Mastuf, o pastor manco, caminhava pelas colinas e sonhava em cortejar a bela Marisca, dona de olhos azuis cristalinos. Marisca trabalhava no Salão “Harod” no vilarejo de Kungrat, onde tirava leite de camelo para fazer queijo e cuidava do estábulo. Era linda e meiga, mas infeliz, pois lhe faltavam um prendedor de cabelos verde e um grande amor em sua vida.
Mastuf podia ser este homem, pelo menos em suas próprias infindáveis fantasias. Ele via nela mais do que um belo par de ancas e uma franja sedutora. Ela era carinhosa com as crianças, em especial seus irmãos menores. Era gentil com os mais velhos e muito esperta. Dificilmente errava quando fazia um penteado ou aparava as unhas de uma cliente.
O aldeão um dia resolveu que seria o momento adequado para cortejá-la. Entrou no modesto salão e girou o olhar pelo ambiente. Uma bela jovem se aproximou e perguntou se desejava cortar o cabelo ou arrumar as unhas. Mastuf congelou, era ela, a moça bela da aldeia, a quem seus olhos perseguiam sem descanso.
Marisca começou a cortar as unhas de Mastuf, e ele sentiu uma sensação profunda de contentamento e plenitude. No entanto, Korgut, o Alcaide, entrou na sala e começou a acusar Marisca de vadia e irresponsável. Mastuf, surpreso, nada podia fazer a não ser se afastar.
Korgut começou a agredir Mastuf, e ele segurou-se ao braço do Alcaide para não ser atingido. Marisca implorou piedade e pediu que Korgut não atacasse o pobre rapaz. No entanto, Korgut continuou a agredir Mastuf, até que Marisca, com a tesoura de unhas, cravou-a no coração de Korgut.
Mastuf rastejou até a tesoura e a usou para defender-se de Korgut. O Alcaide caiu ao chão fulminado. Mastuf, ferido, rastejou até a parede e sentou-se, com o sangue por toda a parte. Marisca chorava a dor irreparável e Mastuf pediu perdão por nunca ter dito que a amava.
Marisca aproximou seu rosto mais uma vez para poder olhar o corpo caído quase sem vida de seu salvador. Seu rosto ficava cada vez mais frio, sua voz mais baixa. Ele estava partindo. Marisca aproximou seu rosto mais uma vez e fechou os olhos vítreos de Mastuf.
Mastuf cerrou as pálpebras enquanto sua cabeça se aconchegava no colo da amada. Soltou o ar contido nos pulmões pela última vez e dormiu o sono dos mártires.
Haakon Mikkelsen é um escritor e roteirista dinamarquês, nascido em Nykobing Falster. Ficou famoso em seu país por ter trabalhado na produção de roteiros de um famoso programa de humor aos sábados à noite chamado “Griner i København” (Gargalhadas em Copenhague). Ao lado disso escreveu inúmeros sketchs de humor e roteiros para filmes, incluindo aí o premiado “St. Bernard Frossen” (São Bernardo Congelado) e “Isdukke” (Boneco de Gelo). Em 2010 lançou seu primeiro livro de contos, chamado “Contos da Terra Perdida”que teve uma boa recepção da crítica. Atualmente trabalha na TV2 da Dinamarca e mora em Copenhague com sua mulher Hilda.