A difícil escolha de Lula 3

por Rafael Tauil

Que o governo Lula 3 enfrenta problemas de aprovação não é nenhuma novidade. A última pesquisa IPESPE (Instituto de Pesquisas Sociais, Políticas e Econômicas) traz um dado alarmante: 54% dos entrevistados desaprovam o executivo federal, enquanto apenas 40% do eleitorado o aprova. Os dados repetem os mesmos números da última pesquisa, realizada em março pelo mesmo instituto. Alguns padrões se repetem como o apoio maior do Nordeste e uma maior desaprovação no Sul do país ao presidente.

Há pouco tempo o executivo federal acreditava que estava enfrentando um problema na área de comunicação, segundo a ideia de que não estava conseguindo comunicar à população os feitos do governo nas mais diversas áreas. Tal percepção levou, inclusive, à mudança na secretaria de comunicação, na crença de que Sidónio Palmeira pudesse mudar este cenário. Para aqueles que acompanham o presidente através das redes, ficou claro que o presidente aumentou sua exposição através de vídeos e cortes em plataformas virtuais como Instagram e Facebook. Os números da pesquisa demonstram que a estratégia foi por água abaixo.

Entre as tentativas de ganho na popularidade, Lula alardeou a importância de programas como o pé de meia e fez questão de chamar a atenção para o projeto de lei que isenta de imposto de renda aqueles que ganham até 5 mil reais por mês. Além disto, propagandeou os ganhos no aumento real do salário-mínimo, o crescimento na renda nacional e a queda na desigualdade socioeconômica segundo os últimos resultados do índice de Gini.

Ainda no campo econômico, o desemprego tem mantido a resiliência em 7% e a inflação, embora acima da meta, tem se mantido controlada a partir do aumento na taxa de juros determinada pelo Banco Central, atualmente em 14,75% ao ano. Nos últimos dias a bolsa de valores celebrou altas importantes e a taxa de câmbio, depois da explosão de 27,3% em 2024, tem demonstrado sinais de que pode passar a um ciclo de queda nos próximos meses. Além disso, vale lembrar que o PIB cresceu 3,4% em 2024.

Nada disso tem sido suficiente para melhorar a aprovação de Lula 3. É sabido que este governo, eleito através de uma frente ampla composta por integrantes tanto da esquerda como da centro-direita, tem de olhar para as duas faces do mesmo Brasil: por um lado uma camada empobrecida, composta por trabalhadores de baixa renda e indivíduos que dependem de programas sociais e, por outro, por uma classe média alta e uma elite financista, bem representadas sob a denominação de Faria Lima.

É justamente aqui que o entrave se apresenta, Lula 3 governa para ninguém. Por um lado não radicaliza a agenda social direcionada às populações mais empobrecidas e, por outro, não adere de forma consistente à agenda neoliberal para agradar o mercado. Sob um regime fiscal restritivo o governo fica impossibilitado de aumentar gastos sociais que beneficiem sua base de eleitores mais dependentes do Estado. O preço dos alimentos, pressionados pela inflação, traz também a sensação de que tudo vai mal, embora a maioria das variações não dependam diretamente das ações do governo na macroeconomia. Os aumentos salariais, embora vistos como generosos por alguns, não refletem uma melhoria real de vida diante de sua constante deterioração ao longo do tempo. O que os trabalhadores empobrecidos percebem é que nada mudou do governo Bolsonaro para cá e que o sonho da picanha com cerveja não se realiza.

Já a classe média alta e as elites financistas acham que a tributação continua alta, que o dólar continua caro e que os entraves ao livre-mercado ainda atrapalham seus ganhos. As duas frações de classe não se conformam, por exemplo, com a isenção de imposto de renda para os trabalhadores de menor renda e, tampouco, com a taxação sobre lucros e dividendos (sem falar dos impostos sobre os super-ricos). Além disto, sentem que a inflação e o dólar os impedem de viajar mais e de comprar artigos de luxo. Isto quando não reclamam que o mercado de ações continua claudicante devido a resultados fiscais ‘desfavoráveis’.

Este caldo ainda é incrementado por crises como as do PIX, do INSS, e, mais recentemente, a do anúncio e desistência do aumento no IOF. Some-se a isto a repulsa das elites em relação às falas de Janja e a gastos federais com comitivas presidenciais, bem representadas pelas viagens ao funeral do Papa e de Pépe Mujica.

Fica claro que a mudança na comunicação não tem nenhum efeito quando advém de um governo que governa para ninguém e que não consegue, se quer, manter o apoio de sua base eleitoral mais fiel. Já há indícios de quedas na aprovação do presidente na região Nordeste, reduto de onde vem boa parte de seu apoio. As inserções do presidente nas redes sociais, talvez o meio de comunicação mais importante na atualidade, miram apenas aqueles que já o apoiam através de bolhas criadas pela polarização política. É como pregar para convertido, não tem nenhum efeito prático sobre o restante do eleitorado.

Além disto, só a comunicação e a melhora tímida dos indicadores sociais não fazem milagre. É preciso que a população sinta que está comendo melhor, que está podendo consumir mais, morar com mais conforto, entre outros avanços. É preciso que a melhora nas condições de vida reflita os números e não o contrário. O eleitorado em geral tem pouco interesse em conhecer os indicadores macroeconômicos ou em saber se a meta fiscal está sendo cumprida e pouco importa ao eleitor se a inflação está próxima da meta ou não. O presidente precisa com urgência escolher para quem quer governar. Se continuar desta forma, a esperança para 2026 logo se tornará uma chama a se apagar. Ainda há tempo, mas é preciso agir com rapidez e convicção.

Rafael Tauil – Doutor em Ciência Política pela Universidade Federal de São Carlos – UFSCar/University of Bristol – UoB. Mestre em Ciências Sociais pela Universidade Federal de São Paulo – UNIFESP. Graduado em Sociologia e Politica pela Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo – FESPSP. Trabalha atualmente como professor de Sociologia e Ciência Política na Escola Paulista de Direito – EPD e integra o quadro de pesquisadores do Laboratório de Política e Governo – LabPol (FCLAR – UNESP)

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Last Update: 27/05/2025