A governança ambiental do Brasil está ameaçada – e Lula está do lado da indústria petrolífera

Políticos insultaram a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, no Senado esta semana, mas a nova legislação está alimentando o fogo

Por Jonathan Watts*, no The Guardian

O bullying político raramente é tão brutal quanto foi no Brasil esta semana, quando a ministra do Meio Ambiente, Marina Silva, foi emboscada em uma reunião do Senado.

Seus algozes brutais – todos políticos brancos do sexo masculino na comissão de infraestrutura – se revezaram para menosprezar publicamente a mulher negra de 67 anos, que fez mais do que ninguém para proteger as riquezas naturais do país – a floresta amazônica , o Pantanal, o Cerrado e outros biomas – de abusos vorazes.

Um a um, eles se alinharam para atacá-la por esses esforços de importância global. O decoro deu lugar a xingamentos e escárnios: “Conheça o seu lugar”, bradou o chefe da comissão, Marcos Rogério, bolsonarista que cortou o microfone de Marina enquanto ela tentava responder.

O líder do PSDB de centro-direita, Plínio Valério, disse que ela não merecia respeito como ministra.

O senador amazonense Omar Aziz – do Centrão e apoiador do presidente Lula – a interrompeu repetidamente.

Suas motivações pareciam ser em parte ideológicas, em parte misóginas e, em grande parte, egoístas.

Todos tentavam forçar a aprovação de projetos econômicos – estradas, campos de petróleo, represas ou plantações – que estão sob escrutínio do Ministério do Meio Ambiente de Silva.

Não importa que este seja o trabalho dela, pareciam dizer, como ela ousa não permitir que eles façam o que querem?

Mas ela ousou. Apesar do físico frágil, Silva é uma lutadora. Nascida na floresta amazônica, ajudou a fundar o Partido dos Trabalhadores ao lado de Lula durante a ditadura militar. Fez campanha contra o desmatamento ao lado de Chico Mendes, assassinado em 1988.

Em seu primeiro mandato como ministra do Meio Ambiente, entre 2003 e 2008, estabeleceu um sistema de monitoramento e penalidades que, segundo ela, reduziu o desmatamento em 80%.

Mais tarde, concorreu à presidência pelo Partido Verde, obtendo quase 20 milhões de votos – mais do que qualquer outro candidato verde na história mundial. Doze anos atrás, fundou seu próprio partido – a Rede Sustentabilidade.

Silva se recusou a tolerar ser abusada e silenciada e saiu da reunião do senado. Lá fora, quando finalmente teve a chance de falar, voltou-se contra seus algozes: “Meu lugar é o lugar de defender a democracia, meu lugar é o lugar de defender o meio ambiente, de combater a desigualdade, o desenvolvimento sustentável, de proteger a biodiversidade e as obras de infraestrutura necessárias para o país”, disse ela em tom desafiador. “O que é inaceitável é que alguém pense que, por ser mulher, negra e de origem humilde, vai dizer quem eu sou e ainda assim dizer que eu deveria ficar no meu lugar. Meu lugar é onde todas as mulheres deveriam estar.”

Esta versão do que aconteceu foi amplamente divulgada na mídia brasileira, mas conta apenas parte da história.

O que falta – e mais importante – é por que o grupo de senadores considerou Silva vulnerável.

Isso porque, nos dias anteriores, Lula havia se posicionado ao lado da indústria petrolífera em vez da floresta amazônica, e então – não por coincidência – o movimento ambientalista brasileiro sofreu uma das maiores derrotas legislativas de sua história.

No centro de tudo está uma longa disputa sobre a exploração de petróleo na Foz do Amazonas. A BP e a petrolífera francesa Total detinham a maioria desses direitos, mas se recusaram a aceitar o desafio político e ambiental de perfurar tão perto do maior centro de biodiversidade terrestre do mundo.

Em vez disso, a Petrobrás, estatal brasileira, se posicionou. Para Lula – e os senadores das regiões vizinhas – isso significava votos, empregos e receitas de exportação em potencial. O único obstáculo era o Ministério do Meio Ambiente, que atrasou a concessão da licença por anos devido aos riscos de um possível vazamento em uma área tão ecologicamente sensível.

