O articulista Bruno Silva publicou no sítio A Terra é redonda uma análise a respeito da questão das eleições francesas, a qual vem levantando muitas ilusões na esquerda nacional. O acontecimento fundamental foi a vitória da Nova Frente Popular, a qual inclui o partido de esquerda, França Insubmissa, e partidos ligados diretamente ao imperialismo francês, o Partido Socialista e o Partido Verde.
O ocorrido na França está sendo propagado como uma importante vitória sobre a extrema-direita, conquistada porque esses setores deixaram suas diferenças de lado e aceitaram ingressar na Frente Popular, conforme descrito pelo autor no seguinte trecho: “Esse resultado inesperado foi o fruto de um impressionante esforço de coordenação e mobilização eleitoral, pelo qual as candidaturas de esquerda ou de centro com menos chances de ganhar renunciaram em sua maioria às disputas distritais, para que aquelas com mais chances pudessem bloquear a eleição de representantes da Reunião Nacional”.
A concepção ingênua de Silva o confunde. O ocorrido na França não foi nenhum “esforço de coordenação” entre esquerda e centro. A realidade é que, como vem ocorrendo há décadas na França, o imperialismo utilizou o espantalho da extrema-direita para subjugar a esquerda e forçá-los a apoiar a sua política neoliberal e impopular. A evidência disso é o fato de que Partidos ligados ao imperialismo francês, como o Partido Socialista e o Partido Verde, estavam dentro da coalizão da esquerda, colocando a política da esquerda a reboque do imperialismo. Além disso, houve um acordo para que a Nova Frente Popular abdicasse de suas candidaturas em todos os locais em que o partido do próprio Emmanuel Macron estivesse ganhando, sem que o partido de Macron fizesse o mesmo em troca.
O autor também afirma que toda a eleição foi marcada por uma forte “mobilização eleitoral”, dizendo que houve cerca de 66% e 67% de participação dos eleitores nos dois turnos. O que seriam “as maiores registradas para pleitos legislativos nas últimas quatro décadas”. Isso apenas indica que o povo francês foi vítima de uma espécie de golpe dado pelo imperialismo. Também indica que o aparato de comunicação do imperialismo possui uma grande capacidade de manipulação, mesmo em meio à crise em que se encontra. É evidente que um dos aspectos mais importantes para dar veracidade a essa manobra foi justamente a participação da esquerda, que serviu para iludir certos setores da população.
O maior problema é que a legislatura da França, embora fragmentada, estará a reboque da política neoliberal. Trata-se da política extremamente impopular, que fez com que a extrema-direita tivesse um crescimento recorde no país. Nesse sentido, Marine Le Pen, liderança do RN e da extrema-direita francesa, já deixou claro que essa “derrota” é apenas uma situação temporária e um prelúdio para a vitória da extrema-direita no período próximo. É fácil verificar a veracidade dessa “previsão”, tendo em vista que a direita tradicional já está completamente desmoralizada e a esquerda irá terminar de se desmoralizar ao se associar com eles nesse último período.
O autor demonstra sua incompreensão acerca da política da burguesia francesa no trecho a seguir: “Nesse sentido, salta à vista a linha editorial que tem prevalecido nos meios de comunicação hegemônicos, dentro e fora da França, que procura assinalar como principal obstáculo para a formação de um futuro gabinete “republicano” a LFI e seu líder Mélenchon, estigmatizados como “extremistas”, não raro tratados como quase equivalentes ou mesmo equivalentes à extrema direita da Reunião Nacional e de Marine Le Pen”. A realidade é que os jornais burgueses não têm a diretriz que o autor acredita. A burguesia francesa, conforme dito pelo jornal Le Figaro em editorial anterior ao fim das eleições, considera que o programa da extrema-direita, embora “inquietante”, não é tão ruim quanto o da esquerda, com seu antissemitismo, ódio de classes, “islamo-esquerdismo” e outras coisas. Ao fim e ao cabo, eles têm mais disposição de se aliar à extrema-direita do que à esquerda.
O autor apresenta uma grande ilusão na disposição da direita tradicional (que ele chama de “centro”) na contenção da extrema-direita. Ainda que, nesse momento, exista uma tentativa de impedir os fascistas (declarados ou não) de tomarem conta do regime político dos diversos países ao redor do mundo, o motivo para isso não é a disposição da direita em ser “democrática”. É apenas um problema de circunstância. Em um momento diferente, a direita poderá se unir (como se une no apoio a “Israel”, por exemplo) para esmagar a esquerda e a classe operária.
A conclusão de Silva demonstra que ele não compreende que o imperialismo e seus partidos são os inimigos fundamentais da esquerda em todos os países:
“Eis aí a grande lição das últimas eleições francesas, que seria muito útil aprender em terras brasileiras: não haverá como derrotar a extrema direita sem aceitar as forças de esquerda e suas plataformas programáticas como interlocutores, tanto na arena política, como no debate público. Temos uma longa tradição da qual nos orgulhar em defesa das maiorias sociais, sem a qual a democracia faz pouco ou nenhum sentido.
Nossos interlocutores liberais, que não precisam concordar conosco, poderiam ao menos, se possuem genuíno interesse em bloquear os herdeiros de Vichy ou da ‘operação Condor’, nos ouvir e se engajar a sério em um debate franco sobre a complexidade dos problemas agudos da contemporaneidade.”
Para a direita tradicional, a esquerda não é a solução para nada. A realidade é que eles estão instrumentalizando a esquerda para derrotar um inimigo político que é mais poderoso no momento. A esquerda e a classe operária precisam agir com autonomia e independência de classe, sem se submeter a esses setores inimigos da população mundial. A solução é investir na luta da classe operária e não nos falsos aliados da direita.