Embora Donald Trump seja evidentemente uma figura de extrema direita presidindo o país mais corrupto do planeta, principal reduto do imperialismo mundial, o viés da campanha da esquerda pequeno-burguesa brasileira contra o presidente norte-americano já criou contornos de histeria.
A filósofa Márcia Tiburi não é estranha a esses arroubos histéricos e um bom exemplo disso é sua coluna para o sítio Brasil 247, com o título Trump, o mal banal e o mal radical. Sua premissa, expressa no olho da matéria, é de que “o nazifascismo de Trump é guerra declarada contra o planeta”.
A afirmação por si só já tem um caráter infantil e, abaixo, veremos que seus argumentos também o são. No entanto, já se deve indagar: seria a política de Donald Trump gestada para declarar uma guerra contra o planeta inteiro?
Até o momento, Trump já demonstrou, inclusive, estar seguindo a linha oposta: pressionou “Israel” a aceitar o cessar-fogo na Faixa de Gaza, já começou a se comunicar com Vladimir Putin no sentido de realizar negociações para acabar também com a guerra na Ucrânia. Ele já havia realizado movimentos parecidos durante seu primeiro mandato: o acordo para retirar as tropas do Afeganistão foi todo organizado por ele (embora Biden tenha procurado desmantelar isso e acabou sendo derrotado), além da retirada de tropas do norte da Síria em 2019, recebendo críticas de diversos órgão da imprensa burguesa internacional por isso.
No entanto, é preciso ver quais seriam os argumentos de Tiburi para sustentar sua ideia. Segundo ela, “Trump é a nova velha encarnação do mal estatal, do mal imperial, do mal patriarcal, do mal neoliberal, do mal racista, só (sic) mal xenófobo”. Ele seria tudo a que os identitários se opõem e mais temem.
Sua tese é de que o povo norte-americano teria votado em Donald Trump apenas para praticar o mal: “O voto que era pra ser um ato de inteligência, virou o mal banal ao alcance de todos. Trump conta com o mal banal de cada um – inclusive dos otários que votaram nele antes de serem expulsos dos EUA – como seus parceiros de legião, as bestas brancas e bilionárias que o ajudam na tarefa declarada de destruir o mundo que é o plano nazifascista há mais de 100 anos”.
Ao lamentar que o voto seria um “mal banal ao alcance de todos” ela mostra a oposição que a pequena-burguesia tem ao fato de que o povo possa ter uma participação política para escolher seus governantes, mesmo que seja através de simples eleições. Além disso, como se verá mais adiante, há uma grande confusão: ela acredita que Trump representaria o setor mais destrutivo do imperialismo, embora ela não expresse isso com tanta clareza. No entanto, para atacá-lo acaba fazendo uma defesa do verdadeiro setor mais poderoso do imperialismo, representado por Joe Biden e pelo Partido Democrata.
Tiburi continua suas críticas sem apresentar muito concretamente quais seriam as ações tão malignas assim de Donald Trump. Ela menciona as pessoas “expulsas” dos EUA, no entanto, essa é a política do governo norte-americano com relação aos imigrantes desde sempre.
Por um lado, os atrai para viver em seu país na ilegalidade e em condições sub-humanas, realizando um trabalho muitas vezes quase escravo, por outro mantém uma intensa pressão sobre eles, perseguindo muitos, expulsando-os do país, colocando-os na cadeia e outras medidas dignas de uma sociedade policialesca como a norte-americana. É preciso também ressaltar que os primeiros deportados deste começo de 2025 foram todos ordenados pelo governo anterior, ou seja, pelo governo Biden.
Mais à frente, Márcia Tiburi expressa um certo desespero com relação à situação: “Humanidade é um sonho do passado. Trump está declarando guerra ao mundo desde que começou seu desgoverno. Parece estar alucinado, em delírio, mas é apenas um fascista sabendo o que sabe fazer: implantar o caos e conduzir à destruição e morte de todos”.
