A festa é da Anatel, mas a conta é nossa!

Por Lucas Martho Marcon

Aniversário costuma ser data de comemoração e reflexão. No da Anatel, a agência que deveria zelar pelo bom funcionamento das telecomunicações no Brasil, o presente veio do lado de cá do balcão: uma ação civil pública, proposta pelo Idec, para resguardar direitos dos consumidores e conter retrocessos no novo Regulamento Geral de Direitos do Consumidor (RGC).

A ação é uma reação a um processo regulatório que, em vez de remover barreiras e garantir acesso, autorizou o fechamento de postos presenciais, empurrou milhões de pessoas para labirintos digitais e atendimento automatizado, e criou planos “exclusivamente digitais” que parecem modernos, mas, na prática, funcionam como filtros de exclusão.

A Anatel parece ter esquecido que a internet é um serviço essencial. Sem ela, milhões de brasileiros ficam desconectados não só do lazer, mas do trabalho, da escola, dos serviços de saúde e até dos canais de reclamação. A própria Pesquisa de Conectividade e Uso da Internet da Anatel confirma que grande parte da população enfrenta limites rígidos de franquia de dados, sinal precário e baixa familiaridade digital.

Não é novidade que querem nos convencer de que o futuro é o atendimento digital “eficiente” – entre muitas aspas, porque a eficiência aqui é para cansar o consumidor. Ainda estou para conhecer alguém que goste de ser atendido por um robô quando a internet caiu, a linha foi clonada, a cobrança veio em dobro ou a portabilidade não funcionou.

A retórica é sedutora: “harmonizar”; “simplificar”; “modernizar”; “reduzir custos regulatórios”. Mas quando o atendimento humano desaparece, o consumidor enfrenta a tirania dos robôs, com loopings intermináveis de mensagens automáticas, menus que não entendem o problema, e chats que nunca transferem para um atendente real. A promessa de eficiência vira frustração cotidiana. É o trabalhador que perde o horário de almoço tentando resolver uma cobrança indevida; a idosa que não consegue falar com ninguém, porque sua cidade não tem mais loja; a comerciante que vê seu sustento parado porque o “plano 100% digital” não atende quando a internet cai.

Não se trata de vilanizar a tecnologia. Canais digitais podem ser úteis, desde que coexistam com opções humanas e acessíveis. O problema é quando o digital vira imposição, e o atendimento humano, exceção.

Enquanto isso, a Anatel transferiu normas essenciais, como tempo de espera, acesso a gravação, prazos e parâmetros de atendimento, para um manual técnico, sujeito a trocas de humor e de direção (como, aparentemente, também são parte das regras do próprio regulamento, anuladas em dezembro de 2024). O que antes era direito assegurado por norma, vira “parâmetro operacional”, sujeito a interpretação e descumprimento.

Exigir seus direitos virou teste de paciência, porque reclamar é caro, demorado e cansativo. Isso em um setor que é base da vida contemporânea e cujo funcionamento, por lei, deveria ser garantido de forma adequada, contínua e eficiente.

No aniversário da Anatel, a pergunta não é quem traz o presente, mas para quem é a festa. Se for para celebrar a precarização do atendimento, a insegurança jurídica e a imposição de barreiras de acesso à justiça, não há o que comemorar.

O presente que a sociedade civil traz à Justiça é um lembrete: o melhor presente de aniversário que a Anatel pode receber não é um lembrete com falsos elogios, é a chance de reafirmar seu papel como agência protetora dos direitos dos brasileiros.

Lucas Martho Marcon é advogado do programa de Telecomunicações e Direitos Digitais do Idec e mestrando em Direito Processual pela USP.

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