Um vídeo sobre suposta taxação do Pix desestabilizou a norma, gerou pânico e abriu caminho para o crime organizado atuar sem fiscalização


Uma política pública não morre apenas no Congresso ou por um decreto presidencial. No Brasil contemporâneo, ela pode ser asfixiada por uma avalanche de desinformação, orquestrada com precisão cirúrgica para gerar pânico e capitalizar politicamente sobre o medo. A Operação Carbono Oculto, deflagrada nesta quinta-feira (28) contra os braços financeiros do PCC, não foi apenas uma ação policial de rotina; foi a autópsia de uma política de segurança pública sabotada em plena luz do dia, com milhões de brasileiros como testemunhas e, em grande parte, vítimas.

Quando o secretário especial da Receita Federal, Robinson Barreirinhas, afirmou que o maior ataque da história da instituição foi uma campanha de “mentiras” e “fake news”, ele não estava usando uma figura de linguagem. Ele estava descrevendo um fato com consequências mensuráveis. A norma técnica, que visava estender às fintechs as mesmas obrigações de transparência que os bancos cumprem há duas décadas, era uma medida técnica, burocrática e, acima de tudo, lógica. Em um ecossistema financeiro cada vez mais digital, deixar as novas plataformas de pagamento operando em uma zona cinzenta de regulação não é um ato de liberalismo econômico, mas um convite à criminalidade.

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Foi este convite que o crime organizado aceitou.

O ponto de ignição da crise foi um vídeo. Uma peça de comunicação de alta voltagem, protagonizada pelo deputado federal Nikolas Ferreira (PL-MG), que traduziu uma complexa instrução normativa em uma manchete simples, assustadora e completamente falsa: “o governo Lula vai taxar o Pix”. A mensagem, desprovida de qualquer lastro na realidade, foi um sucesso absoluto. Viralizou, inflamou grupos, gerou manchetes e, o mais importante para seus criadores, semeou a desconfiança em uma das mais bem-sucedidas inovações do sistema financeiro brasileiro.

O que se seguiu foi um manual de como a desinformação pode paralisar o Estado. Comerciantes, temendo uma mordida em suas já parcas margens de lucro, começaram a recusar o Pix. Cidadãos comuns passaram a ver o governo como um inimigo à espreita de suas transações. A pressão popular, alimentada por uma campanha incessante da direita política e seus influenciadores, tornou a manutenção da norma insustentável. O governo, acuado, recuou. O ministro Fernando Haddad tentou, em vão, desfazer o “estrago causado por inescrupulosos”. Mas a verdade, lenta e complexa, nunca tem a mesma velocidade da mentira, rápida e sedutora.

Em 15 de janeiro, a norma foi revogada. Naquele dia, a política do espetáculo venceu a política da governança. E, como a Operação Carbono Oculto revela agora, quem realmente comemorou a vitória não estava nos gabinetes de Brasília, mas nos centros de comando do crime organizado.

A declaração de Barreirinhas é devastadora porque conecta os pontos de forma irrefutável: “As operações de hoje mostram quem ganhou com essas mentiras”. Não se trata mais de uma disputa de narrativas. Trata-se de um vácuo regulatório explorado por uma das maiores facções criminosas do continente para lavar dinheiro do tráfico, financiar suas operações e expandir seus tentáculos por meio de fintechs que operavam sem a devida fiscalização. A ausência da norma, derrubada pelo pânico moral instigado por Ferreira e seus aliados, foi a porta de entrada.

É aqui que o episódio transcende a mera polarização política. A direita brasileira, em sua ânsia por desgastar o governo a qualquer custo, demonstrou uma perigosa indiferença com as consequências de seus atos. Ao transformar uma medida de combate à lavagem de dinheiro em um falso debate sobre impostos, não apenas erodiu a confiança nas instituições, mas ativamente desmantelou uma ferramenta de segurança pública. O capital político obtido com os milhões de likes e compartilhamentos foi pago com o fortalecimento de estruturas criminosas que aterrorizam a sociedade.

A questão central não é se Nikolas Ferreira agiu com a intenção deliberada de beneficiar o PCC. A ingenuidade, neste caso, é tão culpada quanto a má-fé. O ponto é que a tática de “terra arrasada”, onde qualquer ação do governo é distorcida e apresentada como uma ameaça ao cidadão, cria um ambiente de caos onde apenas os fora da lei prosperam. Ao venderem a ideia de um Estado predador que quer “taxar o Pix”, eles incapacitaram o Estado real de fiscalizar o crime.

O governo agora corre para remediar o dano, prometendo uma medida provisória que restabeleça o controle. Mas a lição amarga permanece. O Pix, um símbolo de inclusão e modernização, foi transformado em arma de guerra cultural e, por consequência, em ferramenta para o crime.

A Operação Carbono Oculto expõe uma verdade incômoda: a maior ameaça à segurança e à estabilidade do país pode não vir de criminosos que se escondem nas sombras, mas daqueles que, sob os holofotes das redes sociais, sacrificam a verdade, a segurança e o interesse público no altar de sua própria popularidade. A direita não apenas flertou com o caos; ela o produziu. E o PCC, silenciosamente, agradeceu.

Com informações da Veja*

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Last Update: 31/08/2025