À flor da pele, o conflito favorece Lula e o governo.

por Carlos Melo

A política é dinâmica e, temperamental, detesta os ansiosos, sempre dispostos à precipitação e ao erro. O sentimento de estar no controle da situação é péssimo conselheiro.

Há 15 dias, o presidente Lula e seu governo estavam nas cordas, sem perspectiva política, vivendo precocemente o marasmo de uma plausível derrota eleitoral; derretia na aridez da falta de propósitos e projetos. Não parecia capaz de olhar para o futuro e empunhar uma bandeira.

É claro que não se reinventou e nem vislumbra, de repente, um projeto para o país, sua principal fraqueza. Mas, duas semanas depois, se não se reinventa, pelo menos pode, agora, se agarrar a dois botes salva-vidas: a defesa dos pobres e da soberania nacional.

Deram-lhe esses presentes a soberba do Centrão e o desespero do bolsonarismo.

Buscando emparedar Lula, justamente no momento em que o próprio governo caminhava em direção ao muro, Hugo Motta, Davi Alcolumbre e Ciro Nogueira forneceram-lhe o que mais lhe faltava: um discurso político-eleitoral. Na parede, ficou o Congresso compreendido como insensível, corporativista e gastador, o qual, constrangido e na defensiva, tenta amenizar, agora, imagens e estabelecer nuances.

Ações de cunho populista para sinalizar que ele também, o Congresso, tem preocupação social, tendem a favorecer o próprio governo a quem queria esmagar. Ficou mais difícil conter a agenda lulista de aumento de gastos sociais — algo que, antes, parecia provável não houvesse tanto espalhafato. Mesmo a defesa de interesses e privilégios setoriais fica mais tímida, uma vez que foi exposta.

Também o bolsonarismo, tendo à sua disposição os contatos com a extrema-direita norte-americana, serviu a Lula a bandeja da defesa da soberania nacional e a perspectiva crítica em relação a Donald Trump, um personagem nada popular nos mais variados quadrantes do planeta. Aliás, um incômodo aliado que tem destruído as perspectivas eleitorais da direita em distintos países.

A política se move pelo conflito. Como disse o sociólogo Fernando Henrique Cardoso, em 1974, “o conflito é o nervo da política”. O adversários de Lula colocaram-lhe os nervos à flor da pele e propiciaram ao presidente a posição de ataque. Em tempos de eleição, a emoção é sempre um importante ativo. Lula, que parecia já tê-lo perdido, retoma pelo menos algum protagonismo em relação a seus adversários.

A política pune apressados e abre janelas de oportunidades para os que a compreendem ou pelo menos conseguem dar-lhe o devido tempo ao tempo. Às vezes, até por falta de ter algo melhor a fazer.

Carlos Melo – Cientista político, é professor sênior fellow do INSPER

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Last Update: 09/07/2025