As colocações aqui, além de abstratas e catastróficas, também mostram que ela, junto com todo um setor da esquerda, acaba entrando em um clima de pânico pela vitória de Trump. O clima é, obviamente, instigado pelo próprio imperialismo e seus meios de comunicação, que fizeram uma intensa propaganda de que esse seria o fim do mundo para forçar a esquerda toda a apoiar sua candidata, Kamala Harris.
Obviamente, essa chantagem toda afetou as ideias de muita gente. Considerando esse cenário todo, no entanto, é preciso se perguntar qual seria a proposta de Tiburi para combater tamanha vileza e representação de toda a maldade humana, o que ela apresenta logo a seguir:
“Vamos ver se os Estados são competentes. Se as instituições saberão contornar a situação. Se a parte democrática da população vai ter forças. As minorias na mira – imigrantes e população LGBTQIA+ – agradece. Não está fácil pra ninguém diante de Hitler redivivo, esse avatar tão grotesco e tão ridículo como o velho exemplo alemão. Trump precisa ser derrubado, assim como seus parceiros e assemelhados internacionais.
Para que ele nunca mais volte, temos que evoluir a um governo ecossocialfeminista. Há futuro somente com um governo feminista”.
Ou seja, depois de empregar uma retórica apocalíptica e histérica, a solução apresentada pela filósofa é contar com a capacidade das “instituições” de derrotar esse mal tão absoluto. Aí é que está justamente a confusão dela e de boa parte da esquerda: as tais “instituições” nas quais ela deposita a esperança do salvamento do planeta são muito piores, muito mais nocivas, muito mais belicosas e criminosas do que o próprio Donald Trump.
A burocracia do estado norte-americano, responsável por boa parte dos golpes e guerras ao redor do mundo, independentemente de quem governasse o país. Nada que vier dessas instituições pode ser bom, estes são os verdadeiros inimigos do povo.
Além disso, se Tiburi está realmente interessada na luta contra o fascismo, ela deve se mirar nos exemplos do passado e ver que quem realmente derrotou as ditaduras fascistas do passado (ressaltando que não é o caso do atual governo de Trump, embora não seja impossível que as coisas evoluam para isso, mesmo que não sob a liderança dele) foi a classe operária organizada. Todas as “instituições” da Alemanha apoiaram entusiasticamente Adolf Hitler, o mesmo ocorreu na Itália com Mussolini e havia um apoio ao fascismo da parte de toda a burguesia mundial.
Para concluir, a proposta do governo “ecossocialfeminista” dá um tom de humor meio macabro para toda a matéria de Tiburi. Não custa lembrar que, depois do genocídio em Gaza promovido pelos democratas, o identitarismo foi o principal fator que levou à sua derrota para Trump.
Tanto é assim que os principais propagandistas dessa política falida já o estão abandonando rapidamente: Disney afirmou que vai privilegiar a bilheteria e abandonar a agitação woke que fazia seus filmes falirem; o Pentágono já proibiu o ingresso de pessoas trans nas Forças Armadas norte-americanas; o Facebook retirou os absorventes de seus banheiros masculinos e até a Google deu demonstrações de que irá abandonar essa política. Tiburi sugere, portanto, se agarrar a uma política falida e derrotada para combater Trump, um fiasco total.
Donald Trump não deve, de forma alguma, ser tratado como aliado da classe operária. Essa política histérica da esquerda pequeno-burguesa, no entanto, além do caráter impopular, impede que se faça uma boa análise da situação, levando a formulações políticas absurdas e ao apoio aos Democratas e ao setor mais poderoso do imperialismo.
É preciso derrotar a extrema-direita politicamente, de nada adianta contar com a boa fé das instituições. A esquerda precisa demonstrar para a classe trabalhadora que defende seus interesses e que sua política é melhor para eles do que a dos trumpistas. É o momento de levantar a bandeira do socialismo, denunciar os crimes do imperialismo pelo mundo e mostrar que está em oposição completa a tudo que vem deles.