A imortalidade socialista *

por Urariano Mota

Os jornais do mundo inteiro captaram uma conversa entre os líderes socialistas Xi Jinping, Vladimir Putin e Kim Jong-un. Não foi uma conversa dentro de rigorosos limites políticos, mas foi muito importante. Eles trataram de assunto que muitos líderes do mundo não têm capacidade de tratar, porque lhes falta conhecimento e elevação. O diálogo se deu  durante a transmissão ao vivo do desfile militar em que todos estiveram juntos na quarta-feira 03 de setembro em Pequim.

A primeira frase veio de Xi Jinping: 

“Antigamente, era raro ver alguém com mais de 70 anos, e hoje em dia dizem que aos 70 ainda se é criança”. Bravos, os camaradas que estamos acima dos 70, até concordamos. E mais falou Xi Jinping:

“As previsões são de que, neste século, também há uma chance de viver até os 150 anos”. Acho que os camaradas do mundo inteiro não pediriam tanto. Por Mao, nos basta uma vida em que realizemos o mais importante,  trabalhar, lutar, escrever e amar, na ordem inversa.

Mas diante do pensamento de Xi Jinping, Vladimir Putin foi mais longe:

“Com o desenvolvimento da biotecnologia, órgãos humanos podem ser continuamente transplantados, e as pessoas podem viver cada vez mais jovens, e até mesmo alcançar a imortalidade”.

Com todo o respeito ao camarada russo, afirmo que a dialética não pode abrigar a imortalidade física das pessoas. Onde existe vida, existe morte. Ou não será vida. Mas a Agência Tass registrou outra declaração de Vladimir Putin mais ponderada:   

“Métodos modernos de recuperação, até mesmo cirúrgicos que lidam com a substituição de órgãos, permitem à humanidade esperar que a vida ativa dure mais do que hoje. A idade média varia de país para país, mas a expectativa de vida aumentará significativamente”.

É verdade. Se a imortalidade física a dialética condena, elastecer os limites da vida humana já acontece. No romance “A mais longa duração da juventude” ela surge, como se fosse talvez uma antecipação de tal conversa entre os grandes líderes. Em pelo menos 20 lugares, a imortalidade está presente, como nos trechos:

“Ali, como em Olinda, nesse carnaval conspiramos pela boa-nova do socialismo mais radical: a imortalidade comunista para todos e todas as classes. E na ditadura, como agora, os alienados de nada sabem. Antes, não sabiam das denúncias de torturas e assassinatos. Agora, para a redenção definitiva me parece na hora, e mais concentrado escuto Zacarelli.

– A história da ciência é também a história do prolongamento da existência humana. Toda ciência é para o homem, em última análise. Sim, temos os desvios da bomba atômica, mas isso é da fase imperialista do capitalismo. Nós lutamos pela antibomba, compreende?

Compreendo, e com os olhos em lágrimas balanço o queixo pelo achado poético e verdadeiro. Nós somos a antibomba. Nós lutamos pela antibomba. Vida, nós te queremos eterna. Que venha a morte, não passará. Por nós, não, maldita, não passarás. Assim como este carnaval, que será eterno enquanto nossa necessidade e o povo do Recife e Olinda existirem.

– Agora, note bem, a história da medicina é não só a luta contra a dor, é a luta para vencer a morte. E olhe que os limites da vida têm recebido uma dilatação. Entende? Em nossa infância, homens com a nossa idade seriam velhos. Olhe para nós. Somos velhos? Não!

Somos eternos e não o sabemos, tenho vontade de lhe falar. Mas me calo, porque Zacarelli está irrefreável:

– Nós somos jovens. Mais jovens que antes, quando tínhamos 20 anos. Por quê? Porque agora temos a consciência, o sabor experiente que não era possível naquele tempo.

Os nossos minutos hoje são mais valiosos, eu sei. Ou de outro modo, os nossos minutos têm uma duração que antes não tinham. Eles são de um gosto percebido e dilatado no pensamento. Um segundo não é mais um segundo. Um segundo é uma hora. Um segundo é um século. Nós somos portadores dos segundos que duram séculos….

A resistência, que é vida, se faz na brevidade pelas ações e trabalho dos que partiram e partem. Mas nós, os que ficamos, não temos a imobilidade da espera do nosso trem. Nós somos os agentes dessa duração, o trem não chegará com um aviso no alto-falante, ‘atenção, senhor passageiro, chegou a sua hora’. Até porque talvez chegue sem aviso, e não é bem o transporte conhecido. O trem é sempre de quem fica. E porque somos agentes da duração, a nossa vida é a resistência ao fugaz. Nós só vivemos enquanto resistimos. Nós alcançamos a imortalidade, o que transcende a sobrevivência ao breve, porque a imortalidade não é a permanência de matusaléns decrépitos. Nós só a alcançamos pelo que foi mortal, mortal, e sempre mortal não morreu. A imortalidade é isto, o trompete de Louis Armstrong, a voz de Ella Fitzgerald, aquela pergunta de Luiz do Carmo em frente ao Cine São Luiz, ‘como vais escutar Ella se não tens vitrola?’ ”.

É isso, ao fim.  

*Vermelho A imortalidade socialista – Vermelho

Urariano Mota – Escritor, jornalista. Autor de “A mais longa duração da juventude”, “O filho renegado de Deus” e “Soledad no Recife”. Também publicou o “Dicionário Amoroso do Recife”.

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Last Update: 07/09/2025