A desconstrução do ensino à distância pelo MEC
por Alexandre Coslei
Enquanto o governo Lula cria programas para atrair a formação de docentes, o Ministério da Educação impõe barreiras que ameaçam o futuro da formação de professores. A quem interessa o desmonte da Educação à Distância?
O Ministério da Educação parece não estar sintonizado com a urgência dos tempos atuais. Mesmo diante da queda nos índices de aprovação do governo, a pasta comandada por Camilo Santana segue firme em uma cruzada contra a Educação à Distância (EAD) — modalidade que se tornou essencial para ampliar o acesso à universidade, especialmente entre os estudantes de baixa renda.
A Resolução CNE/CP nº 4/2024, aprovada em março, impôs restrições severas à formação de professores por meio da EAD. A medida praticamente elimina essa opção para cursos de licenciatura e dificulta a obtenção de uma Segunda Licenciatura ou Formação Pedagógica, ignorando que 88% dos estudantes de licenciatura em 2023 estavam matriculados em cursos à distância, conforme o Censo da Educação Superior.
A justificativa? Melhorar a qualidade da formação. Mas a realidade é outra: os novos critérios tornam o curso inacessível para quem precisa trabalhar, aumenta a carga horária, extingue o formato 100% on line, reduz a flexibilidade de horário para quem trabalha ou mora longe dos polos presenciais. Além disso, a exigência de 400 horas de estágio supervisionado soa como um luxo impossível para muitos alunos. Não é formação acadêmica, é gincana.
E mais: a ideia de que apenas cursos presenciais garantem qualidade na formação profissional é, no mínimo, equivocada. Se essa lógica fosse verdadeira, teríamos um cenário repleto de médicos e advogados de excelência, já que essas formações são tradicionalmente presenciais e rigorosas. No entanto, a realidade mostra o contrário: a qualidade do profissional não depende exclusivamente do formato da sua formação, mas de múltiplos fatores — como dedicação, acesso a boas práticas, atualização constante e compromisso ético. Reduzir a complexidade do processo educacional a um único critério, como a presencialidade, é ignorar o que realmente importa na formação de bons profissionais.
Sabotar o EAD é causar aumento nas mensalidades, nos custos de realização, é interferir no fluxo de pessoas que finalmente conseguiram alcançar a formação superior
O mais preocupante é a insegurança jurídica provocada pela medida. O Parecer CNE/CP nº 5/2025, que deveria esclarecer pontos da resolução, contradiz a si mesmo. Enquanto o item 8 garante a continuidade dos cursos até 2026 sob as diretrizes antigas, o item 11 desautoriza essa mesma aplicação. Resultado: instituições desorientadas, estudantes aflitos e diplomas em risco.
Essa confusão se intensifica com a proposta da Prova Nacional de Docentes (PND), prevista para ser testada em 2025. Segundo o MEC, o exame busca avaliar a formação docente, mas na prática pode reforçar a precarização da profissão ao legitimar os Processos Seletivos Simplificados (PSS), já comuns em diversos estados. Casos recentes no Rio de Janeiro, como em Duque de Caxias (que excluiu a cota racial no meio do processo e não divulgou a lista de PCDs no resultado) e Teresópolis (que inventou uma exigência não prevista no edital e precisou voltar atrás após contestação de um candidato), mostraram que esses processos muitas vezes carecem de transparência, excluem cotas e até ignoram editais. O processo seletivo de Caxias terminou sendo cancelado.
Fica a sensação de que o MEC está remando contra a maré. O mesmo governo que lançou iniciativas como o Mais Professores para o Brasil e o Pé-de-Meia Licenciatura — focadas em estimular o interesse pela docência —, agora impõe restrições que desestimulam qualquer jovem a seguir essa carreira.
Como esperar que alguém deseje cursar uma licenciatura em regime semipresencial, com estágio obrigatório de centenas de horas, sabendo que o salário é baixo e o contrato de trabalho temporário?
Camilo Santana herdou um MEC desestruturado e tenta reconstruí-lo. Mas sua gestão, ao atacar o EAD em vez de qualificá-lo, coloca em risco conquistas históricas de inclusão educacional. O problema não está na modalidade, mas na regulação e aperfeiçoamento da avaliação das instituições que a oferecem. Enfraquecer o EAD é punir os estudantes, encarecer o ensino e afastar futuros professores.
A construção de um Marco Regulatório para o ensino à distância parece estar sendo elaborada como Marco do Bode Expiatório. É óbvio que a elite acadêmica esperneará contra o atual modelo do EAD, não apreciam a facilidade de acesso ao ensino superior. A elite deseja que o ensino superior permaneça sendo um privilégio, não um direito.
É hora de o presidente Lula olhar com mais atenção para o que está acontecendo dentro do próprio governo. O MEC, ao fazer regredir o sistema de formação docente, ameaça não só o acesso à educação, mas também a estabilidade e a credibilidade do próprio Executivo.
Alexandre Coslei – professor e jornalista
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