública demonstra-se, às vezes, de maneira dramática. Os demagogos constroem sobre a aspiração legítima da sociedade que eles detectam e exploram. Nações vão à guerra (na qual as pessoas perdem a vida) para defender princípios abstratos. E, como prova a história recente, ‘ganhar’ uma guerra pode ser mais uma questão de apoio popular, na frente interna do que de poderio bélico, na frente externa.”.
Assim sendo, “outros grandes objetivos poderão igualmente ser atingidos, na medida em que nos dispusermos a vencer a apatia, a desinformação e o desinteresse”.
Nesse ponto, o documento procede simplesmente a uma releitura dos velhos conceitos militares, bebidos diretamente dos clássicos Clausewitz, o grande teórico. O próprio Clausewitz, o grande teórico do pensamento militar do século passado, já estabelecia as ligações entre a política e a guerra. E considerava, como grande fator de vitória a “mística”, o entusiasmo, a fé numa causa. Ele citava como exemplo as vitórias dos franceses sobre os prussianos, em Iena; Farhat recorre ao exemplo da guerra do Vietnã. Ambos procuram enfatizar a importância do que os pensadores militares alemães do século passado denominavam de das menschliche Herz (o coração humano).
E é esse o fator estratégico importante que a Secom se dispõe a administrar. Naturalmente, a informação é apenas um aspecto de uma estratégia mais global, já que “a eficiência da mobilização da vontade coletiva estará sempre condicionada aos fatores que limitam a aceitação do apelo por parte do público. Assim, não se recolherá resultados satisfatórios contra a inflação, enquanto uns ganharem com ela, e outros perderem”.
Dentro da série de aspectos novos provocados pela abertura, o documento salienta que “o elemento qualitativo que mais profundamente marca as mutações políticas e sociais que o novo governo deverá encontrar, em relação à situação do último decênio, é o restabelecimento da liberdade de imprensa”.

Princípios
No capítulo II, “Comunicação Social e Democracia”, Farhat procede a uma explicação didática sobre o direito à informação, preconizado pelos princípios democráticos.
“A interpelação, a indagação sobre o andamento dos negócios do Estado devem ser consideradas formas corriqueiras do exercício do direito do mandante de saber o que faz o mandatário”.
Em seguida, enumera uma série de princípios de conduta. Recomenda a divulgação dos negócios do Estado, “na medida em que digam respeito ao bem comum”, embora ressalvando as situações em que “os interesses nacionais possam vir a ser prejudicados”.
Quanto aos casos não sigilosos, recomenda ampla e total divulgação. E acrescenta que se deve responder não só às indagações tradiconais “o que, quem, quando, onde, como e porque”, ensinadas pelas escolas de jornalismo, como a uma nova categoria, o “porque não”.
Finalmente, expele algumas regras de boas maneiras a serem seguidas no relacionamento com a Imprensa. “Sempre que a informação não puder ser dada, ou que o informante a desconheça, isso deverá ser dito com clareza. A frase enganosa é um insulto a quem a ouve ou lê.”
O estilo Secom
Ao menos no organograma da Secom, a informação e a notícia ficaram em compartimentos distintos. A notícia fica por conta da Assessoria de Imprensa, composta pelos jornalistas Alexandre Garcia que cobriu a campanha de Figueiredo como setorista do Jornal do Brasil – escolhido por Farhat, e oferenda floral.
Um redator de um jornal carioca não resistiu à oportunidade e garantiu que em breve a Secom iria começar a denominar as estradas de “tapetes asfálticos”.
Relações públicas
É no campo da relações públicas, porém, que o trabalho da Secom tem sido mais evidente. O cargo de chefe da Secretaria de Projetos Especiais, que corresponde à antiga Aerp, foi entregue ao publicitário Carlos Eduardo Jardim (não confundir com o seu irmão, também Eduardo Jardim, que é funcionário da agência de publicidade MPM), que passou 15 anos trabalhando no Jornal do Brasil, “fazendo até coluna social”, na parte comercial, e depois em agências de publicidade carioca. E nos últimos quatro anos trabalhou com Farhat na Embratur.
A Secretaria terá sob seu encargo os trabalhos de publicidade, relações públicas, promoção de eventos, atividades cívicas e culturais. Para tanto, passará a coordenar também todo o sistema de comunicação social do governo. De 4 a 7 de dezembro houve o I Seminário Nacional de Comunicação Social do Governo que, na verdade, foi o segundo, já que o então coronel Toledo Camargo realizou um encontro semelhante, nos tempos em que chefiava a Assessoria de Imprensa do governo Geisel. Desse seminário participaram coordenadores de comunicação social dos ministérios, empresas vinculadas e governos estaduais.
