No último dia 4 de agosto, o canal no YouTube Ideias de Esquerda, do sítio Esquerda Diário, publicou uma entrevista com Milton D’León, dirigente da Liga dos Trabalhadores pelo Socialismo (LTS), organização alinhada ao grupo brasileiro dito trotskista MRT. Dito, porque, em oposição ao Programa de Transição de Leon Trótski, que propõe “uma atitude intransigente ao imperialismo [grifo nosso] e sua guerras”, o MRT traz colocações como abaixo:

“A discussão na esquerda é o tema da independência de classes frente esses dois campos políticos da burguesia, que são totalmente inimigos da classe operária, que muito longe dos interesses progressistas dos trabalhadores dos setores oprimidos, veem tentando aparentar essa autonomia relativa na política externa eh sabendo que tendo Essa aliança mais histórica chavismo agora decidiu que a melhor saída seria negociar justamente com esses setores reacionários da Extrema direita que você estava falando então tá longe de ter uma política de independência de classes o próprio Brasil se subordina nessa dependência pendular tanto aos Estados Unidos quanto ao bloco China e Rússia e é claro que daí não vai sair nenhuma política de independência de classes a esquerda.”

Ocorre que, para ser séria, a discussão sobre “independência de classes” teria de considerar a substância social do conflito em marcha na Venezuela, o oposto do que faz o MRT. A discussão feita revela uma compreensão superficial e perigosa da luta de classes, uma vez que reforça a campanha imperialista contra Maduro.

A crítica a Maduro e ao chavismo, rotulando-os como “campo político da burguesia”, é uma distorção grosseira da realidade, uma vez que é a própria burguesia quem tenta, nesse momento, derrubar o governo. Tal colocação deveria ser melhor esclarecida, mas, ainda que houvesse uma “burguesia” venezuelana apoiando Maduro, o argumento ignora, deliberadamente, o papel fundamental que o chavismo tem desempenhado na resistência ao imperialismo norte-americano no continente, sendo este a continuação da luta histórica iniciada no governo de Hugo Chávez.

Segundo Trótski, a resistência contra o imperialismo justifica até alianças temporárias com governos verdadeiramente representantes da burguesia de um país atrasado e fascista, como o governo de Getúlio Vargas no Brasil, citado pelo revolucionário russo como exemplo de que os monopólios são o inimigo fundamental dos trabalhadores. Em entrevista a Matteo Fossa, em 23 de setembro de 1938, o organizador da IV Internacional declarou:

“Existe atualmente no Brasil um regime semi-fascista que qualquer revolucionário só pode encarar com ódio. Suponhamos, entretanto que, amanhã, a Inglaterra entre em conflito militar com o Brasil. Eu pergunto a você de que do conflito estará a classe operária? Eu responderia: nesse caso eu estaria do lado do Brasil ‘fascista’ contra a Inglaterra ‘democrática’. Por que? Porque o conflito entre os dois países não será uma questão de democracia ou fascismo. Se a Inglaterra triunfasse ela colocaria um outro fascista no Rio de Janeiro e fortaleceria o controle sobre o Brasil. No caso contrário, se o Brasil triunfasse, isso daria um poderoso impulso à consciência nacional e democrática do país e levaria à derrubada da ditadura de Vargas. A derrota da Inglaterra, ao mesmo tempo, representaria um duro golpe para o imperialismo britânico e daria um grande impulso ao movimento revolucionário do proletariado inglês.”

A colocação de Trótski teria na própria América do Sul um exemplo de seu acerto 44 anos depois. Durante a Guerra das Malvinas, a esquerda argentina tomou a decisão de apoiar a ditadura argentina na campanha contra a Inglaterra pela retomada das Ilhas Malvinas, o que se revelou a tática acertada. Apesar de ser um regime opressor, a ditadura argentina não conseguiu sustentar a luta contra o imperialismo inglês e acabou caindo sob a pressão das massas populares.

Este episódio ilustra a importância de se apoiar qualquer resistência ao imperialismo, mesmo que isso signifique alianças temporárias com governos não ideais. Se mesmo uma ditadura sanguinária como a argentina deve ser apoiada quando em luta contra o imperialismo, porque o governo bolivariano haveria de ser atirado aos leões?

O entrevistado pelo canal do MRT, León cita concessões feitas pelo governo Maduro ao imperialismo, na forma de pagamentos da dívida externa e de permissão do imperialismo para explorar frações do petróleo venezuelano. Ora, se a posição revolucionária seria denunciar o chavismo como uma força reacionária que deve ser derrubada, que fazer com Lênin e os bolcheviques, que entregaram porções da Ucrânia ao imperialismo alemão?

A crítica apresentada no canal do MRT, para fazer sentido, deveria vir acompanhada de uma demonstração mais concreta do deslocamento do governo venezuelano à direita em relação às bases sociais que sustentam o regime, os trabalhadores. Do contrário, tal como fazem os esquerdistas, a concessão ideológica feita ao imperialismo cumpre um papel muito pior, por levar confusão às fileiras da classe trabalhadora venezuelana, que, por sua vez, expressa a oposição ao imperialismo por meio da revolução bolivariana.

A atual crítica a Maduro e a posição da esquerda que clama por uma “independência de classes” só contribui para o enfraquecimento da resistência venezuelana e da esquerda latino-americana contra os EUA. Além do mais, trata-se (para usar uma expressão do entrevistado) de uma “construção mental” a convocação de uma “independência de classes”, porque ela já foi criada. Um regime de oposição à ditadura mundial, como o atual, jamais sobreviveria sem um sólido apoio popular, tendo em vista que a lição clássica de Maquiável sobre a inexistência de um poder no vácuo.

No acirramento da luta das nações atrasadas pela sua libertação contra o jugo dos monopólios, a unidade dos povos oprimidos na luta contra o imperialismo deve ser a prioridade. Devemos lembrar as lições de Trótski e da história da esquerda argentina: a luta contra o imperialismo é a questão central, e qualquer resistência a esta força opressora merece nosso apoio crítico, mas incondicional. Nessa conjuntura, chamar a “independência” da força política realmente independente é uma tentativa de cooptar um setor da esquerda venezuelana para o imperialismo. 

É vital que a esquerda recupere uma perspectiva clara sobre quem é o verdadeiro inimigo. O imperialismo, com sua vasta rede de opressão econômica e militar, continua a ser a principal força que mantém os povos oprimidos em submissão. A luta contra ele deve ser central, e qualquer crítica que desvie o foco desta luta é, intencionalmente ou não, uma defesa velada do imperialismo.

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Última Atualização: 08/08/2024