No artigo Solidarity with the Turkish people!, publicado pelo órgão do autoproclamado trotskista Worker’s Voice e assinado pela morenista Liga Internacional dos Trabalhadores – Quarta Internacional, se presta a analisar os últimos acontecimentos da Turquia, mas, longe de apresentar uma orientação revolucionária, prostitui o trotskismo.. O artigo já começa com a seguinte pérola:
“Há dias, a Turquia vive uma onda de protestos e mobilizações sem precedentes, que colocam o governo de Erdoğan e seu regime bonapartista em xeque.
São as manifestações mais significativas desde 2013 (grifo nosso), quando, ainda como primeiro-ministro, Erdoğan enfrentou a ocupação das ruas por um mês, em protesto contra a tentativa de destruir o Parque Gezi, em Taksim (Istambul), para construir um shopping center.”
É importante destacar a canalhice do parágrafo, que trata as manifestações atuais como “as mais significativas desde 2013”, uma malandragem muito grosseira dedicada simplesmente a escamotear da história nada menos do que uma tentativa fracassada de golpe de Estado, ocorrida em 2016 contra Erdogan. Na ocasião, os Estados Unidos tentaram derrubar o presidente turco, tendo inclusive um cidadão turco radicado nos EUA pronto para assumir a chefia do governo golpista, o que só não aconteceu graças à mobilização turca e também a rapidez do nacionalismo turco em reagir.
Essa canalhice do Workers’ Voice, porém, não é sem propósito. Eles fazem isso justamente para esconder o fato óbvio para qualquer analista sério de que a Turquia tem um governo que, com todas as suas peculiaridades típicas do movimento nacionalista de um país atrasado, está em oposição ao imperialismo.
Ao contrário do que tenta fazer parecer o órgão morenista ao sugerir que o imperialismo apoia Erdogan, o líder turco foi alvo de uma tentativa de golpe de Estado organizado para disciplinar o país asiático. Um fato irrefutável para comprovar que, apesar de tudo, existe um determinado nível de enfrentamento com o imperialismo, o que torna a tese do Worker’s Voice uma falsificação grotesca.
Longe de ser secundário, esse fenômeno é propositalmente escondido pelo órgão morenista, porque essa aqui é uma condição basilar para desmontar a tese de que os revolucionários devam formar uma frente única com o prefeito de Istambul Ekrem Imamoglu preso por Erdogan. Por que os morenistas tiveram esse trabalho? Para driblar ninguém menos do que Leon Trótski, o homem que acusaria o órgão de ser tudo, menos partidário do programa da revolução permanente. Eis o motivo dessa consideração:
“Os agentes dos Estados Unidos, Inglaterra, França (Lewis, Jouhaux, Lombardo Toledano, os estalinistas) tentam substituir a luta contra o imperialismo pela luta contra o fascismo. Nós temos observado os esforços criminosos feito por eles no recente congresso contra a guerra e o fascismo. Nos países da América Latina, os agentes dos imperialismos ‘democráticos’ são particularmente perigosos, porque são mais capazes de enganar as massas que os agentes declarados dos bandidos fascistas. Eu tomarei o exemplo mais simples e mais demonstrativo.
Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto, que amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Pergunto a você de que do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’. Por quê? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês. É preciso não ter nada na cabeça para reduzir os antagonismos mundiais e os conflitos militares à luta entre o fascismo e a democracia. É preciso saber distinguir os exploradores, os escravagistas e os ladrões por trás de qualquer máscara que eles utilizem!”
A lição de Trótski foi dada justamente para momentos como o que o movimento comunista atravessa na atualidade. Como se vê, os morenistas trataram de desdenhar uma orientação fundamental, o que longe de permitir a evolução da luta revolucionária, tem como consequência atirar os opositores de Trótski no colo dos piores inimigos do proletariado.
A disputa na Turquia reflete muito mais do que a luta entre distintos setores da burguesia do país atrasado, sendo antes uma luta impulsionada pelo imperialismo, que tenta aproveitar a crise na Síria para esmagar também os turcos. Eis, porém, como Workers’ Voice descreve a luta política:
“Após a prisão de İmamoğlu e outros funcionários municipais, Erdoğan intensificou a repressão, principalmente contra a juventude. Para evitar greves e abafar os protestos estudantis, estendeu o feriado do fim do Ramadã até quinta-feira, 3 de abril.
O regime bloqueou diversas contas e sites, interveio em instituições de ensino como universidades, expulsando e prendendo representantes eleitos. Suspendeu um canal de televisão opositor e expulsou o correspondente da BBC (grifo nosso).”
A desorientação é tamanha que os morenistas criticam o regime turco por expulsar um propagandista do imperialismo britânico do país no meio das “manifestações mais significativas desde 2013”. Nenhuma consideração sobre o que levaria um jornalista da rede britânica BBC a ser expulso, apenas uma crítica esquemática ao ocorrido. Não contentes com tamanha sabujice, Workers’ Voice continua:
“Mais uma vez, é necessário denunciar o cinismo e a nojenta hipocrisia da UE, que fala em paz e valores democráticos enquanto abandona o povo turco.”
Trata-se de um parágrafo que não apenas faz uma inversão completa das forças sociais em disputa na Turquia, como ainda se rebaixa a defender a intervenção do imperialismo contra o país. Para eles, o fato da União Europeia não agir contra o governo turco é prova de uma “hipocrisia nojenta”. “Hipocrisia nojenta”, porém, é o endosso dado pela organização às considerações cínicas do imperialismo, como se de fato, a UE fosse guardiã dos valores democráticos, uma farsa que atualmente, não encontra respaldo em nenhum setor fora a pequena burguesia esquerdista, que os morenistas representam, e que hoje constituem uma importante base social do imperialismo, que usa esse segmento da esquerda sobretudo para centralizar os opositores dentro da própria burguesia.
O proletariado, porém, longe de seguir orientações tão alopradas, deve acompanhar o caso da Turquia com a clareza de que o verdadeiro inimigo são os golpistas que, aproveitando-se da crise do nacionalismo turco, buscam reproduzir no país a mesma desgraça que levaram à Líbia, à Síria e um incontável número de nações atrasadas do planeta. O imperialismo está em uma contra-ofensiva e, longe de ser estimulado, como faz o Workers’ Voice, deve ser combatido.