
Não se aproveita muita coisa das análises de Steven Levitsky sobre os ataques de Trump ao Brasil. O cientista que nos mostra como as democracias morrem, assassinadas pelo abuso de suas próprias virtudes, estava meio estranho nessa segunda-feira no Roda Viva.
Levitsky repetiu coisas óbvias sobre o Brasil. Que a democracia aqui é mais funcional do que a americana hoje. Que lá a Suprema Corte não sabe como enfrentar Trump e que aqui o Supremo não teme a extrema direita.
Que os americanos nunca lidaram com situações de totalitarismo como agora, e por isso se atrapalham, e que aqui nós temos experiências com ditaduras. Que os fascistas somente serão enfrentados com reações de toda a sociedade civil, e não só com a resistência dos partidos.
Mas disse essas platitudes e também formulou ideias estranhas sobre as agressões de Trump ao Brasil. Repetiu várias vezes que o neofascista age por impulso e que quase tudo o que faz é resultado de capricho pessoal, e não de uma estratégia pensada de dominação geopolítica de longo prazo.
Disse estar certo de que Trump defende de fato Bolsonaro, e não que usa o chefe do golpe como pretexto para atacar e fragilizar Lula, a economia e o Supremo e assim provocar danos econômicos e caos político.
Para o #RodaViva desta segunda-feira (18), o cientista político Steven Levitsky opina sobre a regulamentação das redes sociais no combate à disseminação de desinformação.
#SomosCultura#TVCultura #RodaViva #StevenLevitsky #RegulamentaçãoRedesSociais pic.twitter.com/yqeHvZpf5G— Roda Viva (@rodaviva) August 19, 2025
Se Trump age pensando em defender Bolsonaro e com o foco só no curto prazo, sem condições de planejar ações mais ambiciosas, não existiria um plano de asfixia do Brasil e, a partir daqui, da maioria da América Latina.
Levitsky está certo de que, mesmo que queira, Trump não conseguiria interferir nas eleições no Brasil. E, na mais espantosa das surpresas, afirmou que, se estivessem hoje no poder, Bolsonaro ou Michelle, citados nessa ordem, não entregariam áreas com minerais raros aos americanos.
Saindo daqui e indo para a Argentina, assegurou que a popularidade de Javier Milei se mantém alta porque ele obteve, como sua principal vitória, o controle da inflação.
Não disse que Milei desmontou políticas sociais de Estado, desestruturou a economia, massacrou a renda dos aposentados e aumentou a pobreza e assim estabilizou preços, porque não há consumo.
Levitsky falou do ‘controle’ da inflação fora do contexto de crise social, como se fosse um mané brasileiro que acredita no ‘enriquecimento’ dos argentinos com as políticas de Milei.

O americano pareceu preguiçoso e desleixado, como se falasse do jeito que dá para brasileiros que não compreendem direito a própria realidade e precisam do olhar esperto de quem chega de fora.
O cientista reproduz muito do que pensa uma maioria confusa sobre o tamanho dos danos do fascismo. Mas a entrevista não estava sendo vista pelos que não conseguem conectar a realidade à percepção da realidade.
Levitksy subestimou os que pararam para vê-lo. Nem Carluxo, nem Damares, nem Cleitinho e muito menos Eduardo Bolsonaro levam a sério o argumento de que Trump ataca o Brasil para defender Bolsonaro. Eles sabem que essa é a farsa.
Nem Magno Malta e muito menos Ciro Nogueira acreditam que Trump esteja enganado, quando sugere que deseja e que pode se apossar de terras raras do Brasil. E que para chegar às terras, é preciso contar com Bolsonaro ou com a turma dele e até com Michelle.
Nem Valdemar Costa Neto e tampouco Gilberto Kassab acreditam que, se Alexandre de Moraes recuar no julgamento de Bolsonaro, tudo estará resolvido. Ou que Trump sairá aplaudindo a democracia brasileira se os golpistas forem anistiados.
Para parecer simples e fácil, Levitsky foi simplório. Trump adora os Bolsonaros. Pensa só no hoje e no amanhã, sem perspectiva de poder americano para o futuro ou para quando estiver morto.
Mais essa: ninguém deve se preocupar, porque Trump não tem condições de influenciar e direcionar a eleição de 2026 no Brasil. E tudo o que ele faz seria explicado por impulsos e pulsões – a explicação mais à mão que serve para os desatinos de Trump, Hitler, Mussolini, Napoleão.

Nada disso deprecia a capacidade de Levitsky de resenhar os ataques à democracia e de compreender o que Trump significa para os americanos. Essas virtudes estão consagradas, e o professor de Harvard é um caso exemplar de pesquisador que consegue conversar com quem está fora do seu território acadêmico.
Mas o americano fracassa ao tropeçar em análises superficiais sobre a guerra de Trump com o Brasil e acaba denunciando que sabe pouco sobre nossa realidade hoje. Levitsky chutou muito no Roda Viva.
Se essa sumidade, que virou referência mundial, tem uma percepção enviesada de questões essenciais dos dramas que enfrentamos, o que esperar dos dois terços de entrevistados nas pesquisas do Datafolha?
Os brasileiros desses dois terços confessam ao Datafolha saber muito pouco, quase nada ou absolutamente nada de tudo o que colocam num saco sem fundo e chamam de tarifaço.
Mas devem saber que Bolsonaro e Michelle entregariam terras raras a Trump sem muitas conversas e sem muitos remorsos. Mesmo que Bolsonaro e Michele não saibam direito o que são terras raras.