
O cansaço com fatos e figuras do golpe transformou a acareação de Braga Netto com Mauro Cid em subenredo quase desinteressante. Poucos devem se lembrar, entre os mais distanciados da política, do que eles discordam.
Talvez a maioria dos brasileiros nem tenha ficado sabendo, em momento algum, quais são essas discordâncias. Até porque o foco agora não são mais os militares e a relevância que possam ter tido como golpistas.
Cid, o delator, diz que Braga Netto o recebeu em casa em 12 novembro de 2022 para tramar detalhes do golpe com dois oficiais kids pretos, coronéis de elite das forças especiais do Exército.
E que depois recebeu do general um pacote com R$ 100 mil, para financiar a execução dos planos, que incluíam a eliminação de Lula, Alexandre de Moraes e Alckmin. Braga Netto nega tudo.
Os kids pretos daquela visita, os coronéis Hélio Ferreira Lima e Rafael Martins de Oliveira, presos e réus, também vão negar quando forem interrogados. Só os mais atentos ao roteiro e aos personagens do golpe ainda se interessam por esses detalhes.
Poucos ainda se lembram que Moraes não foi assassinado porque os kids pretos amarelaram. Braga Netto amarelou. Bolsonaro já estava amarelado quando se recolheu ao Alvorada, por não conseguir entubar a derrota para Lula.

Augusto Heleno só não ficou amarelo porque foi expurgado dos planos finais pelas facções golpistas. Todos os generais e seus ajudantes estão desde já condenados a não serem mais nada por muito tempo.
Porque não é mais com eles que a democracia deve se ocupar para seguir em frente. Braga Netto, Cid, os kids pretos, o general Mario Fernandes, que teria planejado os atentados, e os outros dos quais quase ninguém sabe os nomes já estão fora do catálogo da extrema-direita.
O que importa hoje é saber do poder real que sobrevive entre os civis. Começando pelo que resta da capacidade de interferência e inspiração de Bolsonaro. E de todos os ainda não alcançados pelo sistema de Justiça, principalmente os empresários grandes financiadores do golpe.
A capilaridade do fascismo será posta à prova na eleição do ano que vem. A velha direita, que se fortaleceu nas eleições municipais como se fosse a velha Arena em muitos Estados, tem hoje as feições da extrema-direita. As feições, as atitudes e a índole.
Sem a ascensão de Bolsonaro em 2018, essa velha direita seria hoje apenas mais velha e mais parecida com a Arena. Conservadora nos costumes, reacionária em questões políticas amplas e paroquiais, mas não tão disseminadora de ódio e violência. Nem tão promíscua com delinquentes com bíblias e bois, preconceituosa, discriminadora e destruidora do meio ambiente.
Os militares não irão se livrar da caricatura de velhinhos de pijama de flanela, mas os civis da direita se reciclaram, rejuvenesceram e foram tomados pelo espírito do bolsonarismo. Estão bem vivos. São eles os condutores da expansão do extremismo, sem depender do suporte dos fardados, a menos de um ano e meio da eleição de 2026.

O bolsonarismo pode dizer, a partir do enquadramento dos generais pelo Ministério Público e pelo Judiciário, que não depende mais deles, mas da capacidade de atrair e fidelizar a velha direita. Para que o controle do Congresso seja alargado, independentemente da eleição do presidente da República.
Um Braga Netto e um Mauro Cid valem hoje menos do que um Chalaça. A turma que os manipulava como figuras incorporadas à política já não quer saber deles e das suas versões desencontradas para detalhes de reuniões e dinheiros que não irão alterar seus destinos.
É com os civis que Bolsonaro conta para ser anistiado, ampliar a participação da direita no Congresso e passar a planejar sua ressurreição, mesmo que ressuscite pela metade. É dos civis que eles dependem não só para manter a extrema-direita viva, mas torná-la mais forte.
Os militares fracassaram, na hora do golpe, como suporte de força e imposição do bolsonarismo, e talvez nem tenham tanta presença nas estruturas que sustentarem um novo projeto de poder dessas mesmas facções. Não essa geração, não os que estão no entorno deles.
O bolsonarismo seguirá em frente à paisana, sem os generais e bem protegido pelo voto e pelas liberdades asseguradas pela democracia. O que seria do fascismo sem os democratas.