Um perfil verificado no X identificado como Caio Barbosa, apresentando-se como “doutor em Ciência Política – USP”, “pesquisador visitante em Harvard” e também como pesquisador do bolsonarismo, publicou um texto na mesma rede social dedicado a atacar a Venezuela, valendo-se inclusive da defesa da covardia diante dos opressores, o que fica explícito no argumento: “a economia da Venezuela está quebrada por causa das sanções e dos embargos. Mas por que recebeu sanções e embargos? Porque o chavismo comprou uma briga que não podia vencer”, sentencia o acadêmico. É como o clássico cidadão que questiona uma vítima de estupro qual a vestimenta trajada, como se isso tivesse qualquer relevância.
Dizendo-se de esquerda, Barbosa faz o que popularmente se chama “passada de pano”, isto é, oculta deliberadamente a responsabilidade das nações desenvolvidas pela crise social venezuelana. O acadêmico nem de longe discute a natureza de um embargo econômico, isto é. uma medida genocida, destinada a atingir os civis de uma nação. Trata-se de uma punição coletiva, algo reconhecido como crime de guerra até mesmo para os reativíssimos padrões do imperialismo, normalizado apenas pelo estágio da crise histórica do capitalismo, responsável por afogar o mundo em uma barbárie completa.
A defesa que Barbosa faz do imperialismo revela o problema da pequena burguesia, que, mesmo dizendo-se esquerdista, tem como hábito seguir fielmente as coordenadas políticas dos monopólios nas questões centrais, quando a luta de classes aparece. “Eu não posso defender um governo que efetivamente piora a vida das pessoas. Por que eu defenderia? Só porque se diz de esquerda? Porque se diz socialista?”, questiona o acadêmico.
Não porque se diz socialista, afinal, o próprio autor se reivindica de “esquerda”, indica ter simpatias pelo “ideal socialista”, o que não quer dizer nada diante dos posicionamentos adotados na luta de classes.
Nesse sentido, a Venezuela e o bolivarianismo devem ser defendidos por expressarem a luta dos povos atrasados e oprimidos contra a burguesia imperialista, oriunda do setor mais poderoso das nações desenvolvidas e que submetem todo o planeta a uma ditadura, cada vez mais escancarada e brutal. Isso vale para a Venezuela “que se diz socialista”, vale para a Rússia, que é governada por um elemento direitista, vale para o regime nacionalista do Irã, e para todos que ocupam uma posição progressista não no mundo abstrato das ideias, mas na realidade da luta entre as massas oprimidas e os monopólios.
Necessariamente, em um primeiro momento, a luta será encarniçada e cruenta. O que a história demonstra, no entanto, é que é uma etapa, violenta e dolorida, como partos geralmente são, mas necessárias para o nascimento de uma sociedade mais avançada, livre da opressão das classes dominantes que esmagam as demais e reprimem o progresso.
O artigo segue destacando que “tem países que compram briga, estando certos ou errados, e continuam prosperando, apesar de sanções e embargos”, acrescentando em seguida quais seriam: “Rússia é um deles, até mesmo o Irã. Então, pensando puramente na lógica do confronto, esses governos podem se justificar. Mas esse não é o caso da Venezuela”, conclui o raciocínio, expressando um profundo desconhecimento histórico sobre como funciona a luta de classes no mundo real.
Ao decidir, em 1917, que não seria mais bucha de canhão do imperialismo (sobretudo francês) durante a Primeira Grande Guerra, a Rússia enfrentou dificuldades imensuravelmente maiores do que as encontradas hoje pela Venezuela, sendo invadida por mais de uma dezena de países, perdendo porções de seu território e com a economia se desorganizando a ponto de voltarem ao estágio do escambo. O Irã, na sequência da Revolução Iraniana (1979), com o país desorganizado e atacado por sanções relativizadas por Barbosa, foi invadido pelo Iraque, em uma guerra que durou uma década e matou pelo menos um milhão de pessoas.
As dificuldades, no entanto, foram superadas pela determinação em não aceitar a escravidão imposta pelo imperialismo e, hoje, os países evoluíram a ponto de serem usados como referência, pelo próprio autor inclusive, como forças capazes de sustentar um enfrentamento contra os EUA e a Europa, algo que jamais ocorreria se os dirigentes revolucionários russos e iranianos decidissem interromper a luta contra a opressão estrangeira.
“Mas”, continua Barbosa, “voltemos à questão das sanções e embargos. Mesmo que seja exclusivamente por isso”, mais uma vez, livrando o imperialismo do verdadeiro crime e continuando, “vale a pena se manter no poder? A política serve para melhorar a vida das pessoas; a esquerda luta para melhorar a vida das pessoas. Se a vida das pessoas piora, qual é o sentido do poder?
Eu sou de esquerda pois acredito nos valores e ideias para melhorar a vida das pessoas. Mas ideias estão acima das pessoas.
O que a Venezuela tem de socialista? Socializaram os meios de produção? Claro que não. É apenas mais uma ditadura latino-americana que presta um enorme desserviço para a esquerda e o ideal socialista. Por isso todo mundo que é de esquerda deveria rejeitar o regime venezuelano”, conclui.
O acadêmico, deixa claro, por fim, que não se orienta pela luta de classes real, mas por um moralismo confuso, desorientado a ponto de conseguir ignorar os crimes monstruosos do imperialismo e dedicar seu repúdio pelos efeitos diretos da política imperialista não a seus promotores, mas às suas vítimas. Para as massas trabalhadoras em todos os países atrasados, tanto vale a pena que regimes como Cuba, Nicarágua, China e tantos outros continuam se sustentando até hoje, graças ao apoio das massas, sem o qual, já teriam sido derrubados pelo imperialismo há muito tempo.
Sendo uma classe privilegiada, no entanto, a pequena burguesia tem uma dificuldade crônica em compreender a importância da revolução para as massas exploradas, optando pelo comodismo e os poucos confortos de um mundo à beira da explosão.