-Nesse seminário, procuraremos colocar os parâmetros profissionais da comunicação -explicava Jardim, antes de sua realização. A lei nos permite a fiscalização técnica, e é isso o que nós vamos fazer.
Poder de pressão
Unificar o sistema de comunicação socialdo governo significará, automaticamente, unificar toda a verba publicitária da administração pública. A formação dessa superestrutura de publicidade não poderá se constituir futuramente num irresistível poder de pressão sobre a Imprensa? Afinal, ainda hoje o governo mantém uma lista de publicações consideradas suspeitas para receber a publicidade oficial.
– Poderá até ser perigosa se cair em mãos erradas e for mal utilizada – admite Jardim, provavelmente na presunção que a gestão Farhat é eterna. Mas esse é um risco que correm todos os órgãos públicos ou privados. No momento, eu acho difícil que isso ocorra porque o comando é contrário a interferências, e não pretende transformar a Secom num segundo DIP (Departamento de Imprensa e Propaganda do Estado Novo).
Assim, no momento a função da Secom seria apenas a de “dar uma linha de ação”.
Hoje, a Secretaria de Projetos Especiais possui duas subsecretarias: uma de Relações Públicas; outra de Eventos Cívicos e Atividades Culturais. A primeira abreviou o nome do presidente para João Figueiredo; colocou-o num táxi, de Viracopos até o estádio do Morumbi, em São Paulo; fê-lo escolher repolhos numa feira de São Paulo; ser tomado por uma autêntica compulsão por cafezinhos de bar; e foi até o Maracanã ensinar o Hino Nacional à seleção brasileira de futebol.
Tem mais. A subsecretaria de Relações Publicas vai montar uma estrutura de 22 pessoas para administrar a publicidade oficial do regime. E seu primeiro ato será transferir a elaboração das campanhas institucionais para as agências de publicidade privadas. Até hoje, a AERP sempre recorreu aos filmes de produtoras independentes.
A Secretaria está encarregada também de selecionar os filmes institucionais para serem passados na televisão, nos 10 minutos diários a que ela tem direito.
– Agora, estamos preparando um calendário de eventos cívicos para 1980- informa o subsecretário de Relações Públicas, Jorge Guilherme, um ex-chefe de reportagem da TV Globo. O próximo seminário deverá nos dar elementos para o projeto 80. Como os eventos cívicos correm o risco de serem monótonos, juntamos o Estado-Maior das Forças Armadas para analisar a programação.
Para este ano, a Secretaria herdou o orçamento da Aerp, de Cr$ 13 milhões. Com esses recursos produziu cerca de 70 filmes institucionais, a um custo médio de Cr$ 200 mil cada.
Fora isso, a Secretaria está promovendo o que Guilherme garante ser “um dos trabalhos mais sérios de Relações Públicas”: a análise de atitudes.
– A partir dessa análise, faremos um projeto para devolver ao brasileiro o orgulho para as práticas cívicas. E nossa primeira medida foi ensinar a seleção a cantar o seu hino.
Outro fruto colhido pela “análise de atitude” da Secretaria foi o veto à campanha da Petrobrás, em que a empresa recorria aos velhos lemas da campanha de O petróleo é nosso.
Até o momento, enquanto toma pé da situação, a Secretaria tem desenvolvido poucos projetos – além de ensinar o Hino Nacional à seleção brasileira de futebol.
No nonagésimo aniversário da proclamação da República, por exemplo, foi realizada uma reunião para se saber que providências tomar.
– Resolvemos apoiar uma série de eventos já programados, revela Jardim.
Assim, o Rio comemorou os 90 anos da proclamação da República com uma gincana, São Paulo com corridas de bicicleta – sob os chamados auspícios da Secom.
Mas o conflito entre a noção militar de informação e a noção jornalística de notícia não poderia, evidentemente, esgotar-se no arrazoado em que Farhat fundamenta a ação da Secom ou na separação física entre a assessoria de imprensa da Secom e a Secretaria de Projetos Especiais.
Num regime militar, com a informação assumindo tal importância estratégica, não bastava ao governo simplesmente mudar sua forma de tratamento com a Imprensa e, assim como nos países capitalistas avançados considerá-la a grande aliada na reprodução dos conceitos ideológicos do sistema.
Na verdade, principalmente após a segunda metade do governo Geisel, quando se completou o processo de liberalização da chamada grande Imprensa, e de gradativa perda do medo, os mandatários do regime foram submetidos a uma breve porém intensíssima barragem de fogo.
