O artigo O que fazer com Bolsonaro, assinado por Moisés Mendes, e publicado neste domingo (22) no Brasil 247, confirma, se alguém ainda duvidava, que há setores da esquerda que se confundem a direita, não apenas no palavreado, nos trejeitos, mas também na mania de querer colocar todo mundo na cadeia.
Para a direita, e para muitos setores da esquerda, a política é coisa de polícia, é por isso que muitos se empenham tanto e até acreditam, no fajuto “combate à corrupção”.
Na Argentina, neste momento, Cristina Kirchner está sendo perseguida pela justiça, foi condenada a seis anos de prisão domiciliar e perda perpétua de seus direitos políticos. Trata-se de um golpe, é evidente, e no país vizinho há uma enorme mobilização popular em apoio à ex-presidenta [grifo nosso].
Enquanto isso, Moisés Mendes faz conjecturas em seu texto, e pergunta: “O que é menos arriscado, sob o ponto de vista do sistema de Justiça e dos humores da política? 1. Condenar Bolsonaro e prendê-lo logo, mas com o risco de ter que soltá-lo mais adiante, e talvez no ano da eleição? 2. Condená-lo e deixá-lo já em prisão domiciliar, para não ter que fazer a concessão de libertá-lo depois, sob a alegação de que tem problemas de saúde?”.
A questão da prisão domiciliar não é apenas acaso. Assim como com Kirchner, a prisão de Bolsonaro é um golpe. O Supremo Tribunal Federal está agindo para tirar das próximas eleições o candidato que, tirando Lula, é o único que tem votos.
O golpe que a burguesia está tentando emplacar não consiste em tirar Bolsonaro e deixar o caminho livre para Lula; o plano, isso sim, é também enfraquecer o atual presidente para que sua candidatura fique inviável. Com essa manobra, será possível eleger um candidato de “terceira via”, um fantoche que aprofunde as políticas neoliberais no País.
Confiar no STF?
Impressiona a naturalidade com a qual o jornalista trata do tema: “a primeira hipótese, tanto para Ministério Público e Judiciário, e principalmente para Alexandre de Moraes, parece ser a mais óbvia e, pelos possíveis efeitos, também a mais alarmista”.
Mendes fala como se tivesse algum controle sobre o MP ou sobre o STF, duas instituições golpistas. O Ministério Público, tendo à frente um lavajatista, Paulo Gonet; e no Supremo, não custa repetir, ministros que votaram ilegalmente contra o habeas corpus que evitaria a prisão de Lula.
A esquerda sempre denunciou o sistema carcerário e, além disso, não deveria agir com escárnio, como se vê no trecho que diz: “prender Bolsonaro, sem a concessão imediata de uma clemência parcial, significa oferecer o que já é esperado: condenação e cadeia. Mas se sabe que muitos torcerão para que ele morra preso” [grifo nosso].
Mantendo seu tom sarcástico, Mendes diz que “pelo histórico, pelos últimos acontecimentos e porque sua situação pode se agravar no cárcere, Bolsonaro apresenta-se como o projeto de mártir que a extrema direita deseja. O próprio já expressou que se vê morrendo preso, como se estivesse escolhendo o melhor final para a sua história”.
Considerando o que houve com Lula, que foi preso e saiu para a presidência; com Donald Trump, que aumentou sua popularidade; com Cristina Kirchner, que teve a casa cercada por milhares de apoiadores, é muito provável que Bolsonaro seja visto como mártir, como alguém que enfrenta o sistema.
A tentativa de encarcerar Bolsonaro a qualquer custo, pode, na verdade, aumentar sua popularidade. Isso que essa esquerda não entendeu. O mais importante, porém, é que sua prisão não vai acabar com o bolsonarismo.
Outro aspecto dessa questão é que setores da esquerda, se sentindo incapazes de enfrentar o bolsonarismo politicamente, delega essa função às instituições do Estado. O Estado, porém, apesar de estar sendo governado por Lula, não está sob seu controle.
Suas instituições seguem agindo praticamente de maneira autônoma. A Polícia Federal, por exemplo, decidiu proibir, ou dificultar, a entrada de palestinos no Brasil, dando mesmo a impressão de que está sob comando da CIA e do Mossad.
Seguindo seu jargão policialesco, Mendes escreve que “Eduardo [Bolsonaro] também já levantou a hipótese de que o pai pode estar perto da morte. E que a guerra por seu espólio será a mesma que envolve traficantes desorientados pela perda do chefão da boca”.
Como se vê, o jornalista tem a esperança de que uma eventual morte de Jair Bolsonaro venha a desorganizar o bolsonarismo. Não percebe que se trata de um fenômeno social. E, o que é pior, na ausência de uma política propositiva que conquiste a massa trabalhadora, torce para que seus opositores se deem mal.
Distorcendo os fatos
Segundo Mendes, “a segunda hipótese, a que deixa Bolsonaro em casa, empurrará o Supremo para a confusão de uma comparação inevitável. O lavajatismo condenou Lula e o deixou 580 dias encarcerado, sob o olhar complacente do Supremo” [grifo nosso].
O Supremo não agiu com complacência sobre a prisão de Lula, agiu deliberadamente contra a Constituição para que fosse preso. Essa foi a segunda fase do golpe iniciado em 2016. Isso que o jornalista apresenta engana o leitor, distorce os fatos em favor daqueles ajudaram a eleger Jair Bolsonaro, e que hoje essa mesma esquerda tenta vender como antigolpistas.
Finalizando seu texto, Mendes escreve que “Lula foi preso com 72 anos e saiu da cadeia com 74. Bolsonaro tem hoje 70 anos. Lula deixou a prisão, reagrupou as esquerdas e parte do centro e se elegeu presidente pela terceira vez. Pelas previsões de Eduardo, o pai solto talvez não consiga reagrupar nem a família”.
O reagrupamento que Lula promoveu foi pífio, uma vez que se negou a buscar apoio na classe trabalhadora para então poder governar. Essa atitude tem agora seus desdobramentos e consequências: trata-se de um governo fraco e refém dos bancos e de um Congresso hostil.
De que adianta imaginar que Bolsonaro não teria o poder de reagrupar a própria família quando a esquerda não tem propostas e leva adiante uma política que esfola o trabalhador?
Enquanto perdurar o apoio dessa esquerda às instituições burguesas, como STF; enquanto se apoiar a censura e a criminalização de tudo, a extrema direita continuará crescendo.
O papel da esquerda é o de dar o combate político e trazer para si a classe trabalhadora, em vez de ficar agindo como carcereira, um papel para lá de indigno.