Colunista de Brasil 247 e assessor da liderança do Partido dos Trabalhadores no Senado, o sociólogo Marcelo Zero publicou um artigo no portal intitulado O Brasil não pode cair nas artimanhas dos alinhamentos em que, como indicado pelo título, defende a política adotada pelo Palácio do Planalto em relação ao conflito em marcha na Venezuela, onde os Estados Unidos buscam derrubar o regime bolivariano para submeter o país à opressão imperialista. “Nosso país não pode cair no que fez o governo Bolsonaro: nas artimanhas ideológicas dos alinhamentos automáticos”, diz Zero, acrescentando que “isso vale tanto para os EUA quanto para o governo de Maduro”, uma forma torta de enxergar a luta política travada no país vizinho lembra o clássico aforismo do rapper Mano Brown sobre a política tucana, que tendo de decidir entre dar um pão para uma criança famélica e uma bem nutrida, joga o alimento para cima e deixa que ambas disputem-no.
A soberania de um país é a base do seu funcionamento democrático e nenhum outro país, por mais poderoso ou influente que seja, tem o direito de questionar ou exigir a validação dos resultados eleitorais de uma nação independente. A crítica à Suprema Corte venezuelana e ao processo eleitoral do país é outra tentativa torpe de deslegitimar o governo bolivariano, colocando em dúvida a capacidade das instituições venezuelanas de conduzirem um processo eleitoral de maneira justa e transparente.
O argumento de que o Brasil “não tem condições objetivas de avaliar e avalizar” o processo eleitoral venezuelano não é apenas uma demonstração de arrogância diplomática, mas também uma perigosa aproximação das políticas intervencionistas que historicamente têm sido usadas pelas potências imperialistas para justificar intervenções e desestabilizações em países soberanos.
O Brasil, ou qualquer outro país, não possui o direito nem o dever de legitimar ou deslegitimar processos eleitorais que ocorrem em outras nações. Concretamente, esse ato de “avalizar” eleições de países independentes é uma armadilha que serve apenas para enfraquecer a soberania de países que não aceitam a submissão aos interesses imperialistas.
Tendo seu interesse atendido, os EUA jamais questionaram a sangrenta eleição equatoriana e tampouco o Brasil. Porque agora, com Maduro, a política é tão radicalmente diferente? A resposta já foi dada e não poderia ser mais óbvia: porque se no Equador o interesse imperialista foi beneficiado, na Venezuela, foi derrotado, o que no atual estágio da crise mundial, não pode ser tolerado.
Aqui, Zero tenta transformar as críticas legítimas do companheiro Maduro em um ataque gratuito. É necessário lembrar que as críticas ao sistema eleitoral brasileiro feitas por Maduro não são infundadas, sobretudo se considerarmos que, de fato, o sistema eleitoral brasileiro não é auditado, um ponto que tem sido amplamente debatido e que inclusive foi demagogicamente explorado por setores da extrema direita no Brasil.
Portanto, ao invés de acusar o governo Maduro de “gerar desgaste necessário”, a crítica do autor deveria ser direcionada à postura do governo brasileiro, que, ao condicionar o reconhecimento das eleições venezuelanas a um processo de validação externa ao país vizinho, auxilia a política intervencionista norte-americana, a única a se beneficiar das vacilações do governo brasileiro.
A política de neutralidade ou “em cima do muro” do governo brasileiro em relação à Venezuela é não apenas uma vergonha, mas uma capitulação perigosa, que abre caminho para que o Brasil também seja alvo das mesmas táticas de desestabilização no futuro.
Nos últimos 16 anos, a América Latina teve exemplos contundentes de que, quando uma nação se curva às pressões externas e não defende incondicionalmente a soberania de seus vizinhos em situações semelhantes, acaba por se tornar a próxima vítima dessas mesmas práticas. Portanto, a postura do governo brasileiro deve sim ser duramente criticada e reavaliada.