O artigo O Irã é aqui, o Irã não é aqui, assinado por André Marsiglia, e publicado no sítio Poder 360 nesta terça-feira (24). Carrega um título equivocado, ainda que se deva concordar com muito do que se diz ali.
Logo abaixo de uma fotografia da bandeira iraniana se lê o seguinte: “Uma ditadura como a do Irã não começou com tanques nas ruas, mas com um Estado cada vez mais atento ao individualismo e subjetivismo dos líderes, cada vez mais desprovido de valores coletivos, comuns e democráticos, como no Brasil”.
O governo iraniano, na verdade, começou com uma revolução que derrubou um ditador sanguinário, o xá Reza Pahlavi; que, por atender aos interesses do grande capital, nunca é chamado de ditador. É o mesmo princípio que a grande imprensa utiliza quando trata do governo saudita. Nunca os chama de ditadores, absolutistas, mas de príncipes, reis etc.
A instauração do regime iraniano também não tem nada de individualismos e subjetivismos, é a luta de um país contra o assédio de potências estrangeiras que drenavam todas as riquezas do país, enquanto a população empobrecia cada vez mais.
Essas potências estrangeiras, ditas democráticas, inconformadas por não poderem assaltar o Irã como no período do xá, impuseram sanções terríveis, criminosas. Essas sanções, como vemos contra Cuba, Venezuela, dentre outros, são medidas criminosas que penalizam a população e levam fome, doenças e morte. Todos devem se lembrar que durante a pandemia de Covid, o imperialismo proibiu a entrada de seringas descartáveis em Cuba.
Tratar o Irã como ditadura enquanto na Europa “civilizada” a polícia espanca sem dó manifestantes pacíficos que querem o fim do genocídio em Gaza, mostra o mundo no qual vivemos.
Os países “civilizados” mandam dinheiro, armas, dão apoio logístico e de inteligência para o governo sionista massacrar mulheres e crianças na estreita Faixa de Gaza. Onde outra “democracia” bombardeia pessoas nas filas de pessoas morrendo de fome e aguardando por ajuda.
O Irã está apoiando a Palestina, ajudou a organizar a resistência, enquanto as democracias sujam as mãos de sangue.
Se o Irã é uma ditadura, o que dizer daqueles que prenderam Julian Assange e encarceram pessoas por postagens nas redes sociais?
Liberdade de expressão
Em seu primeiro parágrafo, André Marsiglia diz que “Em um intervalo de poucas semanas, tivemos no Brasil a condenação de um humorista por piadas, a de jornalistas por excesso de ironia – em ação movida pelo ministro Gilmar Mendes –, a abertura de processo contra o presidente da JAC Motors, Sérgio Habib, por questionar uma política pública de isenção a deficientes e a tentativa da AGU (Advocacia Geral da União) de censurar um documentário da Brasil Paralelo que questionava a história de Maria da Penha”.
É importante lembrar que o artigo 5º, inciso IV, da Carta Constitucional dispõe: “É livre a manifestação do pensamento, sendo vedado o anonimato”.
Trata-se norma constitucional, parte das chamadas liberdades públicas, integrante do núcleo intangível da Constituição. Por ser direito de cunho constitucional, apenas outra norma constitucional poderia limitar esse direito.
Toda regra, por definição, existe ou não existe; vale ou não vale. Sendo assim, a limitação da livre manifestação do pensamento, como vem fazendo por conta própria o Supremo Tribunal Federal, é, na prática, a invalidação, a extinção desse direito constitucional.
Acertadamente, Marsiglia diz que aquelas condenações “são sintomas de um fenômeno grave e crescente: o colapso da liberdade de expressão em seus terrenos historicamente mais seguros – a crítica, a ficção, o questionamento”.
No parágrafo seguinte completa dizendo que “Durante décadas, esses 3 territórios representaram o que havia de mais sólido em matéria de proteção constitucional à liberdade de expressão. A ficção sempre pôde transgredir. O humor, por mais ácido, era acolhido. Até os reis admitiam a troça de seus bobos da corte. O questionamento, mesmo das leis ou de políticas públicas, era um direito inerente à democracia. Hoje, tudo isso está sob ameaça. O humor virou risco jurídico. A crítica virou ‘discurso de ódio’. A dúvida virou afronta”.
É preciso destacar que a esquerda pequeno-burguesa, infiltrada pelo identitarismo, vem encabeçando, ao lado do STF, a luta contra a liberdade de expressão. O que se configura como uma inversão completa de seu papel histórico, que sempre defendeu as liberdades democráticas.
Identitarismo
Nos parágrafos seguintes, Marsiglia trata de criticar o identitarismo, e como a “subjetividade das pessoas é mais relevante do que a objetividade coletiva”. E que “valores humanos como a liberdade devem se curvar à sensibilidade de cada um”.
O identitarismo é uma doutrina imperialista, a fragmentação é pensada, pois isso enfraquece as reivindicações de determinados grupos sociais. Já vemos dentro do movimento feminista a ingerência de grupos identitários que pregam que “mulher não existe”, que seria apenas um “construto” social.
Outro exemplo se dá nas relações de trabalhistas. Em vez de se lutar por melhores salários e condições de trabalho, a luta se transforma em conseguir postos para pessoas trans, ou qualquer outra minoria. Isso acaba beneficiando os capitalistas, que continuam a explorar seus funcionários, mas fazem propaganda de que seriam “inclusivos”.
Ainda que o identitarismo tenha muito de uma mentalidade religiosa, Marsiglia tira uma conclusão absurda ao afirmar que “Esse universo que no Brasil podemos chamar de woke ou identitário é a mesma coisa que chamaremos no Irã de fundamentalismo religioso”. Mas uma coisa não tem absolutamente nada a ver com a outra.
Embora no Irã o regime tenha uma participação fundamental dos clérigos, esse país se opõe frontalmente ao imperialismo, tomando assim um caráter revolucionário. O identitarismo, por seu turno, é apenas uma extensão do liberalismo burguês, o que o faz completamente reacionário.
Também não tem como comparar, como tenta o autor, o comportamento do judiciário brasileiro e das lideranças iranianas. Temos aqui uma instituição que age contra as liberdades democráticas por imposição das classes dominantes, especialmente o imperialismo.
No mundo todo estão avançando contra os direitos das pessoas. Querem proibir que jovens utilizem aparelhos celulares, reprimem manifestantes, ameaçam jornalistas. E isso tem o intuito de coibir aqueles que venham a se levantar contra o grande capital, que quer levar o mundo para uma guerra, inclusive contra o Irã. Um país que está apenas se defendendo, e que merece todo o apoio da classe trabalhadora.