Escândalos ocultados durante os anos de arbítrio vieram à tona. Seguiram-se uma sucessão de denúncias, algumas graves, que não foram aprofundadas; outras levianas, que acabaram recebendo uma repercussão indevida. Esses tropeços bem poderiam ser debitados ao processo de reaprendizado do pleno exercício do jornalismo, embotado pelos anos de censura!
Em todo caso, serviram para aprofundar as desconfianças militares. Se, por um lado, constatava-se que era necessário civilizar o tratamento à Imprensa e entender a sua dinâmica, por outro persistia a dificuldade para se aceitar a busca da notícia e o que um ex-assessor de Farhat denomina de “a compulsão selvagem do furo”.

Depoimento
O depoimento que se segue é importante. É de um importante ex-assessor do governo Geisel e sintetiza de maneira clara o pensamento militar majoritário atual em relação à Imprensa:
-No meu entender, a Imprensa interpreta mal as notícias. Ela tem o sensacionalismo como regra de marketing. Quando isso ocorre, ela investe na crise, não na construção. Além disso, muitas vezes ela se utiliza da informação vazada. Não julgo que seja por má intenção, mas pela própria dinâmica da Imprensa. E muitas vezes, por falta de uma estrutura de comunicação própria, o governo não tem como se defender desses vazamentos.
Aqui, ele entra em um aspecto sensível da formação militar o que denomina de a violência da palavra:
– Não sou contra a crítica bem colocada, que respeita os Direitos Humanos. E vocês não entendem que desrespeitar os Direitos Humanos não é só o catiripapo na nuca. Porque não se discute a violência da palavra? A violência física se esgota no ato. A da palavra, perdura.
Assim, dentro do rígido processo de análise de situação, ensinado pelos princípios de estratégia militar, não se pode confiar num instrumento sobre o qual não se pode ter pleno domínio.
– Na Imprensa, o que importa é a versão. – continua esse ex-assessor do governo Geisel. Por isso, acho que o governo tem de aparelhar-se o melhor possível para divulgar a sua versão.
Ameaças
De fato, a Secom não se limitará a tornar mais transitáveis os caminhos do bom relacionamento com a Imprensa. Seus planos incluem a criação de um sistema estatal, de comunicação. De um lado, há uma agência estatal de notícias, a Empresa Brasileira de Notícias, que, herdando a estrutura da extinta Agência Nacional, concorrerá diretamente com as agências privadas na cobertura do que é hoje o principal tema jornalístico: o governo. A EBN terá fontes de receita independentes da venda de seus serviços. De modo que poderá simplesmente oferecer seu noticiário de graça aos futuros assinantes como, aliás, pretende fazer no início.
Na outra ponta estará a Empresa Brasileira de Radiodifusão (Radiobrás). Dona de emissoras de rádio em Brasília e no Rio e de uma ampla rede de emissoras encarregada de cobrir a Amazônia legal, além de uma emissora de TV estatal e da possibilidade de administrar as TVs Educativas dos diversos estados, os planos da Radiobrás são igualmente ambiciosos. Planeja ser a central produtora das emissoras de rádio e televisão que até o momento não integram nenhuma rede particular. Para elas, a Radiobrás oferecerá inicialmente um jornal diário, de rádio e um de televisão com noticiário farto e abundante sobre o poder federal. (Sobre a EBN e a Radiobrás, nos referiremos em outro capítulo.)
Completa-se, dessa maneira, um quadro que possui ingredientes ameaçadores, e que permite se avançar em suposições.
Suponha-se apenas que em lugar de Said Farhat, até agora, ao que consta uma pessoa de boa formação democrática, assuma uma pessoa disposta a utilizar os poderes de persuasão dessa estrutura que se arma.
Haveria à sua disposição, de início, o tremendo poder decorrente da unificação das verbas oficiais hoje, indiscutivelmente o grande cliente publicitário. Um jornal que fosse colocado no index do governo estaria arriscado a ter o mesmo fim do extinto Correio da Manhã.
As ameaças não param aí. Entregando seus serviços praticamente de graça, a EBN praticaria um verdadeiro dumping entre as agências de notícias. Tendo a seu lado o poder do governo, e sem a obrigação de apresentar resultados financeiros, ela poderá se converter em um verdadeiro monopólio da notícia oficial, montando uma estrutura de cobertura imbatível. Poderia, eventualmente, selecionar clientes em determinadas regiões, fortalecendo as publicações consideradas aliadas do regime.
Como a maioria das publicações fora do eixo Rio-São Paulo não tem condições técnicas de processar as informações das agências, interpretá-las ou contradizê-las, a verdade oficial, e apenas ela, seria reproduzida por todos os cantos do País, montando um sistema de controle ideológico de seríssimas consequências para a democracia, uma espécie de equivalente tropical do que ocorre hoje nos países comunistas.
