A geopolítica está em chamas

Por Maria Luiza Falcão Silva e Gustavo Tapioca

Israel atacou o Irã. O mundo para. A tensão explode. Não foram só bombas. Subiu a temperatura — não a do termômetro, mas a da geopolítica. O planeta entrou em estado febril. E não é difícil entender por quê.

Vivemos um tempo em que tudo parece prestes a desabar. O ataque israelense reacende o barril de pólvora no Oriente Médio e escancara algo mais perigoso: as regras do jogo internacional estão sendo ignoradas ou destruídas. Quem tem poder age. Quem não tem, sofre as consequências. Essa história não começa no Irã. Começa e continua em Gaza.

Há meses, o mundo assiste, quase em silêncio, ao massacre da população palestina na Faixa de Gaza. Mais de 35 mil mortos, em sua maioria civis, milhares de crianças entre os escombros, hospitais bombardeados, campos de refugiados reduzidos a pó. A ofensiva de Netanyahu não é apenas uma “resposta” ao ataque do Hamas em outubro de 2023. É uma campanha militar com traços de punição coletiva e limpeza étnica. Uma guerra sem limites.

O mesmo governo israelense que devasta Gaza decide atacar diretamente o Irã. A justificativa é segurança, claro. Sempre é. O que se vê, no entanto, é uma política externa que transforma o caos em método. Netanyahu governa isolado, acuado por denúncias internas, sustentado por uma extrema-direita disposta a incendiar tudo para se manter no poder. E o mundo paga o preço.

Quem deveria conter a escalada se omite ou joga lenha na fogueira. Trump, por exemplo, sabia do ataque ao Irã. Ele não manda os mísseis, mas o recado é claro: façam, eu apoio. Diz-se contra guerras, mas vive atiçando. Deixa que os aliados provoquem, e depois finge neutralidade. Estratégia velha, discurso ensaiado. Mais uma “guerra por procuração”.

Israel age como se estivesse acima da lei. Investe contra Gaza com brutalidade, depois mira o Irã. Não pede permissão, não presta contas, não responde a tribunais. E ainda exige solidariedade irrestrita do Ocidente. Mas o que Israel sob Netanyahu representa hoje não é segurança — é instabilidade permanente.

O que se deve temer? Que esse padrão vire regra. Que a violência unilateral seja naturalizada. Que as instituições internacionais sejam ignoradas a ponto de se tornarem inúteis. A ONU, como sempre, assiste, mas não age. A Corte Internacional tenta se mover, mas é bloqueada politicamente. A diplomacia vira fumaça.

O impacto é global. O petróleo sobe, o custo de vida aumenta, a inflação pressiona, os mercados se agitam. Uma guerra no Oriente Médio não fica no Oriente Médio. Ela chega à bomba de combustível, ao supermercado, às contas públicas. A temperatura política sobe. A social também.

No fundo, o que está em jogo é mais do que dois conflitos isolados. É a lógica de um sistema internacional que ruiu. Entramos numa nova era, onde não há freios, nem consensos, nem mediações confiáveis. Um tempo em que os mais fortes agem sozinhos e os demais assistem sem saber qual será o próximo alvo.

Se Israel continuar a agir como potência impune, com o beneplácito de líderes como Trump, e se Gaza seguir sendo tratada como terra sem direitos, o mundo inteiro pagará a conta. Porque a paz não é só ausência de tiros. É respeito, equilíbrio e justiça. Sem isso, o que temos é um mundo armado, amedrontado e instável.

A temperatura subiu. Não por causa do sol ou do aquecimento global. É a geopolítica que está em chamas. Netanyahu, com sua política de fogo, ameaça acender o próximo grande incêndio: a Terceira Guerra Mundial.

Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA. 

Gustavo Tapioca é jornalista e MA pela Universidade de Wisconsin – Madison

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Last Update: 15/06/2025