Esse freio foi liberado no início desta semana, quando o chefe do órgão regulador ambiental, o Ibama, ignorou os alertas de 29 consultores especialistas e avançou para a próxima etapa do processo de aprovação de operações na Foz do Amazonas. Essa capitulação ocorreu após pressão do Congresso e do presidente.

Isso foi seguido pelo maior retrocesso legislativo para o meio ambiente em mais de 40 anos. Para deleite dos setores de mineração, construção e agropecuária, o Senado aprovou um projeto de lei há muito pendente que retira uma série de poderes de licenciamento ambiental do ministério de Silva.

Essa legislação – apelidada de “projeto de lei da devastação” pelos opositores – permite que empresas se autolicenciem ou evitem o licenciamento ambiental para construção de estradas, barragens e outros projetos. É uma transferência de controle dos representantes do povo para os executivos das grandes empresas.

Lula ainda pode vetar o projeto. Mas, até agora, a resposta do presidente tem sido morna. Seu partido tem pouca presença no Congresso, então ele depende de uma coalizão ampla e fragmentada, com muitos membros envolvidos no agronegócio ou na mineração.

A eleição presidencial do ano que vem parece pesar mais em sua mente do que a cúpula do clima Cop30, em novembro, em Belém.

Após os ataques a Marina Silva pela Comissão de Infraestrutura do Senado, Lula a defendeu publicamente. Ele disse que ela estava certa em se retirar diante de tantas provocações. Mas ele não assumiu sua responsabilidade por deixá-la exposta.

Tampouco assumiu as contradições de sua própria promessa de atingir o desmatamento zero até 2030 e seu apoio a projetos evidentemente incompatíveis, como a exploração de petróleo na costa da Amazônia, a modernização da BR-319, que abriria a floresta entre Manaus e Porto Velho para maiores atividades de desmatamento, e uma nova ferrovia de grãos, que aumentaria a pressão por mais plantações de soja.

Na Cúpula da Amazônia em Belém, há dois anos, ele se recusou a apoiar os apelos do presidente colombiano Gustavo Petro por uma floresta tropical livre de combustíveis fósseis.

Logo depois, na Cop28 em Dubai, seu governo chocou muitos de seus apoiadores ao anunciar que se juntaria ao cartel de petróleo Opep+. Lula pode argumentar que isso é pragmatismo, já que o Brasil depende das vendas de petróleo para uma parcela crescente de seu PIB.

A realpolitik dos combustíveis fósseis provavelmente ficará evidente na cúpula do Brics no Rio de Janeiro, em julho, onde o presidente brasileiro estará lado a lado com o presidente chinês Xi Jinping, o presidente russo Vladimir Putin, o indiano Narendra Modi e outros líderes mundiais.

Em 2008, Lula já havia jogado Marina Silva sob uma betoneira –  quando ela foi forçada a deixar seu governo em seu segundo mandato porque muitos ministros a viam como um empecilho para o desenvolvimento econômico.

Ele pode se sentir relutante em fazer isso novamente antes da Cop30, porque sabe que ela é vital para a credibilidade ambiental do Brasil aos olhos de grande parte do mundo, e não quer que seu país retorne ao status de pária que sofreu durante os anos Bolsonaro. Mas a situação está mudando e Lula parece inseguro sobre sua posição.

Sua base – a classe trabalhadora e os pobres – já sofre o impacto dos impactos climáticos. O sul do Brasil foi inundado por enchentes devastadoras. O norte da Amazônia foi atingido por secas e incêndios recordes .

A sociedade civil e os pensadores progressistas – quase todos geralmente apoiadores de Lula – têm sido muito mais ativos do que o presidente na oposição ao projeto de lei devastador e na defesa da ministra do Meio Ambiente nas redes sociais, onde muitas figuras públicas postaram mensagens de apoio com o slogan “Marina não está sozinha”.

Mas, como muitos outros líderes de centro-esquerda no mundo, Lula está enfrentando dificuldades na era Trump, de extremismo de direita, belicismo, realinhamento geopolítico e retrocesso corporativo em relação ao meio ambiente.

Como Marina Silva demonstrou, é preciso coragem para enfrentar essas forças. Lula frequentemente a apoiou nessa luta, mas será que ele ainda tem coragem e disposição para continuar?

*Jonathan Watts é editor global de meio ambiente do The Guardian. Twitter @jonathanwatts

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Last Update: 31/05/2025