O primeiro longa-metragem estrelado por Fernanda Torres foi Inocência (1983), filme de Walter Lima Júnior baseado no romance de Visconde de Taunay.

Dois anos depois, ainda com ar de menina, ela faria A Marvada Carne (1985), de André Klotzel. O papel não apenas lhe permitiu explorar a veia cômica como a levou a receber, aos 19 anos, o Kikito de melhor atriz no Festival de Gramado.

Na sequência viria outro prêmio, de enorme prestígio, pela atuação em Eu Sei Que Vou Te Amar (1986), de Arnaldo Jabor: a Palma de Ouro de melhor atriz no Festival de Cannes.

Ao mesmo tempo que parecem absolutamente distantes no tempo, esses prêmios da tenra juventude ajudam a iluminar, como os faróis de um carro voltados para trás, a trajetória que o Brasil parou para ver, rever, comentar e aplaudir ao longo desta semana.

O Globo de Ouro entregue a Fernanda Torres no domingo 5, no Beverly Hilton Hotel, em Los Angeles, pelas mãos de ­Viola Davis, é tanto o reconhecimento por sua atuação em um grande filme, Ainda Estou Aqui, quanto o ápice de uma carreira que, desde o início, se anunciava brilhante.

Como ela tem dito em muitas entrevistas, a atuação se apresentou em sua vida como algo incontornável. Pai e mãe faziam isso e ela, sem pensar muito sobre o assunto, logo se pôs a fazê-lo também.

O teatro, para onde era levada desde criança, fez-se muito presente em sua vida, mas foi na televisão e no cinema que ela ganhou não apenas fama, mas uma identidade que lhe permitiu afastar-se da sombra imensa de uma mãe famosa e sempre considerada genial.

“Cresci com o peso de que jamais me igualaria à minha mãe, e isso carregando o nome dela”, disse ao amigo e companheiro de cena em Ainda Estou Aqui, Selton Mello, em uma das conversas presentes na recém-lançada autobiografia do ator, Eu Me Lembro (Jambô Editora). “Já nasci perdendo, Selton.”

Fernanda costuma afirmar, inclusive, que acha que começou a escrever para reforçar esse “eu” só seu. E também nisso, diga-se, ela revelou-se hábil, tanto nas colunas publicadas no jornal Folha de S.Paulo e na revista Veja Rio quanto em seus livros – os romances Fim (2013) e A Glória e Seu Cortejo de Horrores (2017) e a coletânea de crônicas Sete Anos (2014), todos publicados pela Companhia das Letras.

Mas teriam, obviamente, bastado ­suas atuações – no teatro, no cinema e na televisão – para que visse esse “eu” autêntico emergir. Sua identidade artística foi forjada desde muito cedo, como demonstram os primeiros papéis, e lapidada a partir de uma característica que é também um talento: a versatilidade.

Nas reportagens e posts que se seguiram ao Globo de Ouro, foram muitas as referências carinhosas à divertida Vani, de Os Normais, série de tevê do início dos anos 2000 depois transformada em longa-metragem, e à Fátima da série Tapas & Beijos, lançada em 2011. Sua capacidade de fazer rir é, sem dúvida, uma das fontes das paixões que desperta – e dos tantos memes que gera.

‘Cresci com o peso de que jamais me igualaria à minha mãe, e isso carregando o nome dela’, disse a atriz a Selton Mello

Embora sua graça tenha se popularizado na televisão – e virado hit nas redes sociais –, também no cinema ela fez rir várias vezes, como no memorável Sanea­mento Básico, o Filme (2007), dirigido por Jorge Furtado.

Foi em dramas, no entanto, categoria na qual competiu pelo Globo de Ouro – ao lado de Angelina Jolie, Nicole Kidman, Tilda Swinton, Kate Winslet e Pamela Anderson – que Fernanda viveu muitos de seus grandes papéis no longa-metragem.

Dentre eles estão aqueles de Com Licença, Eu Vou à Luta (1986), de Lui Farias; Terra Estrangeira (1995), também de Walter Salles, em que canta Vapor Barato; O Que É Isso, Companheiro? (1997), de Bruno Barreto, no qual também divide a cena com Selton em uma história sobre a ditadura; e Casa de Areia (2005), dirigido por seu marido, Andrucha Waddington.

Sua proximidade com o cinema brasileiro, e com seus altos e baixos, sempre foi grande. Não à toa, em entrevista à Vogue, disse: “Se essa indicação chegar a acontecer, num filme pequeno em comparação com a indústria de cinema internacional, falando em português, já considero isso como um Oscar ganho”.

No caso do Globo de Ouro, ela, de fato, parece não ter se permitido criar expectativa em torno da vitória. O jornal The Washington Post comentou assim sua fala na premiação: “Torres disse que não preparou um discurso – um refrão comum, mas que pode ter sido verdade, a julgar pelo choque puro em seu rosto”.

No dia seguinte, à GloboNews, Fernanda declarou: “É tudo tão surreal que eu tenho a sensação de viver uma realidade paralela, como quando se desfila em uma escola de samba. Ainda não voltei para a vida”.

A espera, agora, é por uma possível indicação ao Oscar. Na quarta-feira 8, confirmou-se sua já esperada ausência no SAG Awards 2025, considerado um termômetro para o Oscar nas categorias de atuação. Mas, como o Globo de Ouro demonstrou, com Fernanda e Ainda ­Estou Aqui tudo é possível.

A votação para o principal prêmio da indústria hollywoodiana começou na quarta-feira 8 e segue até 12 de janeiro. A lista final é anunciada no dia 17 e a cerimônia da 96ª edição do Oscar acontece em 2 de março. Mas o champanhe, parafraseando Fernanda, já foi aberto. •

Publicado na edição n° 1344 de CartaCapital, em 15 de janeiro de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘A hora da coroação’

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Last Update: 09/01/2025