A esquerda pequeno burguesa, mesmo diante do desastre gigantesco que foi o golpe de Estado na Síria, continua defendendo que ele foi uma vitória dos trabalhadores. É o caso do International Viewpoint que publicou o artigo “The Threats ahead of a Democratic and Progressive Syria”, ou As Ameaças para uma Síria Democrática e Progressista. É mais uma demonstração da total incompreensão da esquerda sobre a luta contra o imperialismo, o que transforme essa esquerda em uma ferramenta do imperialismo.
O erro começa com a análise sobre Assad: “a família Assad estabeleceu um regime despótico e patrimonial na Síria. Esse regime despótico e patrimonial era um poder autocrático e hereditário absoluto, que funcionava por meio da posse do Estado por um pequeno grupo de indivíduos conectados por laços familiares, tribais, sectários e clientelistas, simbolizados pelo Palácio Presidencial liderado por Bashar al-Assad e sua família. As forças armadas eram dominadas por uma guarda pretoriana (uma força cuja lealdade vai para os governantes, e não para o estado), representada pela Quarta Brigada, chefiada por Maher al-Assad, assim como os meios econômicos e as alavancas da administração. O regime sírio desenvolveu um tipo de capitalismo de compadrio dominado por um pequeno grupo de empresários completamente dependentes do Palácio Presidencial (Bashar al-Assad, Asma al-Assad e Maher al-Assad), que exploraram sua posição dominante garantida por este último para acumular fortunas consideráveis”.
Independente de serem verdade ou não as considerações do autor, essa análise é irrelevante. A questão é, o governo Assad era nacionalista, era baseado em uma burguesia local que se chocava com o imperialismo? A resposta é sim. A Síria era o último país árabe onde ainda existia o antigo nacionalismo, das décadas de 1950-70. Os defeitos do governo eram inúmeros, como de qualquer governo burguês, mas o que importa é que ele às vezes se chocava com o imperialismo e, nesses momentos, era progressista.
Ao falar da queda de Assad o autor revela que não tem consideração nenhuma sobre o papel do imperialismo. “A queda do regime provou sua fraqueza estrutural, militar, econômica e politicamente. Ele desabou como uma casa de cartas. Isso não é surpreendente, pois parecia claro que os soldados não iam lutar pelo regime de Assad, dadas suas baixas condições e salários. Eles preferiram fugir ou simplesmente não lutar, em vez de defender um regime pelo qual tinham muito pouca simpatia, especialmente porque muitos deles haviam sido recrutados à força. A dependência do regime de seus aliados estrangeiros se tornou crucial para sua sobrevivência, demonstrando sua fraqueza. A Rússia, principal patrocinadora internacional de Assad, desviou suas forças e recursos para sua guerra imperialista contra a Ucrânia”.
Ou seja, o autor critica a Rússia um país oprimido, a chamando de imperialista, mas ignora que o imperialismo destruiu completamente a Síria e causou a queda de Assad. O imperialismo destruiu o país com a guerra, quando foi derrotado ocupou militarmente a região mais rica, onde estava o petróleo, e depois impõem as sanções mais violentas do planeta, o Ato César. Qualquer país teria dificuldade de sobreviver a isso, mas o ataque imperialista à Síria é completamente ignorado, algo totalmente absurdo. Assad foi derrubado por um golpe dos EUA, era uma obrigação da esquerda mundial defende-lo contra o golpe.
O golpe na Síria e o golpe no Egito
O texto então adentra uma explicação completamente errada sobre o golpe no Egito no ano de 2013.
“Ao contrário da Síria, a queda inicial do ditador Hosni Mubarak não significou o fim do regime egípcio. No caso do Egito, o sistema político estava mais próximo de uma forma de neo-patrimonialismo. O nepotismo e o clientelismo estavam presentes no regime egípcio por meio da família Mubarak, e ainda estão presentes hoje com o regime atual liderado por Sisi. Em outras palavras, um sistema republicano autoritário institucionalizado, com maior ou menor grau de autonomia do Estado em relação aos governantes, que poderiam ser substituídos”. E depois afirma: “é importante entender a natureza do regime de Assad e a diferença com o cenário egípcio. Enquanto o antigo regime na Síria está estruturalmente morto, refletido pelo desaparecimento do Palácio Presidencial e suas redes, no Egito os centros de poder dentro do comando militar superior permaneceram no poder, apesar da queda de Mubarak em 2011 e do governo de Morsi entre julho de 2012 e julho de 2013”.
O que aconteceu no Egito foi que uma revolução popular derrubou o governo totalmente pró-imperialista de Mubarak, algo completamente diferente de Assad. A revolução então foi combatida pela contra-revolução, as forças reacionárias do antigo governo, e assim o general Sisi conseguiu dar um golpe de Estado. Por que a explicação do autor é tão confusa? Pois ele não considera a classe essencial nos dois casos, o imperialismo.
No Egito o povo derrubou o governo pró-imperialista mas em uma contra-ofensiva o imperialismo conseguiu estabelecer uma nova ditadura. Na Síria o imperialismo foi quem derrubou o governo e o regime político, que havia surgido em 1970, já estava esgotado. Mas se os casos são opostos porque o autor relembra o Egito? Pois ele quer afirmar que o golpe da Síria em 2024 foi equivalente à revolução popular do Egito em 2011, uma tese totalmente fora da realidade.
Mas é preciso sair da realidade para conseguir defender um golpe de Estado imperialista. Isso fica claro quando na segunda parte do texto, que não será abordada nesse artigo, ele cita as sanções do imperialismo contra a Síria para comentar as dificuldades do novo governo golpista. Ou seja, em relação à Assad, o imperialismo é ignorado. Agora que Assad foi derrubado é possível falar sobre as sanções.
A conclusão final é que essa esquerda é totalmente incapaz de liderar a luta dos trabalhadores. Na atual etapa do imperialismo os golpes de Estado são cada vez mais comuns. Só em 2024 houve golpes e tentativas de golpes na Venezuela, em Bangladexe, na Romênia, na Geórgia, na Macedônia, no Moldávia, e além disso os golpes eleitorais na Inglaterra e na França. Sem compreender que a luta é contra o imperialismo a esquerda perdida se torna uma auxiliar dos maiores inimigos dos trabalhadores.