Farhat se defende
Dentro da estrutura do Planalto, Farhat é, hoje em dia, um ministro poderoso. No governo Geisel, julgava-se o poder de um ministro pelas vezes que ele fosse convidado a jogar biriba com o presidente. No governo Figueiredo, pelas audiências exclusivas. Hoje em dia, os chamados ministros da casa Gabinete Militar, Gabinete Civil, Planejamento e SNI têm um despacho diário e coletivo com o presidente, às 9 horas da manhã. As 9h45, é a vez de Farhat ter uma audiência diária e exclusiva com o presidente. Já bastou para que se afirmasse em Brasília que ele conquisfou a intimidade de Figueiredo e estaria provocando ressentimentos mortais no ministro Golbery do Couto e Silva, da Casa Civil.
Se a análise está correta, é difícil saber. Os critérios para se analisar a psicologia do Planalto são muito fluidos.
Em todo caso, não escapa de nenhum observador atento que o trabalho desenvolvido pela Secom não tem agradado aos segmentos militares. Eles não condenam propriamente a criação da estrutura proposta pela Secom. Pelo contrário. Mas não conseguem ocultar seu ressentimento contra o fato de a Secretaria ter sido elevada a nível de Ministério e o cargo confiado a alguém “de fora”. (Essa designação “de fora”, que se aplicaria aos empregados qualificados do regime, como Delfim e Farhat, e os “de dentro”, que são os representantes do segmento militar, foi incorporada recentemente pelos analistas políticos de Brasília, e ajuda a se compreender uma série de fenômenos políticos do Planalto.) Afinal, se a informação é um fator estratégico, deveria ficar com alguém do meio, alegam esses militares.

Personalismo
Um outro ponto que se condena na política desenvolvida pela Secom é a sua excessiva ênfase em campanhas personalistas, de promoção pessoal do nome de Figueiredo.
Num país que tem um Ziraldo, um Chico, um Henfil e um Jaguar não se pode facilitar tanto na divulgação da imagem de uma pessoa, explicava-me um importante general brasiliense.
Em sua sala no Planalto, Farhat não parece muito preocupado com as críticas. Assume intencionalmente um ar didático ao responder às perguntas e, pelo teor de algumas respostas, não se sabe qual público ele está visando. Às vezes, ele parece dirigir-se à opinião pública. As vezes, parece referir-se diretamente aos “de dentro”.
– O fundamento teórico da atuação da Secom é simples diz ele, com voz pausada. O povo tem o direito de saber; o governo tem o dever de informar. Isso faz parte das próprias diretrizes do governo Figueiredo.
Já a Secom será o canal de abertura da comunicação e instrumento de abertura política.
– O que a diferencia das assessorias dos outros governos é, primeiro, o fato de ser uma organização só, abrangendo as funções de coordenação de Imprensa e de relações públicas. Em segundo, o fato de dispor de alguns instrumentos de trabalho, como a EBN e a Radiobrás. E, finalmente, por seu nível hierárquico, ela tem muito mais condições que as assessorias anteriores.
“Rua de duas mãos”
-Mas a divulgação de informações e o trabalho de relações públicas são complementares?
Acho que sim, se se entender cada função em sua definição correta. A RP é um tipo de atividade no Brasil deturpado na compreensão de muitas pessoas. Fazer RP não é fazer festinhas, banquetes, andar bem vestido e conhecer cronistas que possam falar bem ou mal. RP está mal traduzida. Significa relações com o público. Engloba tudo aquilo que concorre para melhorar as relações da entidade com o público, basicamente através da disposição de informar corretamente, com veracidade.
A função da RP seria, portanto, aproximar Brasília do resto do País?
Não apenas isso. Entendo essa atividade como uma rua de duas mãos. Significa informar ao público e recolher, de forma sistematizada, utilizando para isso os métodos estatísticos adequados, a opinião pública, para fins de informação das autoridades.
Quer dizer que as autoridades poderiam começar a pautar suas atitudes pelos resultados das pesquisas de opinião?
-A pesquisa é um mero elemento informativo. Não vai trazer alterações ao sistema. O sistema de comunicação é um veículo, não um instrumento de decisão. O processo de tomada de decisão do governo é um processo íntimo, que abrange a informação, a avaliação e a decisão. O Ministro-chefe da Secom apresentará, quando muito, observações e ponderações sobre o que ele considera as repercussões na opinião pública de atos ou decisões do governo.
