Segundo Marx (1973; p. 81):

“As três formas principais em que o Estado surge sobre as ruínas da organização da gens foram analisadas atrás, pormenorizadamente. Atenas constitui a forma pura, clássica; ali, o Estado deriva directa e principalmente das oposições de classe que se desenvolvem dentro da própria sociedade da gens. Em Roma, a sociedade da gens torna-se uma aristocracia fechada, no meio da numerosa plebs, que fica de fora e tem deveres, mas não direitos; a vitória da plebe rompe a velha organização baseada no parentesco e constrói sobre as suas ruínas o Estado, em cujo seio tanto a aristocracia da gens como a plebe se vêem depressa totalmente absorvidas.”

Grandes capitalistas nacionais que começaram a se desenvolver já no final do século XIX e a incorporação de grandes empresas capitalistas estrangeiras lapidaram as carreiras profissionais e genealógicas de muitos indivíduos que constituem a classe dominante mais ampla, onde muitos dos seus representantes estão inseridos nos mais diversificados negócios da burguesia e nas instituições estatais e nos poderes instituídos da República.

O aperfeiçoamento dos poderes advindos de vínculos familiares foi sendo lapidados nas instituições públicas e privadas e assim como no início da colonização brasileira as relações de interdependência se fizeram presentes através de maneiras híbridas de transformar interesses mútuos pela via de acordos, conciliações, títulos honoríficos ligados a nobreza, vínculos familiares hereditários e cargos em serviços públicos concomitantemente a negócios da riqueza privada.

Uma abordagem importante no que tange aos aspectos relacionados à família nas relações de produção, acumulação e ampliação dos interesses próprios e da classe dominante a qual pertence se refere à órbita vinculada à gênese da riqueza e da dominação política secular ou recente por parte de grupos privilegiados específicos. A porta de entrada, permanência e transferência de poderes ocorre através do contrato jurídico que garante tanto a posse da terra quanto a inserção institucional nos aparelhos de Estado. Para obter vantagens e conquistar privilégios e benefícios dessa envergadura é necessário ser bem nascido e manter os vínculos hereditários familiares pela via do casamento com famílias de prestígio e poder político ou por intermédio de laços de sangue herdado nas gerações anteriores já estabelecidas.

Para aqueles indivíduos não pertencentes aos círculos do poder existem estratégias que possibilitem a ascensão nas carreiras do Estado mais influentes e pela tecnocracia mais elitizada nos escalões das instituições chave do Estado. Mas, para uma sociedade com baixíssima mobilidade social como a brasileira como alcançar tais níveis nas instituições estatais? O acesso à educação de qualidade, as condições mínimas de infraestrutura familiar em termos socioeconômicos e a formação continuada específica que possam permitir disputar o acesso às carreiras de Estado também dependem dos denominados “capitais”. Isso explica em grande medida o tamanho da desigualdade brasileira já definida de partida, pelo acesso básico de condições mínimas que apenas uma minoria adquire ou possui por razões distintas.

Desta forma, a família tornou-se ao longo da formação social e política brasileira uma condição necessária para atingir e permanecer no poder por incontáveis gerações. A classe dominante sempre orbitou em torno da posse da terra e do controle dos aparelhos de Estado e construiu um itinerário a partir de estratégias de poder que combinassem diversas formas de organização política, social, econômica, cultural e de caráter amplo e ramificado.

O presente trabalho procura explicar como os representantes da classe dominante controlam o processo decisório do capitalismo financeiro no Brasil junto a conexões globais a partir das suas principais instituições do Estado e por intermédio das famílias históricas tradicionais em consonância com diversas frações de classe burguesas mais recentes. A grande maioria dos presidentes do Banco Central do Brasil pertence a famílias históricas da classe dominante e também de frações de classe burguesas vinculadas ao mercado financeiro por intermédio de universidades e demais organismos financeiros internacionais. No caso brasileiro os interesses do mercado financeiro nacional e estrangeiro forjaram as necessidades de acumulação e reprodução do capitalismo dependente no processo de globalização no imperialismo. Para assumir cargos de confiança e exercer o poder de decisão frente aos interesses de dominação econômica e financeira nacional e internacional indivíduos pertencentes aos extratos dominantes no circuito social brasileiro assumem as funções de guardiões do poder de Estado a serviço da classe dominante a qual em grande medida também são membros em amplo espectro. A grande maioria desses indivíduos advém de famílias repletas de heranças com acúmulos de capitais dos mais variados trazidos da longa tradição colonial e outros grupos também dominantes e de frações de classe da imigração, além de camadas sociais ascendentes, principalmente a partir da denominada revolução burguesa ou da grande metamorfose de transição da economia agrária exportadora para a industrial dirigista da década de 1930 em diante. Desta forma, como o Banco Central tornou-se o pilar de sustentação desse processo de intermediação financeira através de políticas econômicas decididas no Comitê de Política Monetária – COPOM pertencente ao aparelho decisório da gestão monetária do Banco Central em consonância com os interesses privados em níveis nacionais e internacionais do capital financeiro. Os Chicago Boys são na verdade esses representantes, que em grande medida estavam posicionados também em instituições de ensino superior na área de Ciências Econômicas, em particular na PUC-RJ e na Escola de Chicago nos EUA com seus projetos de doutorado e pós doutorado, além de atuações como professores visitantes. Outras instituições públicas e privadas nacionais de ensino superior aparecem nos seus currículos, assim como nos EUA e em outras instituições do imperialismo. Esse trabalho, que compõe parte de um projeto futuro de pesquisa trata de um dos temas mais instigantes da sociologia política e da economia política contemporânea. Diz respeito a três grandes núcleos norteadores do pensamento sociológico, que envolve a pesquisa sobre as carreiras, itinerários ou biografias de personalidades de grande relevância no seu respectivo campo profissional e político de atuação; no caso específico as elites tecnocráticas estratégicas que conduziram o Banco Central do Brasil e participaram diretamente na elaboração do Plano Real, entre a gestão de Itamar Franco e Fernando Henrique Cardoso à frente da presidência da República. entre 1992 e 2002. Como se refere a personagens intimamente relacionados pretendemos traçar uma prosopografia dessas elites tecnocráticas que ao mesmo tempo atuam no mercado financeiro de maneira bastante relevante no cenário nacional. Concomitante a essa abordagem, uma breve interlocução institucional entre o Banco Central e o Plano Real onde essas elites estratégicas estavam muito bem posicionadas no âmbito político, econômico e social. E por fim, como que esses atores no interior dessas instituições convergem para práticas incisivas na macroestrutura da economia política em termos nacionais e internacionais coadunando com interesses múltiplos da classe dominante nacional e internacional.

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Last Update: 05/05/2025