Uma política que vem se tornando recorrente em setores da esquerda brasileira — inclusive entre companheiros do Partido dos Trabalhadores — é o chamado “combate ao fascismo” por meio da defesa da democracia burguesa. Trata-se, na prática, de uma linha que conduz a esquerda a um terreno extremamente perigoso: o fortalecimento do próprio Estado burguês que tantas vezes a perseguiu, reprimiu e golpeou.

Leon Trótski, que não enfrentou Bolsonaro nem Trump, mas sim Mussolini, Hitler e Franco, escreveu em 1936 uma lição que permanece atual. Em sua carta A democracia burguesa e a luta contra o fascismo, ele afirma que tanto o fascismo quanto a democracia liberal são instrumentos da classe capitalista. Quando a democracia entra em crise, a burguesia tende a restringir as liberdades democráticas, aprovando leis de exceção e instaurando regimes autoritários — o que Trótski chamou de “bonapartismo da degeneração”: uma ditadura que prepara o terreno para o fascismo propriamente dito.

“Essa autoliquidação da democracia na luta contra a direita e a esquerda traz à tona o perigo bonapartista”, afirma Trótski. “E precisa tanto da esquerda quanto da direita para continuar a existir, a fim de colocá-las uma contra a outra e se elevar progressivamente acima da sociedade e do parlamentarismo”.

Trótski foi taxativo ao criticar os socialistas que, em sua época, exigiam que o Estado burguês dissolvesse as milícias fascistas. Advertiu que fortalecer o Estado capitalista significaria armar aquele que, inevitavelmente, se voltaria contra os próprios trabalhadores e suas organizações:

“É por isso que o slogan pela dissolução e desarmamento das gangues fascistas pelo Estado (e o voto em medidas semelhantes) é reacionário de ponta a ponta (os social-democratas alemães gritam: ‘O Estado deve agir!’). Isso significaria fazer um chicote com a pele do proletariado, o qual os árbitros bonapartistas poderiam usar para acariciar com segurança as costas dos fascistas e arranhar suas próprias costas. Mas é nossa responsabilidade e dever inescapáveis apresentar a pele da classe trabalhadora, não entregá-la como chicote ao fascismo.”

No Brasil atual, vemos setores da esquerda clamando pelo Supremo Tribunal Federal, por Alexandre de Moraes, pela cassação de mandatos e pela prisão de bolsonaristas. Quando se levanta uma crítica a essa postura, a resposta padrão é sempre a mesma: “ora, diante do perigo do fascismo, devemos defender nossa gloriosa democracia”.

Mas esta mesma “democracia” foi a que golpeou Dilma Rousseff, destruiu a indústria nacional, privatizou as riquezas do país, prendeu Lula sem provas e o impediu de disputar as eleições de 2018. Agora, os mesmos setores que ontem agiram contra a esquerda se apresentam como seus defensores e paladinos da democracia.

O mais grave, porém, é que a repressão que começou contra a extrema direita já se volta contra setores da esquerda. O jornalista Breno Altman, militante próximo ao PT, está sendo censurado e investigado por suas posições políticas. O jovem Lucas Passos encontra-se preso há mais de 400 dias sem qualquer prova concreta — acusado apenas por ter viajado ao Líbano e, supostamente, por ter relações com o “grupo terrorista” Hesbolá, um partido político libanês legalmente reconhecido, em uma perseguição com motivações nitidamente políticas e sionistas.

O Partido da Causa Operária (PCO), que tem se destacado na denúncia do genocídio promovido por “Israel” contra o povo palestino — verdadeira encarnação do nazismo contemporâneo — é hoje alvo de um processo de cassação movido pela Confederação Israelita do Brasil (Conib), que acusa o partido de terrorismo apenas por exercer seu direito à crítica e à organização política.

Em outras palavras, a política do “combate ao fascismo”, da forma como está sendo conduzida, não está apenas atingindo os bolsonaristas: está sendo utilizada para censurar, perseguir e reprimir setores da própria esquerda que ousam enfrentar o imperialismo.

Trótski já nos advertia:

“À medida que a luta de classes se intensifica, todas as leis de emergência, poderes extraordinários etc. serão usados contra o proletariado.”

As liberdades democráticas — o direito de manifestação, de greve, de organização política e de expressão — são conquistas fundamentais da classe trabalhadora em sua luta contra a burguesia. A esquerda deveria defendê-las de forma intransigente. Contudo, setores importantes da esquerda brasileira estão abrindo caminho para que o Estado burguês consolide um regime cada vez mais repressivo — um regime que, como Trótski previu, utilizará seus mecanismos dez vezes mais contra a esquerda do que contra a extrema direita.

É urgente que os trabalhadores e os setores de esquerda mudem sua política antes que seja tarde. Fortalecer o Estado burguês, ainda que sob o pretexto de combater o fascismo, é entregar de bandeja o chicote que amanhã será usado para açoitar cada sindicato, cada militante e cada movimento popular que ousar desafiar a ordem imperialista.

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Last Update: 10/05/2025