Nesse ponto, Farhat começa a falar para o público de dentro:
Depois que a decisão tenha sido tomada, mesmo contra a sua posição, o dever do ministro-chefe é usar o melhor de seu talento para transmitir, aquela decisão no espírito em que foi tomada. Há muita gente que imagina que o ministro da Comunicação Social é um ponta de lança da oposição dentro do próprio governo. Não há nada de mais errado. O ministro da Comunicação Social, ou qualquer outro, quando não estiver mais satisfeito, põe o chapéu na cabeça e vai embora. É muito simples.
-Pode-se democratizar o poder central e fazer com que ele se compenetre da obrigação de dar satisfação de seus atos à opinião pública?
Vai depender muito da orientação pessoal de cada gestão. (…) prematuramente dos seus planos de comercialização; Não fazer o lançamento do produto numa época incorreta.
O senhor reivindica, então, que a Secom deveria se tornar o juiz da oportunidade na divulgação das notícias?
-Em cada órgão há um organismo de comunicação social cujo mandato é o mesmo: informar. Essa autoridade é que será o juiz da oportunidade. Mas, certamente, é dos princípios governamentais que assuntos administrativos só devem ser comunicados depois da decisão tomada. Tem que se distinguir a notícia do vazamento. A notícia tem que ser superabundante, com todos os detalhes possíveis. Enquanto que o vazamento é a revelação não autorizada.
A notícia, para a Secom, seria então somente o fato consumado?
Não só. A imensa maioria dos negócios do Estado deve ser fornecida às claras. Agora, assuntos que envolvam tomadas de decisão, mudanças de política econômica, só devem ser divulgados no momento oportuno.
O fato de o governo não ter um controle absoluto sobre suas informações não é bom para a democracia?
-Eu duvido que um regime, por mais democrático que seja, revele prematuramente a mudança de sua política fiscal, por exemplo. Agora, o sigilo é exceção que tem de ser administrado com muita prudência.
Não é antes da decisão ser tomada que a opinião pública tem mais condição de influir?
O sigilo que eu digo é na fase de instrução, em que as alternativas estão sendo estudadas. Tomada a decisão do governo não significa fato consumado. E é parte integrante da administração do sigilo e sua transitoriedade.
O senhor fala na notícia como fator de democratização. Ela não pode ser também um fator de controle ideológico?
-Eu não entendo assim.
A verdade das notícias tem muitas faces. Com o alcance que pretende ter, a EBN chegará à maioria dos jornais brasileiros, que terão a possibilidade de receber apenas a verdade governamental. Não é uma forma muito unilateral de encarar a notícia?
Seria, se o governo proibisse a esse jornal receber opiniões contrárias.
Mas a própria estrutura financeira dos jornais do Interior impede essa diversificação de enfoques.
Volto a dizer: seria preferível que eles recebessem ou não a informação? Estamos diante de uma realidade. Existem, no Brasil, centenas de jornais e milhares de emissoras de rádio. O governo considera seu dever colocar diante desses canais de comunicação pública os seus atos, as notícias referentes à sua atividade. Ninguém estará fazendo proselitismo ou propaganda. Estará simplesmente informando. Não vejo como pode ser contra a democracia.
Vamos tomar um exemplo concreto. Recentemente, o governo divulgou um decreto aumentando as alíquotas do Imposto de Renda das pessoas jurídicas. A Imprensa recebeu um material da EBN com o decreto, a exposição de motivos e uma defesa suplementar da medida, em que se mostrava que havia uma evasão na arrecadação de impostos da alíquota. Essa a verdade oficial. O material não informou nem era o caso de ele informar que esse aumento não afetaria as empresas que já não estavam pagando imposto, mas apenas aquelas que não conseguiram escapar do fisco, e que por isso era injusto.
Veja bem. Eu não sei se você tem razão na análise que está fazendo. Devo lembrar uma distinção bastante nítida entre notícia e editorial. Nós fazemos as duas coisas: os editoriais, através da Voz do Brasil. No exemplo citado, nós transmitimos uma notícia, uma análise do fato. Obviamente, o governo não pode estar de acordo com a sua observação de que à lei é inócua (na verdade, eu falara em injusta), se não não teria assinado o decreto.
Isso não é uma interpretação. É um fato. E, no entanto, a maioria dos jornais que recebeu o material da EBN não teve condições de avaliar o noticiário. Ficou a versão do governo.
O governo viu o problema de uma maneira, você enxerga de outra. O governo disse a maneira como ele viu o problema, porque tomou a medida, o que ele espera dessas medidas. Agora, o governo de forma alguma impede que pessoas que pensem diferentemente também se expressem.
E Farhat se despede, porque tem uma a audiência marcada com o presidente.
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