As análises sobre o golpe de Estado na Síria são perfeitas para demonstrar a falência da esquerda pequeno burguesa internacional. Uma quantidade enorme de grupos não consegue se colocar contra o imperialismo na Síria. Esse é o caso de Alex Callinicos que publicou no portal Socialist Worker o texto “O que está por trás da queda de Assad?”. Em sua tese o golpe de Estado organizado pela CIA e pelo Mossad seria algo positivo para a mobilização das massas na Síria.

O artigo começa: “no caso da Síria, a relação entre geopolítica e a situação interna é bastante complexa. Como afirma uma declaração da Tendência Socialista Internacional, a queda de Assad foi resultado de ‘fatores internos e externos interligados’. Internamente, o regime estava tão corroído pela repressão e corrupção que bastou um empurrão do movimento islâmico Haiat Tahrir al-Sham (HTS) para destruí-lo”.

E segue: “‘é um estado colapsado. Ruínas, ruínas, ruínas’, disse Mohammed Ghazal, o novo governador do HTS em Damasco, à Reuters na semana passada. Em vez de ser derrubado pela Revolução de 2011, Assad e seus comparsas estavam dispostos a destruir a Síria. O tamanho da economia foi reduzido pela metade na década de 2011”.

Aqui fica claro como essa relação entre política interna e externa é totalmente incompreendida por Callinicos. Ele cita um membro da oposição financiado pelos EUA que tomou o poder para afirmar que Assad estava disposto a destruir a Síria. Mas foi Assad quem destruiu a Síria? Essa é uma afirmação totalmente absurda. Quem levou a guerra para o país foram os EUA, quem tomou controle da zona mais rica em petróleo do país e impediu que essa riqueza chegasse ao governo foram os EUA, que aplicou sanções monstruosas contra a Síria foram os EUA. Por que a culpa pela destruição da Síria recai sobre Assad? Porque esse texto assume o argumento golpista, “todos os problemas da Síria são culpa do ditador Assad”. É a mesma opinião que a do governo Joe Biden.

Mas o artigo fica ainda pior, além de não compreender a conjuntura da Síria não entende nada sobre a Rússia e “Israel”. Ele afirma: “Assad sempre se apoiou na geopolítica para se manter no poder. Ele venceu a guerra civil graças ao apoio militar da Rússia, Irã e Hesbolá, o movimento islâmico xiita libanês. Mas agora a geopolítica virou contra ele. A Rússia está preocupada com a guerra na Ucrânia. Quando ele foi a Moscou pedir ajuda, Vladimir Putin o rejeitou”. A realidade é o exato oposto, Assad negou todo tipo de apoio dos russos e por isso seu governo ficou mais fraco. Prova maior disso é que ao ser derrubado ele voou sobre toda a proteção russa para Moscou. E isso também aconteceu com o Irã, Assad evitou ao máximo pedir auxílio desses países e isso enfraqueceu ainda mais o seu regime.

E então ele afirma: “aqui, o papel dos EUA e de ‘Israel’ se torna importante. É provável que eles tivessem preferido manter um Assad enfraquecido no poder. Isso manteria um elemento de previsibilidade em meio à turbulência regional”. Essa tese é ainda mais absurda. O governo dos EUA, que tenta derrubar Assad desde 2005, que realizou uma das intervenções mais violentas do século na Síria a partir de 2011, na verdade não gostaria de derrubar Assad.

Este ponto é o subterfúgio de todos os esquerdistas que apoiam os golpes do imperialismo. Eles apoiam o golpe, mas afirmam que não estão em uma frente com os EUA e assim tentam criar um argumento para provar isso. Nesse caso os EUA supostamente não gostariam de derrubar Assad, mesmo que todos saibam que a CIA organizou o golpe desde o princípio.

E já que em sua tese não foram os EUA que derrubaram Assad agora “os EUA e ‘Israel’ agora estão tentando explorar a derrubada de Assad. Benjamin Netaniahu rapidamente ordenou ao exército israelense que consolidasse o controle das Colinas de Golã, tomasse novos territórios sírios e destruísse a infraestrutura militar do regime de Assad. Enquanto isso, o secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, está realizando conversações para avançar os planos dos EUA de ‘reordenar’ o Oriente Médio”.

Aqui fica ainda mais escancarado com a tese é ridícula. Supostamente nem “Israel” e nem os EUA participaram da queda de Assad. Mas quando ele caiu ambos os países começaram a avançar politicamente sobre a Síria. A queda de Assad está abrindo margem para a única vitória de “Israel” desde outubro de 2023, mas ainda assim ela seria algo progressista. O governo que assumiu claramente não tem a mínima intenção de lutar contra o sionismo, o maior inimigo de todos os árabes. Mesmo com todos esses elementos escancarados Callinicos ainda considera a vitória do HTS progressista.

Mais uma vez o autor tenta esconder a suas contradições: “em meio a todos esses predadores, há um espaço para as massas sírias se afirmarem. O HTS, que se originou no Estado Islâmico e na Al-Qaeda, está tentando se projetar como uma força nacional. Mas tem uma base social fraca e terá dificuldades para alcançar um equilíbrio com todas as outras forças políticas”. O comentário rápido não explica porque a “revolução síria” foi dirigida por movimentos ultra reacionários financiados pelos EUA.

Depois mais um comentário que expõe o pró-imperialismo do autor: “os movimentos curdos que controlam grande parte do norte da Síria são jogadores importantes. O presidente turco, Recep Tayyip Erdogan, tentará usar sua maior influência para esmagá-los”. Ele comenta os “movimentos curdos” sem destacar que o nordeste da Síria é ocupado militarmente pelos norte-americanos e esses curdos são a principal base de ocupação dos EUA desse território da Síria. Mais uma vez, o imperialismo desaparece na análise. Os inimigos são os russos, os iranianos e os turcos mas nunca os EUA.

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Last Update: 26/12/2024